Com o termo de mais um ano, repete-se a costumeira mirada para trás a percorrer em retrospecção os últimos trezentos e sessenta e cinco dias de edições musicais. Muitos dias, muitos discos, muitas horas de audição depois, é altura de pesar méritos e insuficiências de intérpretes, de recuperar sensações produzidas pela música e encher esta folha de papel com os discos mais tocantes do ano. Escolher de um universo tão vasto de lançamentos é um exercício limitativo e, por consequência, um acto redutor e subjectivo. E dessa subjectividade, apenas dela e dos estímulos pessoais suscitados por cada um dos discos, derivaram as considerações que aqui se deixam expressas. Ao leitor, estou certo de que estas propostas interessarão como pistas, meros alvitres que levem à descoberta do desconhecido ou ao reconhecimento de reputações.
Musicalmente, o ano que agora finda foi como outros: cheio de coisas boas, algumas decepções, outras tantas revelações e muitas horas a ouvir música. A nível internacional, este foi o ano que confirmou o génio megalómano do americano Sufjan Stevens, autor de mais um capítulo da sua saga musical consagrada aos estados americanos e que, no devaneio do músico, há-de dedicar um disco a cada estado. No segundo álbum da colecção,
Illinois, Stevens criou uma obra ambiciosa e ecléctica, um verdadeiro cartão de visita musical e a cuja majestade ninguém fica indiferente. Certamente, um disco omnipresente nas listas de melhores do ano. Ainda em terras do tio Sam, este foi também o ano da ambiguidade dos Animal Collective (
Feels) e da pujança rock das Sleater-Kinney (
The Woods). Enquanto o trio feminino de Washington prosseguiu a virtuosa rotina de escrever grandes álbuns
rock, os nova-iorquinos redesenharam o seu intenso espaço de ambiguidade sonora, na verdadeira caixinha de emoções que é o seu sétimo disco. Além desses, num registo mais plácido, sobressaiu o nome de Anthony. O andrógino compositor californiano fixou definitivamente, ao segundo álbum (
I Am a Bird Now), o seu espaço na cena musical norte-americana como
songwriter do lado negro do amor. Ainda no capítulo das confirmações, nos E.U.A., uma referência aos discos competentes dos sublimes californianos Mars Volta (
Frances The Mute), ao terror do novo trabalho do projecto Sunn O))) (
Black One), à
pop de casta dos The Decemberists (
Picaresque), de
Amos Lee ou Josh Rouse (
Nashville), ao
hip-hop de Edan (
The Beauty and the Beat), Kanye West (
Late Registration) ou Cam'ron (Purple Haze), à
folk dos My Morning Jacket (
Z) ou de Devendra Banhart (
Cripple Crow) e às múltiplias dimensões
rock dos White Stripes (
Get Behind Me Satan), dos Queens of the Stone Age (
Lullabies to Paralyze), dos Lightning Bolt (
Hypermagic Mountain), dos Fantômas (
Suspended Animation) ou dos System of a Down (
Mezmerize/
Hypnotize). A encabeçar a lista de debutantes para este ano na música americana, os irreverentes
Clap Your Hands Say Yeah que, à custa de um disco em edição de autor e de algumas
reviews favoráveis, geraram algum burburinho à sua volta e prometem agitar a cena
rock nos tempos mais próximos. A par destes, embora num registo distinto, a electrónica do projecto
LCD Soundsystem marcou pontos num disco de estreia convincente e que deixou água na boca. Ainda em matéria de revelações, este ano trouxe-nos, do Canadá, a estreia em disco da exuberância da
pop alternativa dos Wolf Parade (
Apologies to Queen Mary), da mesma Montreal que vira nascer os
Arcade Fire, no ano transacto. Também do Canadá, merecem um apontamento de destaque os regressos esperados dos
Broken Social Scene e dos The New Pornographers (
Twin Cinema).
Fora do continente americano, num ano particularmente activo no Reino Unido, o ano ficou marcado pelo regresso em força dos escoceses
Franz Ferdinand (na mesma linha do primeiro longa-duração), dos ingleses
Coldplay (cada vez mais os porta-vozes primeiros da
brit pop) e
Depeche Mode (um regresso ao passado mais criativo) e pelas revelações dos britânicos
Bloc Party,
Art Brut e
Kaiser Chiefs (novos mensageiros do movimento
rock), da
pop elaborada dos
Clientelle e da electrónica surpreendente de
M.I.A.. Uma nota ainda para os discos bem conseguidos de Jamie Lidell (
Multiply), em convenções electrónicas precisas, dos Part Chimp (
I Am Come), pela combatividade convulsiva do
noise rock que defendem, dos Elbow (
Leaders of the Free World) e dos Low (
The Great Destroyer), pela competência e requinte, e dos Gorillaz (
Demon Days), pela versatilidade da boa escrita. Pelo resto da Europa, Pascal Arbéz, sob o pseudónimo Vitalic (
Ok Cowboy), e o alemão Rajko Müller (Isolée,
We Are Monster), agitaram a electrónica europeia. Os suecos Opeth (
Ghost Reveries) recriaram conceitos do metal escandinavo e os islandeses Sigur Rós (
Takk) produziram mais uma tocante ode glacial. No resto do Mundo, os australianos Architecture in Helsinki (
In Case We Die) deram-nos uma amostra do mais puro e irresistível psicadelismo electrónico, os congoleses Konono n.º 1 (
Congotronics) fizeram-nos dançar ao som do
likembé e a dupla invisual (do Mali) Amadou & Mariam (
Dimanche à Bamako) encantou-nos com um passeio de Domingo às sonoridades africanas.
Mas 2005 foi, também, um ano marcado por alguns regressos sonantes e alguns
flops.
Rolling Stones,
Paul McCartney,
Kate Bush,
Bruce Springsteen,
Madonna,
Vashti Bunyan,
Nine Inch Nails e
Sinnéad O'Connor regressaram às lides discográficas sem medo das sombras do passado e conseguiram, uns mais do que outros, não deslustrar o património que ostentam e até, em alguns casos, acrescentar novos ingredientes ao receituário costumeiro. Nas desilusões, os nomes de
Moby,
Tori Amos,
New Order (outro regresso "histórico") e
Liz Phair marcaram edições discográficas menos felizes.
No que toca à música nacional, para além da confirmação dos créditos de compositor de Francisco Silva (
Old Jerusalem), do pianista
Bernardo Sassetti e dos criativos
Blasted Mechanism e D-Mars (sob o pseudónimo
Rocky Marsiano), também dos regressos de
Sara Tavares,
David Fonseca e
Rui Veloso, o ano foi particularmente dinâmico para as divas do fado moderno, com discos novos de
Mariza,
Mísia e
Cristina Branco, e deram-se a conhecer em disco alguns conceitos musicais que, até aqui, estavam guardados no anonimato. Nesse grupo incluem-se o guardense Victor Afonso (
Kubik), que nos proporcionou um invulgar exercício de bricolage musical, o colectivo lisboeta
Ölga, os luso-canadianos
Funami, o
Complicado Miguel Gomes, os
rappers Factor Activo,
Serial,
Sagas e
Preto, os
Loosers, os
If Lucy Fell e os mirandeses
Galandum Galundaina.
Foram estes os nomes que fizeram a melhor música de 2005. Para o ano há mais. Num registo para a história, aqui ficam as listas:
INTERNACIONAL1.º Sufjan Stevens, Illinois2.º Broken Social Scene, S/T3.º Animal Collective, Feels4.º Clap Your Hands Say Yeah, S/T5.º The Mars Volta, Frances the Mute6.º Wolf Parade, Apologies to Queen Mary7.º Sunn O))), Black One8.º Anthony and the Johnsons, I Am a Bird Now9.º Sleater-Kinney, The Woods10.º The New Pornographers, Twin CinemaNACIONAL1.º Kubik, Metamorphosia2.º Complicado, Haunted3.º Old Jerusalem, Twice the Humbling Sun4.º Rocky Marsiano, The Pyramid Sessions5.º Mariza, Transparente6.º Serial, Brilhantes Diamantes7.º Mísia, Drama Box8.º Carlos Bica, Single9.º Blasted Mechanism, Avatara10.º Ölga, What Is