terça-feira, 31 de julho de 2007

Fridge - The Sun

6/10
Domino
AnAnAnA
2007
www.myspace.com/
fridgemusic



Embora para muitos o conceito Fridge não seja mais do que uma mera incógnita, foi nele que o (hoje) consagrado Kieran Hebden (o cérebro da insígnia Four Tet) fez o tirocínio nas lides musicais, ao lado do baterista Sam Jeffers e do baixista Adem Ilhan (também ganhou notoriedade solo com a assinatura Adem). Curiosamente, a reputação crescente dos trajectos individuais de Hebden e Adem e a confirmação das suas competências como produtores viriam a votar ao quase esquecimento o título Fridge, facto comprovado pelo pousio de seis anos que antecedeu este The Sun. Pode, portanto, falar-se da reunião de um trio de amigos e da regeneração de uma fórmula musical que, em finais da década de 90, embora partindo de uma formação clássica de trio rock, aproveitou o embalo da moda experimentalista do pós-rock - pelo menos no seu desembaraço formal - reformatando-o pelo prisma da electrónica minimalista que, entre outras luminárias, buscava no jazz (e na subsequente integração de diversos condimentos instrumentais) a referência quintessencial. O longo interregno de seis anos (e a consequente separação de águas entre o folk de vanguarda de Adem e as propostas de anarquismo orgânico de Hebden) parece não ter deprimido fatalmente a empatia musical que unia os músicos e, nesse particular, o disco dá provas de razoável sobrevivência do discurso "histórico" dos Fridge. Ainda assim, um ou outro instante inspirado (como "Oram" ou "Eyelids"), não evitam a conclusão de que a mescla nem sempre soa tão genuína como noutros tempos e parece respirar segundo a regra equilibrista (entre pesados egocentrismos) do ora-agora-brilhas-tu-ora-agora-brilho-eu, o que, em último caso, atravanca as reais hipóteses de The Sun se afirmar como obra de estética definida ou como declaração de válido renascimento dos Fridge.

Posto de escuta EyelidsOramInsects

domingo, 29 de julho de 2007

Bernardo Sassetti - Dúvida

8/10
Trem Azul
2007



Em paralelo com o percurso de escrita "académica" que o sancionou como um pianista jazz de escol e um dos mais talentosos compositores lusos da sua geração, Bernardo Sassetti tem vindo progressivamente a afirmar-se também na incumbência de produzir música de alcance cénico, para povoar ambientes do cinema e/ou do teatro. O acontecimento mais recente é este Dúvida, pensado para musicar a peça homónima de John Patrick Shanley, levada à cena no teatro Maria Matos, com encenação de Ana Luísa Guimarães e com Eunice Muñoz e Diogo Infante a encabeçarem o elenco de autores. Com a companhia oportuníssima da Sinfonietta de Lisboa (sob a direcção de Vasco Pearce de Azevedo), o registo é o mais clássico dos trabalhos do pianista, com o piano a desfiar os fraseados nucleares de cada peça, as mais das vezes numa inquietante oratória de placidez minimalista (nesse particular, as notas esparsas do piano encontram simetrias com a métrica despojada que conhecemos em Alice), a propor um nebuloso jogo coloquial com os acrescentos orquestrais e com o silêncio - aqui usado como sala de respiro onde as composições ganham novos fôlegos e regeneram causas. Nostálgico, nervoso e subliminarmente sombrio, Dúvida deixa-nos tão perto da fantasia romântica quanto do arquejo medroso da incerteza (como no texto original) e isso, com a espantosa noção de proporção de Sassetti, é a iniciação infalível para uma experiência auditiva única.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Nina Nastasia & Jim White - You Follow Me

8/10
Fat Cat
Flur
2007
www.myspace.com/
ninanastasia



A viver um momento especialmente criativo da sua carreira, ainda que raramente notada pelos grandes públicos, a nova-iorquina Nina Nastasia é uma das mais assombradas descendentes da fina tradição folk da música americana. Com um quarteto de discos religiosamente leais a uma certa solenização crua da melancolia, da mágoa e da desilusão, feita sobretudo à custa de composições que, construíam melodias minimais em volta da tensão vocal da compositora, depois adquirindo amplitude em altivos arranjos semi-orquestrais, a música de Nastasia já não guarda segredos. Esse intimismo quase pastoral é retomado neste You Follow Me. Jim White, excelso baterista dos Dirty Three (ao lado de Mick Turner e Warren Ellis) e parceiro de gravação desde os tempos de Run to Ruin (2003), é aqui mais do que um figurante e co-assina as peças do alinhamento, precipitando sobre as composições uma brilhante vocação arrítmica (por vezes, confunde-se com dissonância), em certos momentos a roçar o improviso ou o ligeiro psicadelismo. Tudo coisas que jogam maravilhosamente com a afectuosa amargura do canto e dos dedilhados de Nastasia.

Desde que os primeiros acordes do disco se espalham no ar, se percebe que You Follow Me é também o mais despido dos álbuns de Nina Nastasia, sem os característicos arranjos de opus anteriores. Reduzidas a um esqueleto de cumplicidades inatas entre voz, bateria e guitarra, as canções habitam um espaço de empatias naturais entre os dois músicos e consomem energias fortuitas (por isso tão encantadoras) do contratempo entre o recato confessional de Nastasia e o nervo inquieto de White. E perceber como, ao contrário do que seria expectável, a vitalidade da percussão excitada de White - do melhor que se ouviu nos últimos tempos em disco, a repescar alguma da feitiçaria dos Dirty Three - não corrompe minimamente o intimismo de Nastasia e, ao invés, lhe injecta uma silhueta de esperança, é uma das melhores surpresas que este ano discográfico nos trouxe.

Posto de escuta Sítio da Fat Cat

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Pelican - City of Echoes

5/10
Hydra Head
2007
www.pelicansong.com



O terceiro registo do quarteto Pelican é demonstrativo do apuramento incerto que a música destes californianos vem registando desde o debute discográfico de há quatro anos, com o pesado Australasia. Já aí a comunidade melómana vira neles o rótulo art-metal, pela mescla instrumental de riffs importados do género doom com uma propensão melódica próxima do escapismo pós-rock ou das escalas progressivas. Essa mistura, as mais das vezes trazida à colação no registo de contrastes ou na lógica de crescendos demorados que celebrizou os compatriotas Isis (no caso dos Pelican sem a voz, é claro), seria retomada no segundo opus do grupo, The Fire in Our Throats Will Beckon the Thaw, com a novidade da introdução pontual da guitarra acústica. Notoriamente menos grave do ponto de vista das distorções, ainda que sob a mesmíssima moldura conceptual, o álbum destapava o desejo do quarteto de buscar outra amplitude cénica (e espessura artística) para a sua música, sem minorar a vocação metal que lhe corre nas veias e, sobretudo, apelando à transcendência intimista. City of Echoes mostra-nos outra face desse polimorfismo gradual dos Pelican. Não se trata propriamente de qualquer corte radical com o passado mas o novo registo mostra-nos música enredada nas contingências próprias de outras incertezas estéticas, algures no gume entre o metal rústico (embora, aqui, ele raramente se revele na plena expressão) e a libertação espiritual das texturas pós-rock. Na tentativa de tornar essa "evolução" menos errante (e, talvez, menos metal...), a opção pela redução do tempo médio dos trechos parece natural mas, não obstante a utilidade, a espaços, de alguma subtileza, não deixa de dissipar-se parte significativa do alcance das composições.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Matthew Dear - Asa Breed

8/10
Ghostly International
2007
www.matthewdear.com



Apesar de alguns dos seus heterónimos gozarem de um certo impacto mediático (o conceito techno minimalista Audion é a sua manifestação mais conhecida) nas esferas da música electrónica "dançável", é com o próprio nome que Matthew Dear tem assinado as propostas mais consistentes (e quiçá mais "convencionais") de um percurso essencialmente dedicado à investigação das potencialidades criativas da música de orgânica digital. Este álbum, como de resto já antecipara o registo anterior com esta assinatura, desvenda uma propensão pop que não tem paralelo nos demais alter-egos artísticos de Dear e que, ainda que ancorada nos mesmos princípios orgânicos, assenta num registo mais lacónico, ao jeito do formato canção (por oposição às fórmulas habitualmente estendíveis da cartilha techno), com o necessário investimento na voz. Se bem que esse propósito mais imediatista desbrave outras faces do ideário do músico/produtor, mormente enquanto belíssimo exercício especulativo de depuração dos conceitos techno rumo a uma coisa maior (quando se chega ao final de Asa Breed já só restam sombras abstractas desse ponto de arranque), há também, no reverso, uma subliminar constrição do alcance cerebral da música de Dear. Mas, afinal, aqui não joga a identidade Audion. O que, em face dos sólidos atributos destas canções, só vai desiludir aqueles que, sendo admiradores do discurso minimalista de outros trabalhos, talvez não encontrem aqui o desafio do costume. Os outros facilmente se renderão a uma escrita que, não patenteando certezas estéticas, é um deleite urdido em volta das dúvidas.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Radical Face - Ghost

7/10
Morr Music
2007
www.radicalface.com



Tendo-se dado a conhecer numa parceria criativa que dividiu com o amigo Alex Kane, no radioso conceito musical a que decidiram chamar Electric President, Ben Cooper destapou, aí, algumas das linhas com que se cosem as suas fantasias pop. Agora entregue a trabalhos solitários, o músico persegue o mesmo ideário para a construção de melodias, justapondo matérias acústicas e digitais e servindo-se de idêntica noção de detalhe nas texturas (numa mescla instrumental bastante rica) e, sobretudo, de singular sentido de dimensionamento das composições. Montado sobre uma trama de cumplicidades "naturais" entre a formatação típica da folktrónica contemporânea, a mais expressiva pop de câmara (com a projecção orquestral que se impõe) e a música feita para sonhar (nesse aspecto, vêm repetidamente à memória os fraseados melódicos de Ben Gibbard), Ghost põe em prática os vários motivos da escrita escorreita de Cooper. Ele é um melancólico mas a sua música encerra alguma ambivalência emocional, algures entre o recato das noites num lugar ermo e a excitante celebração da alvorada. Ainda assim, sob uma produção que, a espaços, arrisca a excentricidade e a euforia (confirmados na exaltação vocal dos refrões), as composições não chegam a desviar-se da rota intimista e contemplativa que melhor serve estes relatos de assombrações. E mesmo que nem todas as peças induzam a empatia imediata da soberba "Welcome Home", estas fábulas são tão plácidas e leais que apetece fazer amigos entre os fantasmas...

domingo, 22 de julho de 2007

Map of Africa - Map of Africa

7/10
Whatever We Want
Flur
2007
www.myspace.com/
mapofafricatheband



Não é facto virgem que a música de dança contemporânea vem sendo, há uns anos a esta parte, o campo de oportunidades usado por uma curiosa (e pouco coordenada) vaga de protagonistas reinventores à procura de novos conceitos estéticos, ora invocando memórias respeitadas de tendência dançante e dando-lhes o toque de modernidade, ora importando (e conjugando) discursos de outras estirpes de som. Assim, já não surpreende que, de tempos a tempos, alguns DJ's invistam nesse incerto propósito de experimentar soluções alternativas para um género algo dado à inércia, desse modo vencendo preconceitos estéticos e ensaiando proximidades mais ou menos felizes com outros géneros musicais. Map of Africa é exemplo paradigmático dessa filosofia e, ao contrário do que o seu nome automaticamente faria supor, não é uma síntese da música do continente negro; ao invés disso, trata-se de uma colecção de amores (ilegítimos?) que Harvey Basset (sim, o ecléctico DJ Harvey, convidado regular das sessões londrinas Ministry of Sounds) e Thomas Bullock (uma das metades do projecto Run-N-Tug, expert na ciência do remix), dois vultos salientes da actual cena club nova-iorquina, partilham pelo rock. Nesse sentido, Map of Africa mostra um pendor contra natura de Harvey e Bullock, no sentido de que as composições louvam o legado rock setentista (e suas descendências posteriores), entre a configuração arty progressiva de uns Pink Floyd, o ênfase eléctrico dos Black Sabbath ou a indulgência dos Dire Straits, executado na sacra trindade instrumental guitarra eléctrica/baixo/bateria, por oposição à esperada determinação digital dos DJ's britânicos. A revisão de "Black Skin Blue Eyed Boys", original dos Equals, faz anúncio desses parâmetros e serve de mote para a mistura de estilos (entre o ontem e o amanhã) que lhe segue no alinhamento e que, partindo do tal património rock, vai paulatinamente evoluindo para outros planos, desde os blues ao funk, da jornada dub progressiva ao desarranjo estrutural do psicadelismo. No final, a despeito da inevitável descontinuidade estética que uma mistura tão ambiciosa sempre arrastaria, fica a impressão de que, mais do que ser uma declaração acabada de novos costumes, Map of Africa é um profícuo laboratório de assimilação de ideias e ensaios, em volta de ideários de culto. Vale essencialmente pela fascinante incerteza da descoberta.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Terry Riley - Les Yeux Fermés & Lifespan

7/10
Elision Fields
2007
www.terryriley.com



A música do compositor norte-americano Terry Riley já não esconde enigmas para os melómanos mais atentos, ou não fosse ele um vetusto criador de 72 anos que esteve no pelotão pioneiro da escola minimalista californiana e que, entre outras démarches visionárias, foi um dos precursores da lógica de repetição (e encadeamento) de segmentos na construção de uma melodia. Desde cedo versando o vanguardismo e a exploração das potencialidades meditativas da música - a que não são estranhos os seus frequentes refúgios na paz espiritual da Índia - a discografia de Riley é um dos mais fecundos patrimónios da música contemporânea e tem merecido inúmeras revisitações e referências. Nesta edição, são resgatados dois vinis da década de 70. O primeiro, Les Yeux Fermés, originalmente editado em 1972 (para uma obscura curta-metragem francesa), contém duas peças ambivalentes. Enquanto "Journey From the Death of a Friend" é uma composição típica do guru do minimalismo, com as inconfundíveis sequências de loops de orgão e camadas sobrepostas de sons orgânicos, a soberba "Happy Ending" mostra exercícios (pouco convencionais) em volta do saxofone soprano, ecoante e hipnótico, sobre belíssimas texturas de teclas processadas. As restantes seis composições do alinhamento reportam a Lifespan (de 1974), trilha sonora da película homónima com Klaus Kinski, e conduzem-nos a ambientes menos divagantes (em razão da menor extensão das faixas) mas não menos estimulantes, como é patente na irresistível "In the Summer", com fraseados de orgão atados entre si pela mestria no uso do delay e diversos adornos electrónicos a borbulhar, ao lado do mantra vocal de Riley. Coisa para fazer salivar os adeptos do vanguardismo, da (des)construção ou do improviso. E para relembrar, mesmo com as descontinuidades próprias de uma edição conjunta de duas obras sem simetria estética ou conceptual, uma das figuras emblemáticas da música do nosso tempo.

Become Not - Become Not

5/10
Ed. Autor
2007
www.myspace.com/
becomenot



As primeiras notas de "Unhappy Ending Movie", trecho de abertura do primeiro álbum do trio lisboeta Become Not, deixam no ar o prenúncio (confirmado no resto do alinhamento) de um som com profunda inclinação intimista e que aposta sobretudo na simplicidade estrutural das composições para lá chegar. Paulo Baeta (guitarra), João Guerreiro (voz) e JP (sintetizadores) abreviam o processo de construção melódica à dimensão mais introspectiva que se pode tirar da guitarra acústica, assim delineando os contornos misantrópicos das canções; depois, além da presença vocal com expressividade desencantada (pontualmente a resvalar para um ou outro cliché "meloso" que diverge do propósito ambiental das composições), desvendam-se curiosos jogos de galanteio entre a acústica e as envolvências espectrais dos sintetizadores. Estas, em jeito de catarse, são o utilíssimo complemento escapista de Become Not e, não fosse o caso de quase sempre se esconderem atrás das demais ferramentas, seriam a matéria definidora de uma identidade sonora mais consistente. Porque aí reside o busílis do álbum. A despeito de alguns momentos de efeito generoso, mormente os ápices em que as texturas se desprendem da voz e alcançam vida própria na incerteza da elevação instrumental (como no caso da peça de abertura ou de "You Never Were", os momentos altos do álbum), não chega a descortinar-se a solução identitária para a indecisa equação de estilos dos Become Not. E isso porque não é fácil conciliar, sem danos colaterais, o mais "clássico" dos registos de cantautor (em entendimento certo das virtudes etéreas da música ambiental) com um dispensável subterfúgio pseudo-romântico/baladeiro (que chega a lembrar os instantes mais chorosos dos Extreme). E mesmo uma produção cristalina não esconde o incómodo dessas impurezas.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Lindstrom & Prins Thomas - Reinterpretations

7/10
Eskimo
Ultima
2007
www.eskimorecordings.com



Dois anos correram desde que Hans-Peter Lindstrom e Prins Thomas editaram, com êxito assinalável, um registo homónimo que corria, de uma assentada, as várias coordenadas e derivações da geração disco. Furtando-se aos clichés mais vulgares do género e, sobretudo, demonstrando a saudável visão ecléctica que uma obra nesse estilo recomendaria, a dupla norueguesa fez, nesse trabalho conjunto, o justo reconhecimento de uma estirpe de sons dançáveis muitas vezes conotada com a face mais kitsch dos clubes nocturnos. Se a obra-mãe alinhava, na essência, por uma certa padronização do disco sound na sua dimensão mais "clássica", no fundo arrumando as construções melódicas em compassos funk importados da moda dos 70's, a revisão agora apresentada aposta em ondas menos anacrónicas e vincadamente mais próximas da cultura dançante contemporânea. E isso traduz-se, na maior parte das peças "novas" (algumas delas até já haviam sido publicadas em vinil), num investimento mais efectivo em ferramentas próprias das pistas de dança actuais, ou seja, numa métrica de pulsação mais forte e em texturas mais preenchidas. Neste caso, a reciclagem das estruturas originais não lhes deslustra minimamente os atributos e, ao acrescentar outras nuances rítmicas e vigor, acaba por desvendar energias e potencialidades que tinham ficado latentes no primeiro trabalho.

Posto de escuta Sítio da Soul Seduction

terça-feira, 17 de julho de 2007

Fennesz Sakamoto - Cendre

7/10
Touch
AnAnAnA
2007
www.touchmusic.org.uk



Por definição técnica, ou por obra do mero preconceito conceptual que a ela se colou com a passagem do tempo, a música ambiental foi sendo progressivamente menorizada pelos mais diversos estratos de melómanos, em virtude de, alegadamente, apenas se prestar ao revestimento sonoro de espaços. Assim, o género habituou-se a sorver uma forte componente "cénica", aí colhendo as coordenadas estruturais decisivas para o seu sucesso como música de fundo (de resto, sublinhado em inúmeros registos cinematográficos), falhando, ainda que involuntariamente, outras importantes dimensões enquanto produto artístico.

Esse rótulo inelutável foi ciclicamente somado, mormente a partir do final da década de noventa, as mais das vezes em clara desconsideração pelos méritos de alguns criadores, a uma prole imensa de seguidores dos icónicos Brian Eno e/ou Harold Budd. Acima de uma trupe de escol da manipulação digital de sons - onde figura gente talentosa como Ulf Lohmann, Alva Noto, Markus Guentner, Reinhard Voigt, Klimek, Benoît Pioulard, Taylor Deupree ou Chihei Hatakeyama - o guitarrista vienense Christian Fennesz, por força de um sólido percurso de uma década, viria a tornar-se porta-estandarte de uma "silenciosa" segunda vaga de valorização da música ambiental contra o cepticismo das massas críticas. Para servir essa causa, depois de um disco separador de águas como foi Venice (2004), nada melhor do que uma joint venture com o japonês Ryuchi Sakamoto, virtuoso clássico do piano e admirador confesso da experiência com outros sons (relembrem-se, a propósito disso, os encontros oportuníssimos com as abstracções de Alva Noto). Neste caso, a parceria não é inesperada nem pioneira. A dupla Fennesz/Sakamoto já havia editado, há dois anos, Sala Santa Cecilia, uma peça única gravada por ocasião de um festival europeu e que deixara pistas para episódios futuros. Cendre retoma as mesmas definições texturais, conjugando a linguagem directa do piano de Sakamoto, quase sempre em melodias descontínuas de intenso efeito dramático, com impressivos enxertos de sons manipulados habilmente por Fennesz, ora oriundos de ruídos ocasionais e dos dribles glitch, ora provindos de guitarras em hipnose. É certo que a combinação nem sempre disfarça a rigidez natural de duas linguagens cujo enlace não é ingénito mas que, em razão da perícia dos intérpretes, acaba por traduzir-se numa experiência com instantes de pura elevação e elegância.

Posto de escuta AwareHaruKokoro

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Dungen - Tio Bitar

7/10
Subliminal Records
2007
www.dungen-music.com



Interessado pela música tradicional do seu país desde tenra idade, o sueco Gustav Ejstes (é ele o mentor por detrás do pseudónimo Dungen), foi gradualmente cultivando uma estética sonora que, além de integrar substâncias conotadas com a folk escandinava (os instrumentos de sopro ou os violinos - a mais recente adição de Ejstes - são exemplo disso), encerra estruturas e harmonias importadas do rock progressivo "clássico" (nesse particular, as composições fazem lembrar, a espaços e com a devida distância, os Jethro Tull) e breves incursões pelo hard rock mais eléctrico. Atrás disso, para somar a dose certa de contemporaneidade (ou, se pensarmos em Zappa ou Captain Beefheart como luminárias de eleição, podemos falar em antologia) e, em simultâneo, dar às texturas formas livres, ao jeito de uma incansável jam session, Ejstes tornou-se um esteta admirador do psicadelismo - escutem-se as interacções modelares da vibrante "Mon Amour". Neste quarto opus, a proposta não difere substancialmente dos trabalhos prévios, especialmente do notável Ta Det Lugnt, de 2004, embora se desvende, com a irrepreensível competência técnica do costume (e o delírio hendrixiano da guitarra de Reine Fiske), uma proximidade maior com as convenções do cancioneiro pop. Essa ligeiríssima (mas notória) derivação estrutural, se bem que não comprometa as habituais convulsões métricas e os arranjos progressivos dos trechos, acaba por abrir fendas no mágico hermetismo do som Dungen. Ou isso ou, como é igualmente plausível, já estamos familiarizados com esta música e se sumiu a impressão de novidade que, antes, nos tomara de surpresa. O que não quer dizer que não haja neste Tio Bitar matéria mais do que suficiente para tratar com reverência. O acid rock está vivo.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Mário Laginha Trio - Espaço




Se há perspectivas artísticas que levianamente tendem a reflectir nos produtos artísticos de per si, descurando paralelismos latentes (e consequentemente ignorando concordâncias mais ou menos óbvias) que se podem traçar entre as várias formas de arte como mecanismos superiores de comunicação e linguagem, não é esse o caso do último opus de Mário Laginha. Obra encomendada por ocasião da Trienal de Arquitectura em Lisboa, Espaço é um exercício de composição que, ao lado dos códigos criativos habituais no trabalho do músico/compositor, sugere algumas incursões por conceitos caros à arquitectura; apontem-se, a título meramente exemplificativo dois pontos de contacto entre música e arquitectura, tão bem explorados neste disco: a lógica de oposição (ou disposição) de planos para ocupar o espaço - que, na música tem paralelo abstracto na dinâmica silêncio-som - ou outras disposições mais modernas, como a noção de assimetrias, tão em voga na arquitectura contemporânea - musicalmente representados pela estruturação dissonante das melodias. Em oito peças, cada uma com a sua própria natureza "espacial" e geometria (e consequente insinuação imagética), algures entre a orgânica livre do jazz e os paradigmas conceptuais que, da arquitectura, se projectam na música (planos, superfícies e espaços baralhados num simbólico universo de sons), Laginha e compinchas (Bernardo Moreira, ao contrabaixo, e Alexandre Frazão, na bateria) experimentam as imensas coincidências entre dois idiomas artísticos que encontram, no espaço (leia-se também, no silêncio), o vazio inspirador onde depositam lastros e confidências a que dão a forma de arte. E dessa interacção activa com o vácuo, do estímulo inadiável para o preencher, nascem, em instantes felizes, as mais esplêndidas obras. E Espaço, com o jeito científico de um compositor que, aqui, lê pentagramas como se fosse um aprendiz clandestino de arquitectura, é uma delas.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Mice Parade - Mice Parade

6/10
Fat Cat
Flur
2007
www.fat-cat.co.uk



Não deixa de ser sintomático de uma certa intenção reconstrutiva que um projecto musical com quase dez anos de actividade e seis discos no bornal, apenas utilize um título homónimo no sétimo trabalho da sua existência. Numa interpretação conceptualmente mais estreita, dir-se-ia que as convenções do orbe musical aconselham que isso suceda com o primeiro disco, quando, por detrás da música, estão intérpretes à procura de um espaço de afirmação. Não é esse, todavia, o caso do nova-iorquino Adam Pierce. Com nome consolidado na cena pós-rock americana sob o epíteto Mice Parade e tendo-se afirmado como emblema das electrónicas cruzadoras de géneros e do experimentalismo com diversos sabores electro-jazz, Pierce construiu uma identidade sonora a que, depois da génese puramente instrumental, foi paulatinamente acrescentando vozes (a sua e a de convidados). Depois de dois trabalhos em que, em paralelo com esse processo de integração da voz, as composições adquiriram progressivamente uma disposição muito próxima da estrutura verso-refrão, Mice Parade surge como um verdadeiro álbum de canções e, nesse sentido, é o corolário entusiasmado da redefinição estética iniciada há três anos. E assim se percebe que, no capítulo rematador dessa (re)parametrização pop, longe dos desígnios instrumentais do passado, Pierce tenha usado o título homónimo, como que certificando definitivamente a nova identidade (irreversível?) de Mice Parade, com vozes (a de Pierce e a pontual presença de amigas ilustres: Laetitia Sadier, dos Stereolab, e Kristín Anna Valtýsdóttir, dos Múm) a tempo inteiro. Depois, sobra a excelência orgânica do disco, talvez o título mais bem produzido do percurso Mice Parade, que, retendo a presença liderante da percussão e as abstracções orgânicas de outros tempos, abre ângulos para um interessante pacto entre a sobriedade vocal e a prudente extravagância das texturas. Ainda assim, uma ou outra construção melódica mais bem conseguida (como, por exemplo, "The Last Ten Homes") não afastam a ideia de que, atrás das vozes, estão peças com um generoso potencial escapista e que, em razão da interferência vocal, perdem parte significativa desse vigor.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Smashing Pumpkins - Zeitgeist




Se fizermos uma decomposição ideológica da cover do trabalho de renascimento (depois das inconciliáveis dissensões de há sete anos atrás) dos Smashing Pumpkins, com a Estátua da Liberdade a afundar-se em águas rubras, facilmente se precipitam algumas ilações. A primeira, e mais óbvia, é a de que, pela primeira vez no percurso da banda, o assunto político se torna matéria de capa (e, por essa via, se faz objecto consciencializado), como se se tratasse de declaração auto-consciente e crítica de uma América descrente de si mesma. Mais do que isso, a associação entre o simbólico afundamento de um dos mais relevantes ícones identitários da América (e, por inerência, do tão propalado "mundo livre") e o título (zeitgeist é expressão roubada ao romantismo alemão e que traduz, grosso modo, o entendimento intelectual e cultural das sociedades numa determinada era), é demonstrativa de um desassossego que transcende as fronteiras do estado americano e ganha medidas planetárias. É neste condicionalismo político e espírito de alerta que fervem as composições de Zeitgeist. E este tipo de protagonismo panfletário não é, nunca foi, o terreno mais fértil para os Smashing Pumpkins. Ou para Billy Corgan.

Ao mesmo tempo, o abrupto (mas não inesperado) termo de actividade dos SP, e as subsequentes reacções dos seus ex-integrantes, pôs a nu aquilo que já se sabia: eles não eram mais do que um plano quase autocrata de um homem com visão artística mas com um feitio danado. Na ressaca do projecto que o elevou ao estatuto de estrela rock, Corgan tentou reciclar ideias nos insípidos Zwan (outra das suas criações auto-centradas), primeiro, e no destempero electrónico de uma aventura a solo (The Future Embrace, de 2005), depois. Atrás dessas tentativas, além do cepticismo da crítica e da produção artística pouco mais do que decepcionante, veio o inevitável afastamento das órbitas mediáticas. E não foi por acaso que, no mesmo dia do lançamento do seu trabalho a solo, Billy Corgan fez questão de anunciar uma bizarra "reunião" dos SP - dela constava, além de Corgan, apenas o baterista Jimmy Chamberlin! Neste regresso, afinal o único caminho fiável para o desejado renascimento mediático de Corgan, os SP são apenas, ainda mais do que antes, um quintal de Corgan. Ainda assim, se os traços "clássicos" dos SP (guitarras afiadas, pulso firme e amplitude) moram aqui, parece faltar o compromisso melódico doutros tempos e, sobretudo, a versatilidade estética que fez dos Smashing Pumpkins um dos mais entusiasmantes ensembles da música americana da década de 90. O vigor de Zeitgeist acaba no rock de arena - e aí marca alguns pontos decisivos para não ser um fiasco - e pouco (ou nada) explora outras dimensões da identidade passada dos Smashing Pumpkins. E, para se arriscar o resgate de um nome com tal sucesso (e peso mediático), a memória não é recurso para usar-se com meias medidas.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Interpol - Our Love to Admire

8/10
Capitol
2007
www.interpolnyc.com



Já estão demasiado gastos os argumentos que, desde os primeiros passos dos Interpol, buscaram simetrias entre os nova-iorquinos e o legado de dramatismo e tensão negra do rock dos Joy Division. As referências dessa herança contagiam de uma forma insofismável a obra de Paul Banks e seus pares, é certo, mas não são estorvo para a estruturação de um som próprio e, sobretudo, para a afirmação de um jeito peculiar de musicar despojadamente a melancolia. Nesse particular, Our Love to Admire, terceiro registo do quarteto, revela-se menos espartano do que os antecessores, se atentarmos na diligência da produção de Rich Costey (as suas coordenadas anteriores apontam ao universo dos Muse e dos Franz Ferdinand) a acrescentar magnitude e subtileza orquestral à identidade dos Interpol, sem ofender minimamente as causas ensimesmadas a que eles nos habituaram. No resto, os nova-iorquinos são fieis à cartilha pós-punk do costume: linhas de guitarra a riscar o padrão melódico das composições, sintetizadores itinerantes (e escondidos) num mosaico de paredes de som e emoções, baixos de tons negros e percussões claustrofóbicas. Conceptualmente (e instrumentalmente) mais expressivo e uns furos acima da constância rítmica dos antecessores, Our Love to Admire é, por isso, o mais arriscado dos registos dos Interpol e, embora não manifeste a excelência melódica do magnífico Turn on the Bright Lights (2002), é uma peremptória ultrapassagem ao conformismo de Antics (2004) e abre subliminarmente outros ângulos para o porvir da banda. Aos mais cépticos nestas coisas de estreias em selos major, recomendam-se visitas repetidas à grandiosa "Pioneer to the Falls", ao deleite cavalgante de "Mammoth", à subversão pop de "Rest My Chemistry" e ao experimentalismo ecoante de "Wrecking Ball". Dá para não ficar rendido?

sábado, 7 de julho de 2007

Justice - †




Ao escutar as primeiras notas do álbum de estreia do duo parisiense Justice, depressa se percebe ao que eles vêm. Xavier de Rosnay e Gaspard Augé são a nova sensação do agitado universo de música de dança no seu país, muito por culpa do furor que inesperadamente rodeou o mp3 e o vídeo de "D.A.N.C.E.", antecipadamente "descobertos" por vários utilizadores da blogosfera. Não é que a dupla francesa fosse propriamente desconhecida - eles haviam protagonizado alguns remixes mais ou menos conhecidos junto dos públicos europeus - mas seria esse alvoroço cibernético a aguçar a curiosidade da falange crescente de fãs sobre o esperado debute discográfico. Pois bem, ele está aí e mostra uma interessantíssima deriva disco, não tanto no jeito "conformista" celebrizado pelos conterrâneos Daft Punk - que, afinal, recolocaram o disco sound no mapa (se é que ele alguma vez tinha saído de lá...) - mas com um fôlego declaradamente mais ruidoso e rebelde (punk?). As linhas de baixo são, como se impõe a discípulos da disco, uma substância incontornável, cuidadosamente trabalhada e transversal a um alinhamento que demonstra uma saudável alternância rítmica, sempre subjacente a um certo psicadelismo funk e onde as vozes (muitas vezes escondidas atrás de vocoders) se inscrevem sem defeitos. É, de resto, aí que se distingue, na singular noção de equilíbrio da mistura e, sobretudo, na precisão com que, partindo de referências históricas indisfarçáveis, constrói uma vibrante escultura de sons que, não sendo substancialmente inovadora, consegue o singular fito de nos lembrar que, também nos armários da música de dança, podem existir esqueletos do rock. Ou não estivesse contaminado pela admiração de Gaspard Augé pelos Metallica.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

The Chemical Brothers - We Are the Night




As tendências mais dançantes da música electrónica, embora tendo conhecido um boom que, sucessivamente, as fez chegar a públicos mais latos por altura dos 90's, não pareciam destinadas às grandes arenas. Por força das limitações próprias da tecnicidade inerente ao manuseamento digital do som e da proporcional dificuldade em ampliá-lo a outros níveis de projecção, não se antevia, à época, que o género viesse a "crescer" a ponto de alguns dos seus intérpretes mais saudados merecerem figuração relevante nos cartazes dos principais festivais musicais à escala planetária. A verdade é que, paulatinamente, as desconfianças face às reais possibilidades da electrónica sobreviver em cima dos palcos maiores se foram esbatendo e esse facto deve-se, em grande parte, ao trabalho pioneiro dos britânicos Tom Rowlands e Ed Simons. Eles, os Chemical Brothers, não só fizeram prova da sustentabilidade ao vivo da música dançante fora do habitat natural (as pistas de dança) como a transpuseram, sem perda da electrizante eficácia, para grandes espaços. Ultrapassada essa barreira (muitas vezes com a utilíssima ajuda de alguns amigos da cena rock), a dupla chega, volvido um percurso de década, com o firme estatuto (e responsabilidade) de liderança dessa vaga expansionista da música de dança.

Depois de uma série de edições - com o imprescindível Dig Your Own Hole, de 1997, à cabeça - que firmaram os caracteres de um som próprio (a que as convenções chamaram Big Beat) com um nervo trip hop muito especial, cérebro funk estaladiço e os inconfundíveis saracoteios das beats, o sexto registo dá mostras de uma cautelosa reciclagem de processos. Manifestamente menos nervoso, We Are the Night desvenda um código menos fervoroso dos irmãos químicos, como que sugerindo uma declaração, senão de contraste, pelo menos de divergência em relação ao discurso modelar da dupla britânica. Ao invés do turbilhão de ventos digitais e percussões impetuosas a que nos habituaram, o disco surpreende pela certa placidez contemplativa das peças (algumas delas podem chamar-se "canções"), às vezes roçando um minimalismo estrutural não esperado e, sobretudo, demonstrando uma evidente vontade de marcar distâncias para a nova vaga noisy da electrónica dançante (leia-se Digitalism ou Justice). Nesse particular, "Battle Scars", com a voz grave de Willy Mason, ou "The Pills Won't Help You Know", com os Midlake, são claros exemplos da rebuscada auto-revisão que, indirectamente, também acaba por contagiar as composições de passada mais acelerada. Depois de comandarem a redefinição da electrónica como estilo de grandes públicos, os Chemical Brothers retomam a saga, sugerindo, no meio da imensa poeira mediática que tomou o género de assalto, outras órbitas para a música da dança. E, mesmo apontando a medidas mais cerebrais, We Are the Night não deixa de ser cativante.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Bexar Bexar - Tropism

6/10
Team Judas
Own Records
2007
www.westernvinyl.com



Em tempos, o guru Brian Eno terá dito que a música ambiental é tanto mais valiosa quanto mais for capaz de apelar, sem se desvirtuar a si mesma, a múltiplas dimensões da atenção do ouvinte, ora estimulando a sua plenitude sensorial, ora desfilando na mera condição de "objecto" despercebido. A definição assenta como uma luva às texturas minimalistas do texano Bexar Bexar, perfeitamente ambivalentes nessa dupla condição. As guitarras acústicas dão o filamento primário às construções, deixando vácuos em aberto que são preenchidos por camadas espectrais de elegantíssima electrónica borbulhante. É esse exercício de equilíbrio entre o laconismo das guitarras - afinal, o sublinhado corpóreo do disco - e a abstracção digital (por vezes, partindo do mero uso da estática) que produz as sugestões melódicas de Tropism, não necessariamente fiéis a uma estruturação rígida e, sobretudo, urdidas com um precioso sentido da importância do detalhe. Nesse particular, o álbum suplanta decisivamente a irresolução do seu antecessor (Haralambos, de 2003), indo mais além nos preciosismos de (des)construção dos mais singelos acordes de guitarra (o verniz digital eleva-os da mundanidade) e prescindindo do casualismo beats do debute. Profundamente reflexivo, Tropism é, acima de tudo, o lugar plácido onde fortuitamente se encontram múltiplas dimensões do mesmo espírito criativo, como que fervilhando em combustão de ansiedades, aí se evaporando rumo a um repouso pensante e imune à gravidade. Pena é que, nesse intrincado processo, Bexar Bexar não destine mais tempo ao apuro das melodias e, por isso, com uma ou outra excepção, os trechos acabam por resvalar irremediavelmente para uma mediania à qual não estariam obrigados.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

The Polyphonic Spree - The Fragile Army

7/10
TVT Records
2007
www.thepolyphonicspree.com



De uma trupe com cerca de duas dúzias de músicos é natural que se espere um som de largo espectro, rico em pormenores e com diversas interferências estéticas. Mesmo no caso dos Polyphonic Spree, onde há uma cabeça pensante (o "maestro" é Tim DeLaughter), a mescla de substâncias promete, senão veja-se: uma dezena de vozes, muitas vezes a recordar o canto erudito de um grupo coral (ou, no contraponto menos "formal" de algumas faixas, a folga de uma cantiga de ocasião num acampamento de amigos), conciliadas com o dinâmico suplemento instrumental próprio de um ensemble numeroso. Mais do que propriamente se render à convincente dose de espiritualidade positiva que se canta de uma ponta à outra deste The Fragile Army (terceiro registo do colectivo), ao jeito de uma curiosa fusão entre o universo do pop-rock sinfónico (leia-se, de formatação Broadway) e os corais religiosos, quem escuta o disco fica também "amarrado" à abundância de detalhes instrumentais que povoam os encadeamentos harmónicos do disco. É aí, de resto, que se encontra o paralelo justo para a exuberância vocal das composições, coisa em que, a espaços, o álbum traz à memória a grandiosidade estética dos canadianos Arcade Fire ou o recato psicadélico dos Flaming Lips, embora nem sempre com a mesma fertilidade. Ainda assim, mesmo sem conter ingredientes substancialmente diferentes daqueles que o grupo serviu antes, esta colecção de canções é, talvez, o passo mais seguro (e mais figurativo) do percurso dos Polyphonic Spree.