quinta-feira, 29 de junho de 2006

Thom Yorke - The Eraser

Apreciação final: 8/10
Edição: XL Recordings, Julho 2006
Género: Electrónica/Downtempo/Lo Fi
Sítio Oficial: www.theeraser.net








Ninguém duvida da boa forma de Thom Yorke. Líder de um dos projectos mais emblemáticos da música alternativa britânica, Yorke foi co-responsável por algumas das obras fundamentais do mundo indie (Ok Computer (1997) à cabeça), na orla das famílias musicais mainstream e, acima disso, cultivando um género privativo, orgulhoso de se alhear de modas. A tonalidade dos trechos sonoros dos Radiohead sempre se demarcou de tendências e, ao invés, perfilhou instintos reformadores da pop tradicional. Pelo prazer da boa música. Como hedonista musical impulsivo, não surpreende que Thom Yorke tenha querido experimentar outros prazeres. Em The Eraser, primeiro exercício solitário do seu percurso, a volúpia chega-lhe em formas imprevistas, no pulsar químico da electrónica e das programações. Imaginá-lo de mãos no laptop à procura da beat que melhor pactua com o registo volante e frágil da voz, não seria provável com os Radiohead. The Eraser é feito de texturas maquinais, fraseados que se repetem sem fecho. As costuras são vocais, é aí que se acham os remates para os desvarios electrónicos. Dir-se-ia que Yorke se deixou levar por alucinações digitais, primeiro compondo as peças sintéticas, depois lhes somando a voz, qual elemento central (e natural), ao jeito de um epílogo que confere o sentido final e a complexidade melódica às peças.

Será The Eraser um exercío de catarse escapista? Um laboratório do porvir dos Radiohead? Ruptura não é, certamente. A produção minuciosa é de Nigel Godrich, habitué nas edições dos Radiohead, e embora o álbum siga por trilhos distintos, a sua propensão imaterial e embalo hipnotizador traçam paralelismos com o espectro sonoro dos Radiohead, coisa menos óbvia nas primeiras audições. The Eraser é um disco que cresce a cada escuta, oferecendo-nos um testemunho em transe de que o aceno da electrónica revigorou a criatividade e deu novas medidas às cordas vocais de Yorke. Negro, melancólico e experimental, The Eraser pode ser o primeiro dia do resto da vida de Yorke. Ou dos Radiohead na primeira pessoa. Em qualquer dos casos, resta ouvir, nos timbres deste disco, a mais apurada expressão de um clone digital de Thom Yorke, um dos mais hábeis músicos da sua geração. Ou isso ou, ironia maior, uma espreitadela à antecâmara da próxima mutação dos Radiohead. Aceitam-se apostas.

Actualização da Grafonola

Algumas dificuldades de ordem técnica impediram a actualização habitual da Grafonola dos Alvitres. Certamente, os utilizadores dessa secção do apARTES terão notado a falta de novidades. Pois bem, uma vez ultrapassados os problemas, sem nenhuma ordem especial, aqui fica a lista das faixas acrescentadas à playlist (retiradas dos últimos discos que passaram por aqui) e que podem já ser escutadas na íntegra.

Dead Combo "After Peace"
Dead Combo "O Menino, o Vento, o Mar"
Beirut "Prenzlauerberg"
Beirut "Mount Wroclai (Idle Days)"
Beirut "Postcards from Italy"
Matmos "Tract for Valerie Solanas"
Final Fantasy "Many Lives -> 49 MP"
No-Neck Blues Band & Embryo "Die Farbe Aus Dem All"
Tool "Vicarious"
Tool "The Pot"
Dirty Pretty Things "The Enemy"
Dirty Pretty Things "Bang Bang You're Dead"
Ghostface Killah "Shakey Dog"
Ghostface Killah "The Champ"
Herbert "Something is Not Right"
Herbert "The Movers and the Shakers"
Sonic Youth "Incinerate"
Sonic Youth "Do You Believe in Rapture?"
Sonic Youth "Jams Run Free"
Mission of Burma "Donna Summeria"
Mission of Burma "Birthday"
Danielson "Did I Step On Your Trumpet?"
Danielson "Ship the Majestic Suffix"
Danielson "Cast it at the Setting Sail"
Le Tigre "Deceptacon (The DFA remix)"
Charalambides "There is no End"
Zero 7 "This Fine Social Scene"
Zero 7 "Futures"
Zero 7 "Pageant of the Bizarre"
X-Wife "Panic"
X-Wife "Ping-Pong"
X-Wife "When the Lights Turn Off"
Wooden Wand & The Vanishing Voice "Don't Love the Liar"
Wooden Wand & The Vanishing Voice "Sun Sets on Clarion"

terça-feira, 27 de junho de 2006

Wooden Wand & The Vanishing Voice - Gypsy Freedom

Apreciação final: 7/10
Edição: 5 Rue Christine, Fevereiro 2006
Género: Folk Experimental/Psicadélico/Minimalista
Sítio Oficial: www.woodenwand.net








James Toth não é um músico comum. Uma das predilecções mais extremosas do seu percurso musical é a heterodoxia, a afeição pelo desalinho e pela fragmentação do som, ao jeito de um aventureiro tímido que, incapaz de se exprimir nas línguas proverbiais, encontra na música um código de alívio. Necessariamente defeituosas na sua intimidade, as composições de Toth atingem ápices no desarrumo, no jejum de regras e na alma improvisadora. Este Gypsy Freedom é povoado por ousadias subtis, seja na libertinagem com que se misturam os ingredientes, muitas vezes em dissonância psicadélica, seja na raridade rítmica, a adornar os trechos experimentais com migalhas orientais. De vectores multi-dimensionais, os generosos ambientes sónicos do disco revelam um certo misticismo que, se não inquieta o auditor, pelo menos o espanta. Vanguardismo em estado puro. À cata de mundos novos. Não fosse a mente de Toth (e do quinteto de companheiros de caravana, os Vanishing Voice) fonte suficientemente fecunda de excentricidade, ainda se lhe juntam o saxofone franqueado de Daniel Carter, improvisador de excelência, e a bateria fogosa de Peter Nolan, músico regular dos Magik Markers.

Gypsy Freedom é uma figura dúctil, atulhada com psicadelismo do melhor calibre e uma porção imensa de contrastes. Ao bom hábito de uma prolífica jam session, servida como prato principal, se somam encarnações mutantes de várias longitudes musicais, de noise agudo quase omitido, de retalhos drone mal disfarçados, de free-jazz assertivo, de minimalismo orgânico, de malhas harmónicas simples, de sampling lacónico, de guitarras nota a nota em meditação, de momices tribalistas, de progressões em assombro melancólico e de uma crença ímpar na imaginação absoluta. Assinatura riscada à Toth. Música para provar e cogitar. A preto. Não chegará para musicar a dança com demónios que Heidi Diehl declama, convincente como numa reza, em "Genesis Joplin". Mas, avivando os nervos mortos do espírito, talvez nos poise num qualquer purgatório do nosso subconsciente.

segunda-feira, 26 de junho de 2006

X-Wife - Side Effects

Apreciação final: 7/10
Edição: NorteSul, Abril 2006
Género: Pós-Punk/Electro-Rock
Sítio Oficial: www.x-wiferocks.com








Os portuenses X-Wife estão mais carnais. A reforma do som passou por trocar a caixa de ritmos por uma bateria, meter os sintetizadores debaixo do braço, reduzindo-lhes a interferência nas sessões de gravação e buscar um formato menos colado à estética mais crua do electro-rock. Se a moda das texturas sintéticas influenciou decisivamente o álbum de estreia, puxando a sonoridade do grupo para a onda de projectos internacionais emergentes como os Radio 4 ou os The Rapture, o segundo tomo do percurso dos X-Wife tenta demarcar-se desse rótulo. Mas essa separação não é conceptual. Ao invés disso, os portuenses evocam a mesma colectânea de ideias e abordam-na com maturidade e um fôlego de segurança não sentido no debute. Até a voz de João Vieira parece mais firme e sóbria, sem os malabarismos em falsete expostos no primeiro disco. O ganho é notório: a amplitude do som é mais autêntica, as composições recebem uma dimensão mais universal, bem próxima das traves-mestras underground que marcam o legado modernizado do movimento electro-punk.

O estatuto consolidado nos dois anos seguintes à edição de Feeding the Machine (2004) massajou o ego dos X-Wife e deu-lhes a confiança para purificarem as suas fórmulas e moldá-las, com eficiência, a um modelo de canção mais conciso e, por isso, melhor catalisador da abundância energética do grupo. Depois, sem abdicarem da veia electrónica que faz a sua virtude destrinçadora, João Vieira e seus pares contratam serviços adicionais da guitarra, como que apelando a um substrato mais rock sem hipotecar os símbolos dançáveis. A produção é requintada e arruma a identidade do grupo nas medidas certas, sublinhando o crescimento de um trio de músicos (a que se juntou o baterista André Hollanda, ex-Zen) mais cientes da sua identidade. E ela é, como atesta Side Effects, um trilho do melhor rock que se faz cá no burgo. Com menos electrónica e mais guitarra.

domingo, 25 de junho de 2006

Zero 7 - The Garden

Apreciação final: 7/10
Edição: Atlantic, Maio 2006
Género: Trip-Hop/Electrónica/Downbeat
Sítio Oficial: www.zero7.co.uk








Depois do anestesiante disco de estreia (Simple Things, de 2001), a dupla inglesa (Sam Hardaker e Henry Binns) ganhou o apreço da crítica especializada, atraindo para si uma posição de relevo no seio do universo da electrónica trip-hop. A hábil conjugação de um fino recorte soul com rendilhas tecidas a teclas e alguns apontamentos orquestrais de cordas definiu o protótipo de uma atmosfera sonora simples e de vibração relaxante. As inevitáveis (e gastas) comparações com os franceses Air têm reflexo na música dos Zero 7, mormente na extensão ambiental das composições, sempre certeiras a sintonizar a frequência ajustada para um determinado remate. Essa prova de precisão volta a aliar-se ao garbo no mais recente trabalho, o coeso The Garden. Dando seguimento ao predecessor (e menos inspirado) When it Falls (2004), no intento averiguador das equações pop, este álbum readquire os melhores pactos de Simple Things, embora os governe em arranjos distintos, mais próximos de algumas vagas da melancolia folk de finais da década de 60. A esse propósito, não é alheia a interferência dos traçados sem pregas do sueco José González, reconhecido artesão de folk minimalista a dois tons (voz e guitarra). A par da ajuda de González, as vocalizações macias da australiana Sia Furler - colaboradora usual dos Zero 7 - são o resto útil da orgânica de uma dúzia de canções bem estruturadas, ao jeito de éclogas da mais delicada electrónica.

A Binns e Hardaker interessa certamente desviar um pouco a música dos Zero 7 da práxis de Simple Things. Se o primeiro disco é o mais apurado depósito de aptidões da dupla e, por isso, os músicos lhe devem fidelidade nos princípios, convir-lhes-à iludir o marasmo criativo da repetição. Nota-se em The Garden que Binns e Hardaker estão num momento crítico de titubeação: ou fixam ideias na cópia dos conceitos de Simple Things, arriscando a estagnação criativa, ou tentam outras coordenadas, expondo-se às contingências da mudança de rumo. No melhor e no pior, The Garden é mais continuativo do que alterador, não faz adições substanciais ao espectro sonoro dos Zero 7. Ainda assim, o disco assinala o momento mais inteiro dos músicos desde o debute e tem o préstimo maior de guiar a memória auditiva para o imaginário de Simple Things. Só por isso, já valeria a pena escutar com toda a atenção o último trabalho de uma dupla que, mesmo sem inovar o carácter essencial da sua música, não põe pé em chão estéril.

quarta-feira, 21 de junho de 2006

Charalambides - A Vintage Burden

Apreciação final: 7/10
Edição: Kranky Records, Maio 2006
Género: Pop-Rock Alternativo/Minimalista
Sítio Oficial: www.kranky.net








Há qualquer coisa de desarranjado no último som dos texanos Charalambides. Nada de opulência ruidosa, nada de malabarismos melódicos ou dissonâncias pouco digestivas. Além da parcimónia instrumental que se alastra a todos os cunhais do alinhamento do novo disco, a música ergue-se frágil e amplamente espiritual, não fosse esse o dogma do casal Carter. A Vintage Burden é um depoimento despojado, um registo contemplativo de meditações, ao jeito de uma enternecedora e demorada canção de embalar. A voz sedosa de Christina Carter enche os espaços minimalistas desenhados nas rendas de guitarra do seu marido, Tom. Os tempos são propositadamente arrastados, repetem-se sem oscilações de curso e insinuam, à boa moda do psicadelismo casto, o talhe assombrado das composições. Sem tocar extremos, o mavioso balanço do disco reporta a um deslumbrante bailado de fantasmas, num éden imaterial e obscuro. Assim impalpável é também a música de A Vintage Burden, como se fora obra de magos ancestrais a experimentarem música do firmamento. Quase intangível.

Raras vezes os Charalambides fizeram finca-pé da melodia como neste A Vintage Burden. Esse é o sopro de sobrevivência destas composições. Mais próximos dos paradigmas do que noutros trabalhos, os texanos ousaram impôr-se um conceito minimalista de canção; com isso, abreviaram a miríade de símbolos do espectro sonoro habitual à sua mínima expressão e intimidade, sem lhes encurtar a nobreza, provando que, por vezes, a melhor ciência é aquela que resume as coisas à mais imaculada essência. E A Vintage Burden é a quididade dos Charalambides, o esconderijo de intimidade da sua música, o abismo lúgubre de inquietação de onde tudo descende, o palco de sonhos lânguidos e sem corpo. A arrepiante e bela "Spring" ou o longo instrumental "Black Bed Blues" fazem os cúmulos de uma meia-dúzia de peças do mais apaixonado e nocturno que os Charalambides escreveram e corroboram uma certeza: eles têm lugar no nicho mais talentoso da música independente americana. E que a psique humana se serve melhor na discreta emoção de uma canção despojada.

domingo, 18 de junho de 2006

The DFA - The Remixes: Chapter One

Apreciação final: 7/10
Edição: DFA/Astralwerks, Abril 2006
Género: Remixes/Dança
Sítio Oficial: www.astralwerks.com








A ideia é reunir numa edição única algumas das melhores remisturas da dupla James Murphy e Tim Goldsworthy. Sob o epíteto conjunto The DFA, o par de produtores tem vindo a formar, nos cinco anos de actividade já contados, uma sólida reputação na música de dança menos espessa, seja à conta de edições notadas pela etiqueta própria (à cabeça, os LCD Soundsystem), seja pela forma como abordam os remixes, com uma ética desconstrutiva e detalhista, marcando distâncias do original suficientemente vincadas para que as remisturas pareçam originais. Isso é particularmente notório nesta compilação, com um alinhamento que se resume a nove faixas de autores distintos (com os nada despiciendos nomes dos Le Tigre, Blues Explosion, The Chemical Brothers, Soulwax, Radio 4, Fischerspooner, Gorillaz, Metro Area e Hot Chip) e que, afinal, parecem todas o produto de uma mesma mente. Neste caso, apesar de serem duas as cabeças pensantes, a coesão do registo é intuitiva e, com o traço nada casual dos autores, desfilam composições remexidas que, mais do que honrar as origens, se acondicionam num padrão electrónico erudito. Profundos conhecedores dos passos mais recentes da música electro, os DFA, mesmo fintando alguns dos instantes mais proverbiais dos originais, concebem um disco atractivo, com sabores disco e funk.

A The Remixes: Chapter One pode apenas apontar-se, em brandíssimo desfavor, um certo formulismo, no sentido de que as propostas são alinhadas por um diapasão comum, ganhando em conformidade o que perdem em risco. Com isso, o disco faz-se homogéneo, é certo, mas também menos arrojado. Contudo, abreviar a compilação por esse prisma seria não lhe fazer justiça, dado que esse pecadilho não minora os dotes de uma colecção de remixes muito bem maquinada que, se a mais não servir, vem confirmar o engenho dos The DFA. E The Remixes: Chapter One consegue ainda outro propósito, geralmente não atingível por estas edições de remisturas: é um ajuntamento de remixes que, além de cativar os adeptos dos trabalhos manuais na mesa de misturas, seduzirá aqueles que não morrem de amores pelo género. Vai uma aposta?

sábado, 17 de junho de 2006

Sonic Youth - Rather Ripped

Apreciação final: 8/10
Edição: Geffen/Universal, Junho 2006
Género: Rock Alternativo/Experimental
Sítio Oficial: www.sonicyouth.com








Convencionais é coisa que os nova-iorquinos Sonic Youth nunca foram. Mais de duas décadas de um percurso pautado pela coerência e atracção pelas margens dos géneros musicais, fizeram deles um dos estandartes mais óbvios da cultura indie, mormente na afirmação de uma estética sem grande respeito pelas tradições rock' n' roll, assumidamente vanguardista e experimental e de formas livres. Houve mesmo quem os considerasse, no auge da fase mais inspirada (década de 80), o braço futurista dos míticos Velvet Underground. Ainda que eles nem sempre se tenham mantido fiéis a esse legado, as analogias são pacíficas, seja na inclinação cerebral da música, seja na complexidade catártica que depositam na estrutura das composições. Pois bem, depois de um par de insígnes edições em que o experimentalismo era a faculdade maior, a banda de Thurston Moore regressa com um registo de intensidade refreada. Sem o contributo que o seminal Jim O'Rourke deu à banda nesses últimos tomos, os Sonic Youth desobrigaram-se, neste disco, de alguns traços de personalidade: a desconstrução e a acidez não domesticável do grupo foram, aqui, trocados por canções que, mantendo o recorte emblemático dos nova-iorquinos (a voz infalível de Kim Gordon e as alternâncias repentistas das guitarras de Moore e Ranaldo) assinam um critério alternativo. Não é que eles tenham posto de parte as vertigens eléctricas ou as desarmonias intencionais de outros discos, mas aqui o foco é a canção e o processo de feitura de cada peça.

Urdida com a segurança de quem conhece de cor o ofício de fazer nascer uma peça musical a partir de uma melodia mínima, construindo sobre ela uma malha sólida de sons, a dúzia de canções de Rather Ripped é fatalmente sedutora. Nostálgicas ou não, as faixas do disco sucedem-se sem dúvidas rítmicas, sem pejo de simular os manuais pop e, acima disso, sem perder a fidelidade ao dialecto musical que os Sonic Youth fizeram linguagem-mor. Nesse sentido, Rather Ripped é um restauro das abstracções inteligentes do grupo, talvez menos cerebral do que outros exercícios, mas não menos fértil em boas sensações e pujança. E delicada honestidade. De tal jeito que, em pezinhos-de-lã e de uma assentada, a banda perscruta o romantismo do rock e da guitarra eléctrica, retoma o passo tradicional do quarteto primitivo e compõe um dos melhores discos da sua carreira.

sexta-feira, 16 de junho de 2006

Memórias do cinema

Helena Bonham Carter e Edward Norton em Fight Club (Clube de Combate, 1999)

segunda-feira, 12 de junho de 2006

Danielson - Ships

Apreciação final: 8/10
Edição: Secretly Canadian, Maio 2006
Género: Folk-Rock Alternativo
Sítio Oficial: www.danielson.info








Daniel Smith pode parecer um desconhecido mas já há cerca de uma década que é o mentor de uma das mais interessantes empreitas da música alternativa americana e é muito justamente considerado um dos precursores de uma corrente musical que, nos tempos mais recentes, atingiu o topo da notoriedade com Sufjan Stevens ou os Deerhoof. Compositor prolífico, Smith tem mantido um fluxo de actividade assinalável, seja nos Danielson Famile, ensemble que divide com a família, a solo, ou na encarnação rock a que chamou Danielsonship Orchestra. Pois bem, corridos estes dez anos, a mais recente aventura do franchise Danielson é um evento singular. Mais actual do que nunca, Ships traz aquele tipo de folk-rock subversiva e insensata que a comunidade indie reclama. O tempo deu razão a Daniel Smith. Illinoise (de Sufjan Stevens) estourou no ano transacto e Ships tem tudo para lhe seguir a peugada. Melodias muito bem construídas, riqueza instrumental sem perder a sobriedade, arranjos afinados, uma voz voluntária (em falsete tocante), a dose certa de excentricidade, o balanço justo entre a harmonia e o desconcerto são as substâncias. A ajudar à festa uma verdadeira tribo (cerca de uma vintena de músicos) de talento: o próprio Sufjan Stevens, Greg Saunier, Satomi Matsuzaki e John Dieterich (todos dos Deerhoof), Ted Velykis (Ladytron), Josiah Wolf e Yoni Wolf (dos Why?), alguns membros dos Serena Maneesh, entre outros.

Ships vem engrossar o rol de discos indispensáveis da moderna música alternativa americana. Mais do que uma mera reunião de mentes competentes, o disco é a ablução dos atributos da música de Smith, livrando-a das minúsculas impurezas de outros trabalhos e, mais do que isso, fomentando a convergência das ideias mirabolantes do músico em prol de um objectivo maior. O espalhafato reduz-se assim a um caos saudável, organizado até onde o pode ser sem deixar de ser caos. O resultado é um colosso de sensibilidade e grandeza musical, com a pompa e euforia merecidas por estas composições e que, a despeito da interferência de muitas cabeças (e sentenças), soa coeso e harmónico. Sem ortodoxia, concessões ou conservadorismo. Nada tem a pronúncia de Ships. Sem meio termo, como sempre sucede com as coisas marcantes, isso é um pau de dois bicos: ou se venera ou se abomina este álbum. Mas não é já tempo de aceitar as paixões de Daniel Smith?

domingo, 11 de junho de 2006

Dead Combo - Quando a Alma Não é Pequena, Vol. II


Apreciação final: 7/10
Edição: Dead & Company/Universal, Março 2006
Género: Instrumental
Sítio Oficial: www.deadcombo.net








O segundo trabalho dos portugueses Tó Trips e Pedro Gonçalves é uma declaração de maturidade musical. Quatorze faixas da melhor música instrumental (guitarra eléctrica e contrabaixo) que se faz em terras lusas. No primeiro registo, a dupla portuguesa havia desenhado os contornos de um dialecto sonoro pouco comum entre nós, uma espécie de música de western, com especiarias emprestadas pela mais característica tradição musical lusa, o embalo nostálgico e pesaroso do fado. Não surpreendeu, portanto, que, com tais ingredientes, a dupla tenha suscitado a curiosidade da comunidade melómana nacional e, por arrastamento, o reconhecimento da crítica a uma aura musical distinta, urbana, feita com paixão e, acima disso tudo, com uma excelência técnica intocável. Neste segundo álbum, os músicos foram mais além. É certo que persiste a entoação plangente da alma lusa mas, agora, o híbrido dos Dead Combo alarga horizontes a outras referências, não se coibindo de namorar famílias de som de origens desiguais, mormente as sonoridades afro, algumas texturas com insinuações de etnia cigana ou do folclore klezmer, umas pitadinhas tímidas de jazz, das tarantelas do sul de Itália ou até do tango/flamengo latino. E nada disto minora a conformidade do disco com os princípios dos Dead Combo. Pelo contrário, o alargamento do espectro de influências confere-lhes outras medidas (e melodias amplificadas), sem congestionar exageradamente o ambiente único de poesia instrumental do álbum ou a vitalidade minimalista do som.

Quando a Alma Não é Pequena, Vol. II é o segundo passo do percurso deste par de lisboetas que, com a ajuda de um rol extenso de ilustres convidados (Paulo Furtado, Peixe, João Cardoso, Sérgio Nascimento ou Nuno Rafael), concebeu um disco que, sendo português, calha bem em qualquer parte do mundo. Aliás, essa verosímil universalidade, não tão visível no primeiro disco, é o argumento mais consistente de um trabalho coeso. Íntimo e sem traumatismos, Quando a Alma Não é Pequena, Vol. II é um daqueles discos carregados de expressividade e presta uma justa homenagem (não óbvia!) a dois ícones da cultura lusa (Carlos Paredes e Fernando Pessoa) que, não estando gravados no disco, nele flutuam persistentemente. Afinal, os Dead Combo são também mensageiros desse ambivalente alento lusitano: de um lado, a saudade taciturna; do outro, a galharda certeza de que há um bocadinho de nós em cada canto do mundo.

sábado, 10 de junho de 2006

Mission of Burma - The Obliterati

Apreciação final: 8/10
Edição: Matador, Maio 2006
Género: Rock Alternativo/Pós-Punk
Sítio Oficial: www.missionofburma.com








O percurso dos Mission of Burma divide-se em duas etapas. Eles surgiram na cena pós-punk de Boston, em plena década de 80, introduzindo alguma sofisticação musical e um perfume arty aos padrões musicais da época. As duas edições do grupo, o EP Signals, Calls and Marches (1981) e do primeiro longa-duração, Vs., no ano subsequente, impuseram o som distintivo do grupo: ritmos mexidos, tempos e estruturas pouco ortodoxas, composições enigmáticas e um clima de assalto sónico corrosivo. E repetições caóticas, claro está. Em volume alto e sem slow motion. Com estes dois lançamentos a estabelecerem as bases de um novo caminho para o rock alternativo, foi com surpresa que os fãs do grupo assistiram ao seu desmantelamento em 1983, depois de uma tournée que viria a ser registada em disco. O regresso, quase ocasional, viria a acontecer praticamente duas décadas depois, na sequência de um punhado de actuações em conjunto dos seus membros originais que, em última instância os empurrariam para o estúdio para gravar OnOffOn, registo que chegaria aos escaparates em 2002. A segunda encarnação do colectivo americano colheu a admiração da crítica e o lapso de tempo não minorou as qualidades idiossincráticas da sua sonoridade. Os nacos límpidos de guitarra de Roger Miller, a dinâmica propulsiva do baixo de Clint Conley e o músculo da percussão de Peter Prescott estavam todos lá.

The Obliterati é o segundo registo desde o ressurgimento da banda. E, também, o mais vigoroso. Os vectores artísticos dos Mission of Burma são uma constante, provando a sua imutável propensão para fundir, com argúcia, os fundamentos da escola punk com qualquer coisa de ambição maior, feita de um discurso rock prolífico (elogio!), com mudanças de pele incessantes, uma energia epidémica e um conceito artístico oblíquo. Inconfundível, assim se dispõe o tom dos Mission of Burma. Tão influenciadores agora como há vinte anos atrás. The Obliterati é tão bom que nem sequer deixa espaço para a nostalgia; afinal, os Mission of Burma não fogem da bitola de excelência que edificaram. Melhor do que isso, eles vão buscar os mesmos esboços do começo e conseguem, sem soar anacrónicos, provar a intemporalidade do seu som. Discos como The Obliterati e bandas como os Mission of Burma não são de tempo nenhum, são preciosidades para estimar sempre. Agora, há uma vintena de anos ou daqui a outros tantos.

quarta-feira, 7 de junho de 2006

Beirut - Gulag Orkestar

Apreciação final: 8/10
Edição: Ba Da Bing!, Maio 2006
Género: Folk/Étnica
Sítio Oficial: www.beirutband.com








Ao escutar as primeiras notas deste Gulag Orkestar somos levados ao engano. O tom de marcha balcânica e o embalo cigano das composições sugerem uma procedência algures no sudeste europeu, em virtude da abundância dos instrumentos de sopro (tubas, trompetes e clarinetes), do apoio versátil das cordas (violinos, ukuleles e bandolins) e do acento tónico em percussões e sons de cariz étnico (tamborins, congas e acordeões). Dir-se-ia que, mal comparado, o projecto Beirut - consta que esta dúzia de músicos é produto da mente de Zach Condon, americano de Albuquerquer com apenas 19 anos - traz à lembrança as composições do carismático músico sérvio Goran Bregovic. Claro está, os feitios étnicos da música são menos vincados e assumem, ao invés das tendências da Europa Oriental, uma peculiar festividade, ao jeito da folk inventiva de um ou outro exercício de Sufjan Stevens ou da pop psicadélica de Rufus Wainwright, com melodias joviais e muito bem construídas, instrumentalmente fartas e com vocalizações encorpadas, ora em registo de coral, ora fazendo uso do solitário crooner de Condon. De resto, o disco é pontuado por acrobacias musicais caprichosas, percorrendo de uma penada as várias nuances menos familiares da folk americana, na mesma linha do soberbo Six Demon Bag, lançado já este ano pelos Man Man, ainda que neste Gulag Orkestar a atmosfera sonora use uma camuflagem com outras cores.

Mesmo sendo um disco denso do ponto de vista musical, a latente simplicidade das composições é a aptidão magna deste trabalho, numa clara subversão da típica canção pop, não nos ritmos ou nas estruturas, mas na concepção instrumental, trocando a tríade clássica (guitarra-baixo-bateria), por sucedâneos menos comuns, em busca de uma solução musical distinta. E sem a pretensão de atingir grandiloquência orquestral. Gulag Orkestar define uma estética ímpar de agregação da pop-folk contemporânea com ornatos dignos de um antiquário de Leste e é, por isso, uma obra promissora. Pena é que a segunda metade do disco fique um pouco aquém da majestade da primeira, ou estaríamos perante um candidato maiúsculo a disco do ano. Mesmo assim, Gulag Orkestar merece ser apreciado por muito mais melómanos do que aqueles que o vão ouvir.

domingo, 4 de junho de 2006

Herbert - Scale

Apreciação final: 8/10
Edição: !K7, Maio 2006
Género: Electrónica/House Experimental/Pop-Soul
Sítio Oficial: www.matthewherbert.com








Nem chega a ser surpreendente que o britânico Herbert, ao oitavo disco de um percurso pautado por um nivelamento de qualidade assinalável, tenha optado por uma aproximação pop. Afinal, ele já aceitou desafios de todos os quadrantes. Contudo, esta redução a matrizes mais rudimentares e, por isso, mais previsíveis da composição, não faz de Scale um disco elementar. Mestre raro no domínio da plasticidade musical e do experimentalismo electrónico, como tão bem demonstrou no devaneio inesperado (mas incompleto) de Plat du Jour (2005), Herbert lançou mão dessa versatilidade para desenhar uma obra mais acessível, sem abdicar do uso de artefactos pouco ortodoxos na vez de instrumentos; a diferença maior acha-se no alargamento da presença vocal, com a voz sedosa de Dani Siciliano a adornar os feixes electrónicos inconfundíveis de Herbert. As canções - porque assim se podem baptizar - são ponderações dos argumentos prototípicos do útero pop e, nesse sentido, há um investimento menor no imprevisto, sem beliscar a estética habitual. Ao mesmo tempo, minimalista nos ingredientes instrumentais e exuberante na densidade dos temas, Scale é um produto dançável e festivo, cheio de meneios artísticos e que, aqui e ali, recupera a sonoridade da pop cativante de Ruby Blue, de Roisin Murphy, que Herbert produziu no ano transacto.

O mais fresco disco de Herbert é, como não podia deixar de ser, um exercício da melhor música concreta, no mesmo prisma bizarro que é o conceito usual do músico. Sofisticado e quente, Scale é o mais imediato álbum de Herbert mas também, por força da sedução e da consistência das excentricidades pop que o britânico ensaia, um dos melhores do seu percurso. A despeito de alguns insignificantes desvios estéreis, Scale continua a saga subversiva de Herbert. Haja calo auditivo para desfolhar as sucessivas camadas desta colecção de canções e perceber os ecos das múltiplas personalidades sonoras de Herbert e Scale mostra-se um sublime testemunho do eclectismo de alguém que alcança o extraordinário intento de construir um carimbo. Pessoal e intransmissível.

quinta-feira, 1 de junho de 2006

Mono - You Are There

Apreciação final: 8/10
Edição: Temporary Residence, Abril 2006
Género: Pós-Rock/Experimental
Sítio Oficial: www.mono-44.com








Convencionou-se chamar pós-rock à gama extensa de sonoridades que, conjugando experimentalismo com as mais diversas derivações dos padrões do rock estandardizado, criam ambientes quase arrítmicos, estendidos demoradamente no tempo e com persistência no limiar da hipnose auditiva. Na antítese da pujança visceral do rock clássico, o pós-rock é música cerebral, vagarosamente corrosiva e menos regrada: é praticamente indiferente às noções estruturais de canção, aos preceitos métricos básicos ou aos acertos de acordes convencionais. Oriundo do Japão, o quarteto Mono toma parte desta família sonora e apresenta-nos, ao quinto longa-duração, um som tenso, maduro, com rótulo de autor. Mais melódico do que os anteriores registos dos nipónicos, You Are There é também a peça de maior veemência instrumental do grupo, mantendo a dinâmica movediça que os caracteriza, em sucessivas alternâncias a forçar o cotejo entre a toada melancólica dominante e pedaços viciosos de acento drone, mas acrescentando amplitude ao espectro tonal. You Are There tem qualquer coisa de ritualista e minucioso, como se propositadamente arrastasse a tensão de cada faixa rumo à contingência de um fragor que nem sempre é certo e cuja iminência nos agarra do princípio ao fim das seis composições, num deleite ávido.

A música deste You Are There não é de trago único. O timbre transcendental oferece ao disco a substância emocional que não pode faltar a um produto destes. Não obstante isso, a redundância das texturas acaba por torná-las ligeiramente derivativas, em determinados vértices do álbum, a despeito da primazia dos arranjos de cordas que servem, a propósito, o seu pressuposto amparador. Mesmo assim, You Are There é um sublime exercício técnico do melhor pós-rock que se escreve no planeta e, se alguma omissão houver de lhe ser apontada, é a minguada voltagem dos instantes mais expansivos do disco. Desconsiderando essa minudência, You Are There dispensa dicionários. Escutar esta obra é adivinhar nas entrelinhas, pela música de um dos mais insígnes militantes da causa, a mais cabal definição de pós-rock.