sábado, 25 de janeiro de 2014

Warpaint - Warpaint


6,4/10
Rough Trade, 2014

Quando as Warpaint se apresentaram editorialmente ao orbe musical, então pela mão produtora de John Frusciante no EP Exquisite Corpse, de 2008, viram apontar-se-lhes quase automaticamente a atenção de uma legião de curiosos para a qual nem sequer estariam preparadas. Na ocasião, as repercussões do EP ecoaram pelas vias cibernéticas, multiplicando a projecção mediática de um colectivo que, pouco tempo antes, se havia reunido num mero assomo de diletantismo. A proposta do quarteto de Los Angeles nem era propriamente inovadora, mas movia-se num art-rock mais ou menos ensimesmado e com laivos ligeiros de psicadelismo tímido, com o baixo e a secção rítmica a darem coordenadas para invocar estados de alma muito pessoais. Num certo sentido, era música quase confessional, voltada para dentro e contida no seu próprio marasmo emocional. A coisa tornou-se mais monótona no primeiro compacto, The Fool, dois anos depois, a ponto de parecer que as Warpaint tinham desbaratado irremediavelmente o impacto da estreia, amordaçando-o numa roupagem musical monocórdica e que hipotecava as energias motrizes a uma produção baça e sem chispa.

Talvez por isso, este álbum homónimo exibe um som mais aberto e mais consciente dos seus pontos fortes. O que é o mesmo que dizer que é mais eficazmente disfarçado o fio-de-prumo que dá conforto às Warpaint - e de que teimam em pouco ou nada desviar-se -  e sai resgatada uma orgânica mais assertiva na percussão e no uso do baixo, tão caros às Warpaint. Ainda assim, a reordenação de recursos não chega para diminuir a distância entre ouvinte e matéria ouvida e esse foi sempre o seu óbice maior. A música das Warpaint é assim mesmo, uma insinuação distante e introvertida, enclausurada numa redoma muito própria e intocável. E esse egocentrismo será intolerável para melómanos que gostam de sentir-se parte daquilo que ouvem. 

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sábado, 18 de janeiro de 2014

Mogwai - Rave Tapes


6,8/10
Rock Action/PIAS, 2014

A fidelidade à sua própria fórmula musical fez dos escoceses Mogwai uma verdadeira instituição do pós-rock que, de uma ou de outra forma, serviu de foco inspirador a imensos projectos musicais na mesma órbita estética. Mesmo tratando-se de uma família sonora relativamente estanque e pouco dada a evoluções, os Mogwai souberam erguer uma discografia que, a despeito desse formulismo tantas vezes criticado, sempre deu mostras de expandir-se até onde era possível para, depois, se reinventar com o viço próprio de uma ideia que, não o sendo, tinha contornos de nova. Sem esse pendor reversivo, a música dos Mogwai ter-se-ia tornado tão banal como a de alguns dos seus pares. Ao invés disso, ainda que apenas ensaiando jeitos diferentes de baralhar as mesmíssimas cartas, os Mogwai deram a si mesmos uma licença para (sobre)viver na primeira linha do pós-rock, volvidas sensivelmente duas décadas desde que se reuniram em Glasgow pela primeira vez.

Nesse recorrente exercício de auto-análise, Rave Tapes, oitavo capítulo do percurso de estúdio, renova a aposta numa sonoridade arrastada, a invocar estados de alma de rendição contemplativa e pouco mais. É música para espíritos acomodados num qualquer refúgio abstracto que é, afinal, a tal zona de conforto dos Mogwai e, nesse sentido, dificilmente coleccionará seguidores novos, mesmo com uma roupagem decididamente mais electrónica e menos eléctrica do que outras manifestações da trupe escocesa. Aqui e ali, parece faltar o nervo útil para sacudir o estado planante que a música tão bem insinua e levá-la ao choque de uma qualquer cambalhota pirotécnica, uma convulsão que se espera em crescendo, mas não chega. A coisa torna-se tão inócua quanto uma anedota sem punchline e mesmo nos momentos bons, não se chega a passar do serviço mínimo. O que, no caso dos Mogwai, pode muito bem ser a passagem para um novo estado derivante de tocar a melancolia. 

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You Can't Win, Charlie Brown - Diffraction/Refraction


7,4/10
Pataca Discos, 2014

É um dos temas mais discutidos por melómanos, críticos e quaisquer outros seguidores do fenómeno musical: o momento definidor que deriva da edição de um segundo álbum, sobretudo quando a estreia deixou atrás de si sementes de curiosidade suficientes para, em porções iguais, germinar expectativas e exigência. A experimentar essas energias ambivalentes estão os You Can't Win, Charlie Brown. Quando há um par de anos se aventuraram a dar corpo a Chromatic, seguindo a bem sucedida peugada do EP de introdução do ano anterior, os lisboetas assumiram a incumbência de apresentar a espontaneidade de uma fórmula musical que, a despeito de revestir-se de precisão e maturidade, dava então mostras de brotar com a jovialidade própria de um produto improvisado. Era, de resto, essa a força maior da sua identidade, o natural desenvolvimento de ideias avulsas de um sexteto de talentos vários que, ao confluírem, erguiam curiosos (e muitas vezes inesperados) equilíbrios. Onde Chromatic era um exercício de intuição, Diffraction/Refraction é, com os mesmos pressupostos do primogénito, menos selvagem. A razão é uma coisa tramada, mas estes rapazes sabem domá-la e pô-la ao serviço de música que nunca poderia deixar de ser experimental. E é-o, de facto.

Pairam sobre o disco inúmeras referências, ora da folk mais comprometida no seu retiro, ora de uma qualquer espécie de rock quase épico, mas de escala paradoxalmente pequena e, como recurso incontornável, o sublinhado subliminar do psicadelismo (e a electrónica?). Sobram depois os arranjos e o trabalho de vozes, cirurgicamente certeiros e uns furos acima de Chromatic. Mérito maior: as canções são bem mais densas - e até, num ou noutro momento, se demarcam da típica estrutura verso/refrão - e, ainda assim, soam incrivelmente leves e sedutoras. É assim que Diffraction/Refraction faz soçobrar qualquer cepticismo e confirma os You Can't Win, Charlie Brown como uma dos mais estáveis bandeiras do roteiro musical luso, sobretudo depois dos argumentos que esgrimiram neste desafio do segundo álbum. A casa de sons deste inventivo sexteto é, afinal, a mesma. Só melhorou a decoração de interiores. Ou talvez seja do jogo de luzes. Difracções e refracções, lá está.

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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Stephen Malkmus & The Jicks - Wig Out at Jagbags


7,2/10
Matador, 2014

Se há coisa a encher a motivação de Stephen Malkmus para continuar a fazer música a solo, depois do papel nuclear que teve no recrudescimento de uma facção muito própria do rock alternativo, de que os seus Pavement foram porta-estandarte, é precisamente a missão de resgatar-se da falência dessa trupe e permitir a sobrevivência de uma linguagem musical em que acredita piamente. De resto, essa crença foi insistentemente colocada em cheque, senão apenas pelo crivo ácido da crítica que, em muitas circunstâncias, via nele apenas um escombro do movimento que ajudou a criar e que o tempo ultrapassou irremediavelmente, mas sobretudo pela desconfiança suscitada por um ritmo acelerado de edições, primeiro com os Silver Jews e, depois, com o colectivo The Jicks, quase sempre pautadas por uma mediania generalizada que cimentou cepticismos quanto à pertinência e actualidade da sua proposta sonora. O ónus da dúvida parece assombrá-lo e renasce a cada edição, também neste Wig Out at Jagbags, a fechar um sexteto de gravações com os The Jicks.

E, se não parece justo dizer que o filão se esgotou com os Pavement - até porque não há nenhum exercício verdadeiramente medíocre na discografia de Malkmus -, também não é menos verdade que aclamações como a rendição generalizada ao seminal Slanted & Enchanted se tornam uma miragem cada vez mais distante. E Wig Out at Jagbags confirma aquilo que cada vez mais parece um percurso copista em piloto automático, que tem refúgio em zonas de conforto inscritas na resposta agridoce que o património Pavement deu ao grunge, tudo feito com competência, é certo, mas agora sem o rasgo de outrora, a despeito de um cuidado mais acrescido com o detalhe. Não se nega que há muito cérebro e sofisticação na música de Malkmus - exactamente aquilo que sempre dividiu opiniões entre pretensiosismo ou fórmula artística - e que a mediania dele é melhor do que o auge de outros, mas mora nestas canções uma desconfortável sensação de repetição que, se não afastará adeptos incondicionais (o que não é coisa pouca), dificilmente recrutará gente nova. A questão é se Malkmus (e a fina excentricidade da sua guitarra) precisa de mais alguém. Pela confiança e honestidade que põe na sua música, dir-se-ia que ele se está a borrifar para o que dele pensam. Bem vistas as coisas, foi assim que vingaram os Pavement.

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