quinta-feira, 30 de junho de 2005

5 rapidinhas no universo da electrónica


Hiltmeyer Inc. - Sendling 70 (7/10)
Radicado na Alemanha, o projecto Hiltmeyer Inc. permanece injustamente apartado dos holofotes da fama. Entre os inúmeros méritos de um disco profusamente sedutor, está um timbre electrónico disco que induz impulsos dançantes graças a composições subliminarmente techno e imbuídas de um apurado sentido de proporção e bom gosto. Recomendável.
(Gomma, Fevereiro 2005)

Ouça integralmente as faixas "Narcotic!" e "Finalahh" na Grafonola.





F.S. Blumm - Zweite Meer (7/10)
A guitarra acústica é cristalina e faz o epicentro das composições, enriquecidas pela introdução de sonoridades menos vulgares (xilofones, marimbas, acordeões, vibrafones, etc.). O resultado é um álbum instrumental de melancolia graciosa em canções electrónicas sem estrutura definida, com o surreal devaneio de um pintor sobre a tela virgem.
(Morr Music, Abril 2005)

Ouça integralmente a faixa "Nie" na Grafonola.





J. Viewz - Muse Breaks (6/10)
Israelita, 23 anos, Jonathan Dagan é o mentor de J. Viewz. Ele é drum'n'bass, é downtempo, é chill out e tem um fino travo a jazz Davis. Versátil e variado Muse Breaks é um disco de vibrações relaxantes que, sem ser especialmente inovador, consegue encontrar pontos de equilíbrio (e de talento...) entre a atmosfera dos Air e o universo dos Royksöpp.
(Deeplay Music, Março 2005)

Ouça integralmente a faixa "Worth Light" na Grafonola.





Tosca - J.A.C. (6/10)
Os Tosca dispensam apresentações. O mais recente trabalho de Huber & Dorfmeister foi escrito durante uma mudança importante na vida dos músicos: ambos se tornaram pais! Dedicado aos respectivos filhos - a sigla título do disco é homenagem aos respectivos nomes - o disco insiste na fórmula habitual da dupla, sem surpresas, mas sublinhando o timbre sensual costumeiro, em jeito de serenata electrónica pautada pela prudência de dois criativos que já conheceram fases mais douradas.
(K7, Junho 2005)

Ouça integralmente a faixa "The Big Sleep" na Grafonola.





Ellen Allien - Thrills (5/10)
Natural de Berlim, Ellen Allien é uma DJ que nos propõe um techno com laivos de experimentalismo e beats cativantes mas que escorregam perigosamente para uma impressão monótona, fruto do registo monocórdico e da similitude embaraçosa entre as composições.
(Bpitch Control, Junho 2005)

quarta-feira, 29 de junho de 2005

Manhã na aldeia depois do nevão

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Kazimir Malevich, Morning in the Village After Snowstorm, 1912

Oneida - The Wedding

Apreciação final: 7/10
Edição: Jagjaguwar, Maio 2005
Género: Pós-Rock/Experimental
Sítio Oficial: www.enemyhogs.com








A estética sonora dos Oneida é como um poliedro vago e indefinido cujas faces são substâncias musicalmente diversas e que coexistem harmonicamente, ao ponto de fundarem dependências simbióticas entre si e concorrerem, com símile pertinência, para um produto musical maiúsculo. Depois, a vincada tendência do grupo de Brooklyn para a autenticidade e, em virtude disso, para o estiramento recorrente do seu manancial criativo, ainda que à sombra do mundo mainstream, faz deles uma das alusões óbvias do circuito indie. Em The Wedding o colectivo americano mantém o substracto do seu registo habitual, uma espécie de rock semeado nas cordas de uma guitarra, vertiginosamente sinfónico, e aglutinador do heavy metal etiquetado dos 70's ("Did I Die?" não é muito Black Sabbath e Deep Purple?) e do pós-rock psicadélico e experimental. O arrojo dos Oneida é, neste trabalho, preenchido pelo recurso aos ritmos electrónicos omnipresentes no disco e que, sem diminuir o mérito das cordas, as relega para planos alternativos. Mais geometricamente profundo e experimentalmente melodioso do que Secret Wars (2004), este álbum é também menos mecânico e psicadélico (menos rock?). A esse redimensionamento do som dos Oneida, mais centrado no onírico intimismo da folk, sem repelir o amparo ritual das distorções e dos riffs, correspondem inferências que, depois de audições sucessivas de The Wedding, insistem em ostentar a categoria desafiante de quebra-cabeças.

The Wedding é o sétimo registo da carreira dos Oneida e é feito de melodias pouco convencionais e complexas. A disparidade de estilos (inconsistência ou versatilidade?) torna-o um álbum intrigante e tremendamente apelativo. A mais recente mutação dos Oneida é esotérica e imoderada e, por isso, traz excessos e disparos fora do alvo...mas não é do desmando que brotam os predicados do génio? E quem se atreve a faltar a um matrimónio em que os actores principais, além de serem artesãos de escol, se alcunham de Hanoi Jane, Kid Millions e Bobby Matador?

Shhh

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Título: Shhh
Autor: Mark Kerr
Fonte: Sítio

segunda-feira, 27 de junho de 2005

Belle & Sebastian - Push Barman to Open Old Wounds

Apreciação final: 8/10
Edição: Matador, Maio 2005
Género: Indie Pop/Compilação
Sítio Oficial: www.belleandsebastian.com








Com cerca de uma década de actividade e oriundos de Glasgow (Escócia), os Belle & Sebastian erigiram um edifício sónico quase intemporal e, em volta de um ideal de quimera pop, produzem um som íntimo e caprichoso, de graciosidade bucólica e tom serenador. Neste Push Barman to Open Old Wounds a sugestão é uma recolha dos E.P. 's gravados pelo septeto escocês entre os anos de 1997 e 2001, sendo certo que esse formato era o escape dos Belle & Sebastian para projectar inflexões criativas e optimizar o seu arsenal de composições. De resto, a feição das vinte e cinco canções arroladas nesta edição (disco duplo) é demonstrativa da vocação da banda para tecer delicados instantes de pop sofisticada, profundamente emotiva e esmerada nos arranjos barrocos. Mais do que uma mera colecção de raridades e faixas não editadas em álbum, talvez este Push Barman to Open Old Wounds seja o documento mais representativo da matéria dos B&S, um fidedigno cartão de visita para a afabilidade do seu mundo onírico e obscuro, reverenciador de uma fórmula pop nostálgica do espírito 60's - com alguma coisa (ou não?) de Velvet Underground, de Nick Drake ou dos Felt - a que se juntam, com versatilidade, a melancolia introspectiva e a quietude sorumbática da folk.

Push Barman to Open Old Wounds não é apenas um alvo para coleccionadores ou para séquitos dos B&S. Trata-se de um edição incontornável que recolhe algumas das melhores canções do grupo escocês e é um testemunho dos préstimos de uma banda que evoca um imaginário quintessencial de saudade e contemplação, registado em composições primorosas que, se deleitarão sem reservas os seguidores dos Belle & Sebastian, trarão novos fãs ao ensemble de Stuart Murdoch. Assim se dêem as devidas honras à coesão e pertinência desta compilação que mostra mais dos B&S do que qualquer um dos registos anteriores do grupo isoladamente exibia. Imperdível.


Do Not Enter


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Título: Do Not Enter
Autor: Mark Kerr
Fonte: Sítio

sábado, 25 de junho de 2005

System of a Down - Mezmerize

Apreciação final: 8/10
Edição: Columbia, Maio 2005
Género: Metal Alternativo
Sítio Oficial: www.systemofadown.com








Serj Tankian (voz), Daron Malakian (guitarra), Shavo Odadjian (baixo) e John Dolmayan (bateria) são os System of a Down. Andam por cá desde 1995 e quem não os conhece passa ao lado de uma das bandas metal mais criativas do planeta. A marca do quarteto são as estruturas de acordes simples, seguidoras da lógica trash, as alternâncias psicadélicas entre a melodia vocal e o tom confrontador das distorções e dos clamores de Tankian e uma frenética predisposição para partir tudo o que houver de ser partido. Mezmerize é a primeira parte de uma edição dupla prevista para 2005 (a outra metade chegará às lojas em Novembro) e é uma amostra refinada do que os rapazes são capazes de fazer. A irreverência e a frescura combustível das texturas é a costumeira, as letras são activistas e quase revolucionárias, sublinhando sardonismos que percorrem, com idêntica validez, a esfera da política, da sexualidade, da cegueira social e o leque completo de extravagâncias que compõem as fantasias dos System of a Down. Além disso, o valimento supremo de Mezmerize é ser capaz de, não renunciando à sua condição metaforicamente histriónica, produzir um ímpeto imparável de energia que serve, simultaneamente, um fito catártico e moralizador. Depois, as composições acertam na mouche, alinhando com os melhores momentos da carreira do grupo e formando um insuperável assalto aos sentidos, a prova última da ousadia ímpar dos System of a Down.

Mezmerize é um epítome notável das potencialidades do quarteto, ao nível do surpreendente Toxicity (2001), e certifica os System of a Down como um dos conceitos musicais mais irreverentes e dinâmicos do universo metal. Com este trabalho, eles continuam a protagonizar uma aragem fresca de renovação das fronteiras, mais do que isso, assumem de corpo inteiro a afronta ao sistema. Mezmerize é corrosivo mas incorruptível. Genuíno e combativo, pode muito bem ser o disco metal do ano. Aguarda-se a sequela...

quarta-feira, 22 de junho de 2005

Guapo - Black Oni

Apreciação final: 6/10
Edição: Ipecac, Março 2005
Género: Rock Progressivo/Vanguardista/Experimental
Sítio Oficial: www.ipecac.com








Formados em 1994, os britânicos Guapo são porta-vozes de uma mensagem sónica fora do comum, difundida na volúvel forma de uma massa indomável de ruídos hipnóticos, experimentalismos catárticos e um compromisso devaneador com a progressividade. Confuso? Pois bem, a luxúria instrumental de Matt Thompson (baixo/guitarra), Dave Smith (percussões) e Daniel O'Sullivan (teclas) é propositadamente evocadora de um imaginário contido de tumultos, ritmos maníacos, obsessivamente negadores do silêncio e veneradores do legado kraut-rock, do vanguardismo minimalista e, mais do que isso, da dimensão sinfónica das composições. Da atitude escorreita das cinco faixas que compõem o alinhamento deriva um magnetismo quase telepático e inebriante, rumo a um clímax que, se é confirmado em certos instantes do disco, parece inacessível noutros. Black Oni é isso mesmo: um cerimonial de virtuosismo e ambição, um festim de volúpia instrumental. Contudo, é difícil ouvir o álbum e não sentir a moléstia de um certo comodismo formalista da banda. Supostamente, Black Oni é a segunda parte de uma trilogia começada com Five Suns (2002) e, embora se apresente num registo mais criativo e sombrio - algures entre a excentricidade aterradora do padrinho Mike Patton, a pujança eléctrica de Sunn O))) e a prolificidade dos Mars Volta - a banda continua a dar primazia ao quase-improviso em detrimento da composição. O frenesim sonoro resulta carnavalesco, mecânico e hiperbólico, resvalando as mais das vezes para a previsibilidade o que, não suprimindo a excelência dos músicos, atenua a robustez das texturas.

Black Oni é um artefacto sonoro válido na precisão lacónica da sua insanidade. Não mais do que isso. E aí se acha a nódoa que mancha este pano. O comedimento na alienação criativa traz a estas composições dos Guapo a mesma invalidez que o humedecimento provoca a um fósforo. As sucessivas audições do álbum confirmam a conclusão óbvia: Black Oni é mesmo um fósforo humente que, ao invés de servir o seu propósito ignífero, se torna tão vão quanto um simples palito. Ainda assim, o disco é um exercício recomendado a melómanos com paciência para confiar que, logo que o dito fósforo fique enxuto, venha a ser capaz de produzir uma chama vivaz. Sem compromisso.

Bela Toscana

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Título: Bela Toscana
Autor:Luis Zilhão
Fonte: 1000Imagens

segunda-feira, 20 de junho de 2005

The White Stripes - Get Behind Me Satan

Apreciação final: 7/10
Edição:V2, Junho 2005
Género: Indie Rock/Blues Alternativo
Sítio Oficial: www.whitestripes.com








Naturais de Detroit, Jack e Meg White dispensam apresentações. Eles são a alma dos White Stripes, bizarro projecto rock alternativo que, à custa de um formulário minimalista, se propõe a reinvenção do rock, tributando veneração a um certo revivalismo, sempre timbrado com o cunho idiossincrático dos Whites, seja no discurso assertivo da guitarra de Jack ou na irreverência das percussões de Meg. Contudo, em Get Behind Me Satan há algo de diferente, um pormenor distintivo que expande os limites da linguagem musical do grupo: a guitarra eléctrica é preterida - o disco só tem três faixas eléctricas - em favor do piano, dos efeitos de percussão e da marimba. Esta substituição instrumental não falha o propósito de captar a quididade específica dos Stripes mas reviça, num jeito menos ortodoxo, os padrões da dupla americana. Daí deriva uma assinatura sónica diferente, menos combustível do que no passado, igualmente espontânea, mas com o traço de rascunho de um trabalho de transição: viragens ininterruptas e inflitrações de elementos inopinados. A estrutura ambígua e minimalista do tecido sónico do grupo resiste à reconstituição instrumental e até adquire dimensões novas, pescadas de arquétipos artísticos estranhos aos Stripes. Estes indícios de reencaminhamento dos White Stripes são um depoimento inabalável de maturidade que, se resvalam para a excentricidade (ou incompletude?) em determinados instantes de Get Behind Me Satan, não deixam de confirmar a dupla como uma das mais sólidas referências do ideário rock hodierno.

Get Behind Me Satan é uma colecção de canções ostensivamente garridas que se apartam da equação guitarra + bateria típica do grupo e que resgatam, com a erudição dos músicos maiores, incógnitas de espaços sónicos virgens. Desta álgebra indagatória dos White Stripes, vertida no quinto registo de estúdio, provém um impulso perverso de confronto que dividirá os fãs do grupo: os Stripes estão mais crescidos, mudaram e orgulham-se da transformação. Apreciarão os séquitos da sua música? Escutado o disco, percebidos os seus méritos e falhas, resta uma dúvida: o aforismo bíblico que baptiza o disco reclama o amparo ou proclama a subjugação do Príncipe das Trevas? De qualquer jeito, Get Behind Me Satan consagra uns White Stripes surpreendentemente menos rock e mais melódicos mas insuperavelmente cativantes. Como sempre.

O banho da criança

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Mary Cassat, Child's Bath, 1893

domingo, 19 de junho de 2005

Ölga - What Is

Apreciação final: 7/10
Edição: Borland, Fevereiro 2005
Género: Experimentalismo/Pós-Rock
Sítio: www.olgamusic.com








Os lisboetas Ölga formaram-se em 2001 e, dois anos volvidos, lançaram o seu primeiro E.P., re-editado no ano seguinte pela etiqueta Borland. Este é o seu primeiro longa-duração e apresenta o traço emblemático da banda, uma combinação sensata de sons multicoloridos, rematada com um sublime traço de exotismo atávico, a remeter para ambientes asiáticos e memoriais de ancestralidade. É nessa linha que as percussões insistentes pontuam um cortejo narrativo de emoções não contaminadas pelo assombro hedonista do comercialismo, antes emancipadas na sua intensidade sensorial. Os Ölga estão à procura de um assinatura sonora e recorrem com propriedade à dinâmica do experimentalismo, não se cingem à canção rígida, aventuram-se no prazer da descoberta. Depois do achado, juntam o improviso, qual especiaria condimentícia, sem desatinos, sem evasivas. O resultado é uma massa sonora fluente e subliminarmente psicadélica que, a cada audição, desenrola um palimpsesto em que se sobrepõem, sem se melindrarem, a antiguidade das pautas de cítaras e liras e a modernidade das atmosferas electrónicas e dos violoncelos e violinos delirantes.

What Is é uma jornada intemporal por um caminho vagamente definido, um percurso etéreo de melancolias inveteradas pelo lirismo e pela ambivalente postura das composições, divididas entre o intimismo dos pequenos recatos (dos silêncios?) e a intensidade eléctrica das dissonâncias (do ruído?). Paradoxal, imaginativo e não convencional, What Is é um segredo bem guardado da lusa música que merece ser desvendado sem parcimónia.

Posto de escutaMoneyThe HuntHassana

quinta-feira, 16 de junho de 2005

Colleen - The Golden Morning Breaks

Apreciação final: 8/10
Edição: Leaf, Maio 2005
Género: Pós-Rock/Experimental/Ambiente
Sítio Oficial: www.colleenplays.org








Considerar a música da francesa Cecile Schott, artisticamente baptizada como Colleen, apenas minimalista e ambiental é fazer uma simplificação tosca dos mandamentos musicais da jovem gaulesa. Com um quase ingénuo simplismo, Schott arquitecta cenários melódicos e oníricos, abreviados a uma condição mínima, é certo, mas que encerram uma íntima aliança entre o tom compassado da folk acústica e as nuances electrónicas apaixonadas dos timbres de trovadores renascentistas, em que o mutismo é subjugado pela harmonia das guitarras, aqui mais imaginadas do que tocadas, e pela hipnose caleidoscópica da lira, da harpa, da viola da gamba e das teclas. Embrulhado em melodias quebradiças, o discurso de Colleen é uma expressão graciosa numa linguagem musical multicultural, mesmo intemporal, cruzadora de gerações e técnicas, simultaneamente ancestral e moderna. Além disso, a substância nascida do manancial de instrumentos de The Golden Morning Breaks é romanticamente perturbadora e remete o ouvinte para um escapismo quimérico, para um imaginário etéreo de fábulas e alegorias, um mundo dual de encantamentos meditativos e sonhos poéticos.

The Golden Morning Breaks é uma passagem de nostalgia interminável e de langor prostrado, mas é também uma porta aberta para universos mágicos de arte bucólica. Neste trabalho, Colleen é feiticeira de adágios mesmerizadores e transparentes que reclamam (e merecem...) audições sucessivas, até que se alquebrem as resistências derradeiras do ouvinte e, finalmente se revele, no impulso inofensivo da sua candura, o irresistível primor das composições. Não é um disco generalista, tampouco será um tomo de consumo imediato, mas destapadas as virtudes da sua essência, The Golden Morning Breaks é uma incursão invulgar (e obrigatória) ao planeta quase inabitado das utopias.

quarta-feira, 15 de junho de 2005

Coldplay - X & Y

Apreciação final: 7/10
Edição: EMI, Junho 2005
Género: Pop-Rock








Três anos depois da edição de A Rush of Blood to the Head (2002), disco que validou definitivamente os Coldplay como emblema mais luminoso da cena pop britânica e universal, os pressupostos do quarteto britânico liderado por Chris Martin são idênticos: harmonias suculentas e zelosas, cenários introspectivos e um timbre pop etéreo inconfundível. Se é verdade que o efeito novidade se esbateu nos primeiros dois discos dos Coldplay e não consta abertamente do repertório de X & Y, é também um facto que a banda se desafia a si mesma neste trabalho, (re)dispondo os ingredientes sónicos e destapando critérios renovados. Vestígios de maturação criativa? De facto, o núcleo essencial da assinatura Coldplay sai reforçado deste trabalho e os rapazes deixam ainda margem para redimensionar a produtividade das composições, conferindo-lhes uma dimensão teatral com um toque de fertilidade orgânica. O imaginário de X & Y é povoado pela dúvida, pelo anseio, pela esperança e pelo amor, trazidas ao ouvinte na voz dúctil de Martin. Formulismo? Talvez...mas quando uma banda se cinge a uma fórmula ergonómica e a administra como ninguém, o mérito é óbvio. Além do mais, X & Y invoca elementos novos: teclas a ambientar, num estilo Brian Eno, percussões mascaradas de dançarinas, a nostalgia da pop 80's e guitarras com trejeitos de bússola.

X & Y não é um disco memorável mas é uma réplica consistente à onda de expectativas quase irrealistas em torno do disco e um depoimento consistente de uma banda cujo propósito maior é fazer a melhor pop do planeta. E se com Parachutes (2000) e A Rush of Blood to the Head (2002) eles estavam perto desse objectivo, com X & Y juntam um ponto final indelével à sua declaração de afirmação sincera: os Coldplay são o mais conforme projecto musical a ocupar o trono da pop. Com canções como "Square One", "What If" ou "Talk", eles merecem-no inteiramente.

Posto de escutaSquare OneWhat IfTalk

O Maquinista

Apreciação final: 7/10
Realizador: Brad Anderson (2004)
Actores: Christian Bale, Jennifer Jason Leigh, Aitana Sánchez-Gijón, John Sharian
Género: Thriller/Drama
Duração: 102 mins.








Recentemente lançado no mercado DVD nacional, O Maquinista é uma fita perturbadora e ambígua e um thriller psicológico visualmente veemente, condição sublinhada pelos tons pardos da película e pela magreza esquelética de Christian Bale. Um trabalhador industrial, Trevor Reznik (Bale), padece de insónias incomuns que duram há cerca de um ano e que o debilitaram gravemente. Assombrado pelo aparecimento intrigante de um ameaçador novo colega de trabalho (John Sharian não faz lembrar o Coronel Kurtz, de Brando, em Apocalypse Now?), Reznik embarca numa paranóia crescente de delírios persecutórios, na orla vaga entre dois mundos: a realidade e a sua mente. E quando, subitamente, descobre alguns post-it no seu apartamento, com uma adivinha do jogo do enforcado, a trama psicológica adensa-se...

O Maquinista é uma agil desconstrução da desintegração mental de um homem, corroborada pela degradação física - Christian Bale perdeu quase trinta quilos para desempenhar este papel - de um homem solitário que encontra companhia nos braços da prostituta Stevie (Jennifer Jason Leigh) ou nas conversas de balcão com a bela Marie (Aitana Sánchez-Gijón). Num dos desempenhos mais exigentes da sua carreira (Equilibrium, American Psycho), Christian Bale é demolidor e expande, paradoxalmente, a comunicação física a níveis não vistos antes, graças à redução da expressão à tibieza física e a profundidade depressiva do olhar, fiéis tradutores da instabilidade psíquica da personagem. Depois, as reminiscências de um passado de contornos incertos assaltam permanentemente a mente de Reznik, dando ensejo a uma certa antecipação do espectador que atinge a culminância no súbito e desconcertante (não inesperado...) remate do filme. E aí se acha o engano maior d' O Maquinista: o enredo retalhado de Scott Kosar não escapa a certos clichés e, ainda que seja um exercício bem governado sobre a putrescência mental e a alucinação, não associa um simbolismo metafórico ao ónus da culpa, ao terror psicológico, ao mistério negro e à inadequação de Reznik. A realização de Brad Anderson é, contudo, engenhosa e resgata o filme da colagem a outros títulos do género, propondo um puzzle inteligente, de cariz algo hitchcockiano, sem abusar da violência gráfica da figura de Reznik e construindo habilmente um universo nocturno de purgação kafkiana, belo na negrura e ambiguidade.

O Maquinista é um thriller negro de surrealismo subliminar e progressivo que, suportado na sublime interpretação de Bale (esquecido pela Academia?), disseca cruamente a ressonância psíquica da culpa na mente humana. Ainda que invoque um imaginário não apelativo a todos os apreciadores casuais de cinema, trata-se de um filme enigmático que, não sendo uma obra suprema, contém um vigor inquietante que vai usurpar demoradamente a memória do espectador. A descobrir.

Composição Triangular

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Título: Composição Triangular
Autor:Manuel Moura Galrinho
Fonte: 1000Imagens

segunda-feira, 13 de junho de 2005

Eugénio de Andrade (1923-2005)


Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.

in O Sal da Língua, Eugénio de Andrade

Nesta madrugada, deixou-nos um dos vultos maiores da cultura nacional, o poeta Eugénio de Andrade. Que estas palavras imortais lhe façam o justo requiem.

Procissão de Corpus Christi

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Amadeo de Souza Cardoso, Procissão de Corpus Christi, 1913

Ryan Adams & The Cardinals - Cold Roses

Apreciação final: 6/10
Edição: Lost Highway, Maio 2005
Género: Cantautor/Country/Indie Pop-Rock








A primeira de três edições de Ryan Adams anunciadas para este ano, Cold Roses é um álbum-duplo que sublinha o regresso do compositor americano ao primado do country-rock que fez as delícias dos seguidores dos primeiros passos do seu percurso artístico. Neste registo profundamente americano, Adams sente-se como peixe na água e isso é perceptível na toada aconchegante das dezoito faixas de rock clássico, a lembrar Young, Springsteen ou os Grateful Dead. A nota de novidade essencial deste trabalho deriva da intervenção directa nas composições da nova banda de suporte de Adams, os The Cardinals. Da destreza técnica dos músicos resulta um fluido sonoro denso e organicamente bem urdido, ainda que em assíntota aproximação à monotonia graças ao tom quase-monocórdico da maioria das canções. Mesmo assim, a inflexão de Adams a caminho das suas raízes não é um retrocesso, antes uma reconciliação saudável de um cantautor com o seu património de conceitos musicais. As representações sonoras vertidas em Cold Roses mostram um músico a adequar colecções de ideias profusas a um conceito global maior, nem sempre com sucesso, construindo um disco paradoxalmente negligente e preciso.

Ao retorno saudado de Ryan Adams rumo ao seu berço musical falta um maior compromisso de laconismo; a extensão desproporcionada de Cold Roses ofusca irremediavelmente os efeitos virtuosos de alguns dos seus momentos cintilantes e arrasta o duplo-álbum para uma avaliação aquém da merecida por algumas faixas. Ainda assim, Cold Roses é uma edição recomendável para todos os fãs do músico americano e tem dupla função: vincar a face mais produtiva de Ryan Adams e servir de advertência para os dois lançamentos que se esperam no decorrer deste ano.

Joaninha

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Título:Joaninha
Autor: Nélio Freitas
Fonte: 1000Imagens

quinta-feira, 9 de junho de 2005

Electrelane - Axes

Apreciação final: 7/10
Edição: Too Pure, Maio 2005
Género: Pós-Rock/Indie Rock/Rock Experimental








Elas são quatro raparigas de Brighton, juntaram-se em 1998 e saltaram para a ribalta com o luminoso The Power Out (2004), um álbum que sublinhava o seu conceito sonoro de caos arrumado, embora num registo substancialmente mais pop do que o primeiro disco. Axes, o terceiro trabalho das Electrelane, marca uma reaproximação à matriz de quase-improviso, pontuada essencialmente pelas extensas composições instrumentais e esparsas aparições das vozes. A proposta subjacente à música das Electrelane capta a força motriz das teclas, as mais das vezes do piano, e usa-a como fio condutor do disco. Nesse tom, o ensemble inglês afirma-se destemidamente como uma das sumidades do pós-rock instrumental, capaz de gerar sinergias imparáveis e harmonias de excepção e de, com semelhante valimento, integrar o improviso e a melodia apelativa. Todavia, em Axes esse balanço não tem equilibrío: a banda esticou a ventura do improviso, prescindindo da deliciosa fusão com a pop que tão bem havia feito no disco anterior. Também por isso, o som é um pouco mais negro, tem feições mais opacas sem melindrar a assinatura costumeira do grupo. A complexidade da escrita evoca cenários auditivos variegados e reclama um imaginário consistente de mistério, mesmerismo e catarse. E isso as Electrelane fazem como poucos.

Axes é um mundo imaterial de divagações sem bússola pela intemporalidade da música. Cativante e desafiador, especialmente no último quarto do alinhamento, o disco apenas é penalizado pelo cotejo com o seu antecessor. Da comparação, sobressai o laconismo de Axes que disfarça o paradoxo de uma certa dispersão criativa com um incómodo formulismo. Sintomas de conformismo? Ainda assim, o disco é viciante e, não sendo o passo em frente que se esperava, merece encómios largos e vem provar que a corrente criativa das Electrelane segue no leito certo. Mas produz uma objecção inquietante: qual é a excepção e qual faz regra na idiossincrasia do grupo - a eminência criativa de The Power Out ou a indagação suavemente excêntrica de Axes? Independentemente disso, Axes simboliza o hábil bosquejar de uma banda à procura do magno produto artístico. E as Electrelane estão lá perto.

quarta-feira, 8 de junho de 2005

Gruff Rhys - Yr Atal Genhedlaeth

Apreciação final: 6/10
Edição: Placid Casual/Rough Trade,Março 2005
Género: Indie Pop-Rock








Frontman dos Super Furry Animals, Gruff Rhys aventurou-se na primeira edição a solo com este trabalho. A virtude inicial que decorre da audição de Yr Atal Genhedlaeth é a sua oportunidade: veste-se nas formas de uma banda sonora de Verão, com sonoridade fresca e remexida e traz um ingrediente de originalidade - é integralmente cantado em galês (os SFA já o haviam feito em 2000 com Mwng). Curioso? Neste álbum, Rhys ousa escrever num registo pop-rock psicadélico quase absurdo, com ênfase maior nas melodias e nas batidas electrónicas, por oposição ao tom costumeiro dos Super Furry Animals. Ainda que com menos do que trinta minutos de extensão, o disco é ambicioso e melodicamente criativo e apelativo q.b., de tal jeito que, ao fim de algumas audições, o ouvinte já solta umas palavrinhas em galês. A "geração gaga (ou travada)" - assim se traduz literalmente o título - de Rhys é uma surpresa revigorante e um acrescento precioso ao imaginário dos Super Furry Animals, embora as composições sejam mais simples e despidas. E aí reside a mácula de Yr Atal Genhedlaeth: o apelo das canções é conseguido à custa da repetição de melodias fáceis e directas e de uma produção esqueletal, uma faceta que não é comum ao trabalho dos SFA. Assim, o desfecho final é mais um conjunto meritório de esboços e boas ideias do que um álbum conciso de composições acabadas.

Yr Atal Genhedlaeth é um documento musicológico, vale essencialmente como visita aos labirintos criativos de Gruff Rhys e ao exuberante raizame musical do galês. Como produto artístico, merece uma escuta curiosa, especialmente dos seguidores dos Super Furry Animals, e consegue o propósito de rematar sonicamente uma solarenga tarde de Verão.

terça-feira, 7 de junho de 2005

Azul


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Jackson Pollock, Blue (Moby Dick), 1943

Deadbeat - New World Observer

Apreciação final: 6/10
Edição: Scape Germany, Abril 2005
Género: Dub/Ambiente/Electrónica








O canadiano Scott Montheit (leia-se Deadbeat) é um astuto artesão de paisagens sonoras opulentas que partem de uma raíz dub e lhe sobrepõem estratos instrumentais multifacetados. Da fusão premeditada com minúcia resulta uma massa sónica consistente e fecunda onde se cruzam melodias electrónicas estranhas, talvez mais sombrias do que nos registos anteriores de Montheit. A essa condição mais negra de sonho desfeito não é indiferente o vínculo das composições ao "novo mundo" (vide título do disco), aos conflitos bélicos no Médio Oriente e à política externa dos Estados Unidos da América. Ainda assim, não se trata de um álbum "político"; é antes um produto que mói em revolta contemplativa deste "mundo" e que acrescenta ingredientes diversos ao património de Deadbeat. Pistas para um redireccionamento? A presença, ainda que esparsa, de uma voz feminina - a canadiana Athesia foi a convidada - e a complexidade orgânica acrescida das composições são os factores distintivos deste New World Observer. A paleta acústica de Deadbeat sai reforçada deste trabalho e, sem prejuízo da força manipuladora da sua música, adquire um estilo emotivo e uma dimensão humana não descobertos antes e que, certamente, alargarão a esfera de séquitos de Montheit.

Musicalmente, New World Observer é um discurso assertivo e revelador da destreza digital renovada pelo músico, sem brilhantismo especial. Mas é mais do que isso: é também o aguçado testemunho de um observador zeloso do "novo mundo", um universo impotente face às suas próprias fraquezas. Montheit captou-as musicalmente e expõe-nas com sensibilidade, num fino travo Jamaicano com o embalo da electrónica Montreal. Um disco mais forte pelo apelo humanista do que pela pujança criativa, New World Observer é um pedaço de mundo real que merece, mais do que uma audição, uma meditação.

Houver Fly


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Título: Houver Fly
Autor: Tony Mathews
Fonte: Site

segunda-feira, 6 de junho de 2005

Art Brut - Bang Bang Rock'n'Roll

Apreciação final: 8/10
Edição: Rough Trade, Maio 2005
Género: Indie Rock








O nome do grupo é inspirado na definição do pintor francês Jean Debuffet para as mais variadas manifestações artísticas de sujeitos socialmente marginalizados e que vêm no produto-arte, sem pretensões ou regras, um meio privilegiado de comunicação. E é exactamente esse libertino desregramento artístico da arte de reclusos ou dementes que os londrinos Art Brut infundem na sua assinatura musical. A raíz está na insurreição do punk, aqui moldado com um engenho artístico superior a que não é indiferente a elasticidade vocal de Eddie Argos, num registo suficientemente fora de tom para não ser canto e afinado q.b. para não ser uma simples fala. As guitarras angulares preenchem o restante espaço sónico do disco, com uma precisão arrepiante e uma vivacidade electrizante. A competência dos músicos é convertida, com erudição rock, em exuberância sem exageros e em indomável genialidade criativa que transforma este álbum numa das mais originais e definitivas insinuações alternativas dos últimos tempos. E não há reticências aqui, os Art Brut insinuam com pontos finais cristalinos. Cada pedacinho deste Bang Bang Rock'n'Roll parece ter sido pensado meticulosamente para entreter e, mesmo com esse compromisso calculista, o disco não deixa de captar integralmente a rebeldia irónica do colectivo britânico. Além disso, o paradoxo maior do disco - que é também a sua força motriz essencial - é o poder (des)construtivo da escrita dos Art Brut: sem alquebrar, os rapazes ingleses implodem o punk e, aproveitando a energia gerada no processo, recriam-no com uma renovada amplitude. Mais do que Art Brut, o conceito sónico do grupo é art-punk.

Bang Bang Rock'n'Roll é uma inoculação imparável de adrenalina e tivessem algumas faixas uma pitada extra de acidez e estaríamos perante uma edição indispensável. Ainda assim, trata-se de um disco luzente e que apetece consumir sem comedimento. Com Bang Bang Rock'n'Roll, os Art Brut trouxeram um novo argumento ao rock: "popular culture no longer applies to me" diz Argos em "Bad Weekend". Debuffet tinha razão.

sexta-feira, 3 de junho de 2005

O passeio


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Claude Monet, La Promenade, 1875

Piano Magic - Disaffected

Apreciação final: 7/10
Edição: Darla, Abril 2005
Género: Pós-Rock/Experimental/Electrónica








O mundo assombrado de Disaffected é atmosférico. Glen Johnson e seus pares fazem melodias sombrias, de eletro-pop tarda e introspectiva. Falar deste disco é ser cicerone errante do seu álbum de melancolias...

[É noite na alma. No escuro de Londres, o corpo suado e solitário é alienado em si mesmo. No tecto, dançam as formas incorpóreas de utopias desfeitas que gotejam ácidos devoradores sobre os lençóis. Queimam a carne que repousa. Derretem os amores prisioneiros sob a derme. Há no ar o tangível assombro de pequenos demónios invisíveis, de gárgulas avivadas que riem sardonicamente. Consegue ouvir-se o quarto, as melodias asfixiantes dos matadores, dos caçadores da noite. Lá fora, os cães ladram de dó. Os fantasmas não páram, movem-se ritmadamente, nas suas mil cores afectadas. Do medo, da solidão, da aversão, da misantropia nasce a falta de afecto. É essa a teoria dos fantasmas. Querem levá-lo mas ele é o teu fantasma. Não tem amor. Está só e tortura-se com a nostalgia do que não foi. Deixa-se embalar no delírio electrónico que ressoa na mente. Deixa-se levar pelo canto das sereias fantasmagóricas que o seduzem. Elas vivas, ele morto. Os olhos congelados seguem o seu rito de meneios e momices. Apetece-lhe apagar estas cenas etéreas. Será que existem esses sonhos quebrados? Será a chuva que se ouve lá fora? Apetece-lhe partir. Apetece-lhe fugir desta Londres que perfura a alma. Apetece-lhe perder-se. Mas jamais se perde aquele que não tem destino. ]

...e partir numa excursão incerta pelos dramas que se alojam nos esconsos da memória.

The Hold Steady - Separation Sunday

Apreciação final: 7/10
Edição: French Kiss, Maio 2005
Género: Indie Rock








Segundo trabalho dos nova-iorquinos The Hold Steady, Separation Sunday sucede ao ironicamente recreativo e injustamente sub-apreciado Almost Killed Me, lançado em 2004. Desta vez, a entoação produzida mantém o tónico rock 'n' roll embora em deambulações mais sombrias e espirituais. As letras estranhamente brilhantes de Craig Finn remexem, com maneirismos sermonais, os temas da droga, da espiritualidade religiosa e da falência da vida: a narrativa transversal ao disco evoca uma jovem católica de nome Hallelujah que se cruza com algumas personagens enigmáticas, experimenta uma panóplia de drogas, apaixona-se, confessa-se...e que talvez morra e talvez volte da morte. O tecido sónico do disco é um frenesim de riffs de guitarra e pianos coadjuvantes, na peugada da tradição Springsteen e cujo vector primaz é uma intensidade rockcontínua, do ínicio ao fecho do álbum: 42 minutos de puro deleite!

Separation Sunday é uma obra de préstimos literários com acordes musicais circunscritos ao espaço rock clássico. A única deformidade é a incontida aproximação aos clichés do rock de bar que incorrem em iterações não inovadoras. Ainda assim, o vigor inventivo que se perde nesses recalques não ensombra a energia contagiante do registo e a destreza dos The Hold Steady para maquinar equações musicais suficientemente ferazes para aliciar qualquer entusiasta rock que se preze.

quinta-feira, 2 de junho de 2005

O Senador


William Gropper, The Senator, 1960

Smog - A River Ain't Too Much To Love

Apreciação final: 7/10
Edição: Drag City, Maio 2005
Género: Cantautor/Folk Alternativa








Com este trabalho, Bill Callahan - pioneiro da revolução lo-fi alcunhado artisticamente como Smog - desenha a décima segunda face de um percurso em forma de dodecaedro romanticamente melancólico e profundamente reflexivo. Desde 1992, a data de lançamento de Forgotten Foundation, Callahan erigiu um edifício sónico de contemplação e acérbica ironia. Neste A River Ain't Too Much To Love, o seu primeiro registo em dois anos, o músico norte-americano investiga as fundações da folk de terras do Tio Sam, capta-lhes a essência poética e o costume íntimo e concilia-os num álbum que aglutina as narrativas na primeira pessoa e as melodias da emoção. Se algumas das composições aparentam a sua condição esquelética, não é menos verdade que, também por isso, sublevam a imponência dos pequenos diamantes que Callahan burila como poucos. O travo country que pontua A River Ain't Too Much To Love protege o fracturado mundo de melancolia e misantropia do compositor, num tom simultaneamente perturbador e absorvente, em que o registo barítono da voz é um precioso coadjutor à arrumação desse sereno embalo confessional. As instrumentalizações são acolhedoras, resumem-se à parca essencialidade de testemunhas reconfortantes. O discurso é o epicentro e acolhe, como pano de fundo, os ícones mais relevantes do imaginário simbólico da civilização americana: os comboios, os diques, os pinheirais, os poços... Desses cenários brotam relatos seculares de amores desencontrados, de perdas e de isolamento.

Em A River Ain't Too Much To Love Callahan veste a pele de poeta trovador e embarca em divagações parabólicas, com a guitarra debaixo do braço (a bateria de Jim White, dos The Dirty Threes, aparece aqui e ali), pela majestade da solidão e do silêncio. O resultado é um retrato fugidio e metafórico, uma experiência sonora delicada e cujo fluido maior de fulgor, não sendo genial, se esconde, sardónico, por detrás da candura das composições.

Factor Activo - Em Directo do Fim do Mundo

Apreciação final: 6/10
Edição: Loop Recordings, Fevereiro 2005
Género: Hip-Hop Alternativo









Oriundos da Covilhã, Defski e DJ LMF, os mentores do Factor Activo, são porta-vozes de uma cultura hip-hop seduzida pelo experimentalismo electrónico e poluída por um latejante sentido orgânico de insurreição. Essa condição insurgente revela-se nos contextos líricos do disco (na faixa "Poeta" é debitado o "pulsar fortíssimo da revolução" do hip-hop), também na vibrante textura dos elementos instrumentais. Há qualquer coisa de progressista no timbre do Factor Activo, quer pelo refúgio dub a que a dupla beirã recorre repetidamente, quer pelo equilibrado embrulho electrónico das composições. Contudo, estas sublimes camuflagens, urdidas com corantes analógicos (às vezes em uso hiperbólico), não desvirtuam o propósito reivindicativo das palavras, antes lhes conferem uma dimensão mais elástica, saltando além das fronteiras do hip-hop e definindo uma assinatura distintiva para a dupla da Covilhã.

Em Directo do Fim do Mundo é ousado na integração do ruído amotinador e de uma noção de caos organizado e permite-se à excursão estratosférica sem limites (ouça-se "Ando à procura dum som"). O álbum remata com rara propriedade groove a miríade de influências que o espiam (entre elas são vigilantes os Massive Attack, os Asian Dub Foundation, até os Gotan Project...entre outros) e emancipa-se delas com vigor, sobrepujando os receios do confronto. A vitória não é definitiva (dificilmente o seria num disco de estreia) mas é suficiente para dar crédito ao Factor Activo e esperar a evolução seguinte deste prometedor projecto nacional.

quarta-feira, 1 de junho de 2005

O velho guitarrista

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Pablo Picasso, The Old Guitarrist, 1903-4

Audioslave - Out of Exile

Apreciação final: 6/10
Edição: Interscope, Maio 2005
Género: Pós-Grunge/Hard Rock







Das ruínas dos assertivos Rage Against The Machine e dos fecundos Soundgarden, ícones do rock americano da década de 90, surgiu o projecto Audioslave, com Chris Cornell, um dos mensageiros do movimento grunge, e três membros dos RATM, o guitarrista Tom Morello, o baixista Tim Commerford e o baterista Brad Wilk. O primeiro álbum do super-grupo, editado em 2002, falhava o intento de decretar uma sonoridade nova e apresentava evidências da interferência maior de Cornell, chegando-se mais ao registo costumeiro das melodias do ex-Soundgarden e separando-se da toada hip-hop de aversão que Zach de la Rocha incutia nos RATM. O segundo álbum dos Audioslave, Out of Exile, é um balão de ensaio na procura de um discurso próprio da banda. Mais uma vez, as composições são encaminhadas pelo diapasão de Cornell, ainda que se perceba um compromisso maior de intervenção dos restantes membros do grupo. Mas será isso suficiente para inovar? Os riffs de Tom Morello, embora diligentes e apelativos, são cada vez mais iguais a si mesmos, a energia dos RATM está em esvaimento e o dejá-vu Soundgarden surge em assombro teimoso. Apenas a espaços, como em "Doesn't Remind Me", "Dandelion" e "The Curse", o grupo alcança vibrações diferentes e deixa pistas para um porvir com outro frescor criativo.

Conquanto promova a confirmação do colectivo americano como um seguro ensemble rock, Out of Exile é encoberto pela assinatura inconfundível de Cornell e faz, por isso, as delícias dos nostálgicos dos Soundgarden mas soa a mais um ensejo perdido pelo quarteto para saldar as contas com o legado da antecedência e fundar definitivamente os alicerces de um rumo sónico díspar. Que nos próximos capítulos (se os houver...) sejam capazes de encontrar essa marcha e confirmar as ténues promessas que inscreveram neste trabalho.

Um nascer de Outono

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Título: Um nascer de Outono
Autor: César Braga de Oliveira
Fonte: 1000Imagens