terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Angel Olsen - Burn Your Fire For No Witness


8,5/10
Jagjaguwar, 2014

A americana Angel Olsen não tem atrás de si uma marca imediatamente reconhecível, a despeito de contar já alguns anos nestas lides da música. Tenha sido como parte integrante (voz de suporte e guitarra) dos The Cairo Gang, do californiano Emmett Kelly, ou, depois, em esporádicas colaborações com Bonnie "Prince" Billy e Marissa Nadler e gente também estabelecida em Chicago como LeRoy Bach (Wilco) e Tim Kinsella, Olsen vem paulatinamente puxando as luzes da ribalta alternativa para si. A título próprio e antes deste Burn Your Fire For No Witness, registou discretamente a sua música num EP (Strange Cacti, 2010) e num álbum (Half Way Home, 2012). Em ambos os casos, abria-se um universo de revelações intimistas e pessoais, suportado numa voz de belíssimo porte e amplitude, tão confortável em cima da música "caseira" do EP como na produção mais académica do álbum. Independentemente das formas circunstanciais desses veículos musicais, o discurso de Olsen, a só com a guitarra ou acompanhada, foi sempre um transmissor das emoções de um espírito inquieto e instável nas suas próprias inseguranças. É por isso mesmo que cada canção de Olsen soa a protótipo de uma catarse virtualmente impossível, de uma alma ansiosa por revelar-se, ora rendida aos ácidos que dissecam episódios da sua própria vida, ora envolvida no sossego de uma mera confissão.

Burn Your Fire For No Witness é um exemplo acabado de como cada canção num álbum pode ser um estado de alma e de como todos concorrem para um sentido maior. No fundo, nem sequer há nada de substancialmente original nestas canções. Mas desvenda-se a força de alguém que, no vislumbre do vertiginoso precipício emocional em que se supunha, se olha como quem abre uma janela  para a luz entrar ("Won't you open a window sometime / What's so wrong with the light?", canta Olsen em "Windows", a fechar o disco). Claro que um disco assim sincero sobre as encruzilhadas da solidão, a resignação nas relações e a remissão da dependência emocional dificilmente seria povoado de luzes; é cru, é intenso (tanto nos instantes minimalistas - guitarra e voz -, como nos mais expansivos (em que bateria e baixo se juntam) e, acima de tudo, é tocante. Música assim não se ouve, sente-se como quem manda os desamores às malvas.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sun Kil Moon - Benji


8,4/10
Caldo Verde/Popstock, 2014

O fino recorte da música de Mark Kozelek é, hoje, uma firme instituição do que vale a folk americana de feição intimista. O exercício recorrente de revisitação da sua própria intimidade pessoal, tangencialmente abordada nas personas musicais que vem subscrevendo desde o começo do percurso musical, é um fio condutor reconhecido pela crítica e por imensos melómanos que lhe são fiéis. Depois de terminada a  experiência de mais de uma década com os Red House Painters - que, de resto, lhe deu alento para aventurar-se a solo e redescobrir a dimensão misantrópica da guitarra acústica -, a caminhada individual escancarou dois pilares nucleares à significância da sua música: a tradução moderna da Americana e essa ansiedade autoconsciente de personalizar musicalmente o seu baú de pequenos dramas. Também por isso, a sua música foi sempre muito pessoal, mesmo quando repescou material de outros (AC/DC, Modest Mouse, entre outros) e o fez seu, no registo imediatamente reconhecível de confissão assombrada. A fundação dos Sun Kil Moon, no rescaldo dos Red House Painters e com alguns desses companheiros de estrada, permitiu-lhe a alternativa de, aqui e ali, emprestar às suas ideias a orgânica que a solo não produzia, embora se tenham, depois, baralhado caminhos, a ponto de, mesmo como Sun Kil Moon, ter gravado música a solo. Seja como for, a extensa discografia de Kozelek assenta nessa transversalidade e Benji é o sexto trabalho cunhado como Sun Kil Moon.

E é feito da mesma transparência céptica que transformou Kozelek num poeta do pragmatismo e da adversidade, aqui claramente levada a extremismos conceptuais, ou não estivesse o álbum pejado de histórias de luto, de vidas sangradas e de almas desafortunadas no limite. E, no meio desse negrume planante, mora uma estranha luz, uma redenção inesperada e silente. Esse raro assomo de esperança - que nunca deixa de ser pragmática, bem entendido - faz de Benji um dos discos mais negros e simultaneamente mais luminosos de Kozelek. Há nessa ambivalência uma certeza: mais do que olhar para dentro de si, o cantautor do Ohio, reconhece os caracteres que o rodeiam, as suas histórias, os seus desalentos e as vitórias que se escondem nas sombras da vida. Com quarenta e sete anos, Kozelek fez as pazes com o universo. E deu-nos alguma da sua melhor música. Adivinha-se um sorriso tímido atrás da melancolia.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

San Fermin - San Fermin


7,9/10
Downtown Music/PIAS, 2014

Atrás do epíteto tomado das extravagantes corridas taurinas de Pamplona, reside a inspiração de um músico de cátedra, recém-formado em Yale, que agora se aventura nas lides discográficas a só, depois de alguns anos na peugada de Nico Mulhy. A preparação técnica (e teórica) que Ellis Ludwig-Leone - é ele este San Fermin -  colheu nesses anos de convergência com Muhly, também no treino clássico da sua formação, são as sensibilidades essenciais de uma proposta musical que demonstra um sentido artístico apurado, com as complexidades próprias do refinamento de conceitos pop quando expostos a formatações importadas da clássica contemporânea (lá está, Mulhy), da música de câmara ou mesmo do jazz erudito e experimental. Ao mesmo tempo, e dentro dessa identidade estrutural e da densa sobreposição de camadas de som, cabe o azimute melódico que dá sentido a tudo, em genuínas equações pop. Em certo sentido, acabam por traçar-se paralelos de circunstância com os universos a preto-e-branco dos The National (ouça-se a belíssima "Methuselah"), por exemplo, ou até com os momentos mais lúgubres de Nick Cave. Boas coordenadas, portanto.

As canções são, depois, vocalmente servidas por Allen Tate - tem sido recorrentemente comparado, com razoável acerto, a Matt Berninger -, nos registos mais graves, e por Holly Laessig e Jess Wolfe ("emprestadas" pelo quinteto nova-iorquino Lucius), nos tons mais doces. A diversidade vocal imprime uma dinâmica interessante e que ajuda a preencher (e definir) as múltiplas dimensões induzidas pelas teceduras instrumentais de finíssimo recorte. Ouça-se, a título de exemplo, a excentricidade de "The Count", peça de obtusa decoração modernista, com as vozes a apontarem os pontos cardeais. No final, percebe-se que o disco pode ser mais do que o barroco de vanguarda que supunha a primeira impressão e, afinal, mora nele, entre os ornatos da erudição técnica, uma sinceridade pop que tem tanto de eloquente como de cândido melodrama.

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Capitão Fausto - Pesar o Sol


8,0/10
Sony Music, 2014

A massa sonora que enche a canção de abertura de Pesar o Sol suscita imediatamente a certeza da deriva psicadélica em que os Capitão Fausto encontraram embalo, em manifesta evolução da formatação imediatista de Gazela. Nesse álbum, mais do que ensaiarem qualquer especulação rock, Tomás e companhia acolhiam  a cartilha convencional do que deve ser um primeiro disco, a apontar ao refrão certeiro, sob a definição precisa de uma canção sem desvios. Ainda assim, no meio desse formulismo cabiam breves assomos de devaneio provando que havia espaço para crescer e partir ao encontro da liberdade criativa destes rapazes que dificilmente atingiria a plenitude do seu potencial, se amputada desse ímpeto inconformado. Como não podia deixar de ser, depois dos atilhos de Gazela, este Pesar o Sol tinha que escancarar vias alternativas para escoar as volumosas emanações de criatividade da trupe, remetendo-as para os namoros antigos com o psicadelismo e, por inerência, premiando a ânsia expansiva que a música deles reclamava. É disso que trata este álbum, de abrir inúmeras saídas de emergência nos mesmíssismos sítios onde outrora as canções travavam a fundo, em nome de serem apenas isso mesmo, canções certinhas, com versos e refrães matematicamente ordenados.

Neste Pesar o Sol, a primazia é dada (e bem) à incerteza em que melhor se abrem os ângulos das guitarras, às escapatórias estruturais que introduzem o factor surpresa e que privam as composições das vestes de simples canção e lhes emprestam a feição de produto musical nascido da real gana. Autenticidade, portanto. Há aqui reflexos óbvios de uma musculatura firmada em palco e que trouxe ao quinteto uma consciência mais apurada da sua própria identidade e do seu lugar entre as referências estéticas, algures na maré nostálgica que, à escala global, deu ao velhinho rock psicadélico a medida de culto moderno. E o refrão orelhudo torna-se matéria secundária e prescindida em favor da irreverência instrumental, sem artíficios ou petulância. Pouca importa o destino quando a viagem deste Pesar o Sol, sob o comando do Capitão Fausto, é tão pródiga em fintar a monotonia. 

PODE LER ESTE E OUTROS CONTEÚDOS EM WWW.ACPINTO.COM