domingo, 30 de setembro de 2007

Devendra Banhart - Smokey Rolls Down Thunder Canyon




Quando o universo musical de grande escala se deu conta da existência do texano Devendra Banhart já ele estava "destinado" a assumir-se como um dos espíritos mais astutos da new weird America e daquilo a que as convenções decidiram chamar de freak folk. Essa espécie de corrente regeneradora de parte dos legados tradicionais da folk americana, marcada pelas afinidades com a ousadia nas formas e por um amplo conhecimento das várias possibilidades estéticas da música acústica, encontrou em Banhart o melhor reflexo de um mensageiro. Conhecedor (e admirador) da obra de gente importante na história recente da música do seu país - como Tim Buckley, Warren Zevon ou Marc Bolan - ou fora dele - Syd Barrett, Joni Mitchell, Nick Drake ou The Who - e adepto do experimentalismo em torno desses ensinamentos, Banhart corporizou a mais atávica das réplicas aos anseios de uma comunidade melómana nostálgica da era áurea da folk.

Uma voz única, um talento inato para melodizar magicamente uma simples sequência de acordes e um ímpeto quase esquizofrénico para dar às melodias uma certa aleatoriedade formal foram os atributos que convenceram, já lá vão sete anos, Michael Gira a editar Oh Me, Oh My..., compilação casual de pedaços de música rusticamente gravados no quarto de Banhart. A amostra convenceu críticos e melómanos e inaugurou uma discografia que, nos capítulos seguintes, deu mostras de um efectivo crescimento, não apenas no apuramento de um modelo idiossincrático de som (a assinatura Banhart é, hoje, uma realidade insofismável) mas, sobretudo, na forma como o texano foi capaz de adequar o seu espírito inquieto a esse padrão. Cripple Crow, editado há dois anos, foi ainda mais longe, trazendo a ambição de fazer vingar a sua música com uma dimensão instrumental mais "orquestral". E que dizer deste Smokey Rolls Down Thunder Canyon? Riquíssimo e saborosamente intrigante nas variações de estilo - o que alguns eventualmente verão como sinónimo de incongruência - o disco é bastante ambicioso nos propósitos e não menos bem sucedido nos resultados. Banhart faz-nos acreditar que a grandeza é uma coisa espontânea (se calhar, no caso dele, é mesmo...). Que não restem dúvidas: estamos perante uma das personalidades musicais da década e este Smokey Rolls Down Thunder Canyon, com pérolas como "Cristobal", "Seahorse" (com Vashti Bunyan), "Shabop Shalom" ou "Rosa" (com Rodrigo Amarante dos Los Hermanos) é um dos supremos testemunhos dessa certeza.

Posto de escuta Sítio da 7digital

sábado, 29 de setembro de 2007

Supermayer - Save the World

7/10
Kompakt
Flur
2007
www.myspace.com/
supermayer



Sempre que figuras de primeira grandeza de um qualquer nicho artístico se juntam para concentrarem as suas ideias num trabalho único, dificilmente deixa de existir um massivo coro de rendições "instantâneas", como se uma obra dessa natureza ganhasse, no mero protagonismo dos intérpretes, uma dimensão quase mitológica. Assim aconteceu também com o burburinho que antecedeu o projecto Supermayer, espaço de convergências entre Superpitcher e Michael Mayer (artesãos insignes da cena de Colónia e do selo Kompakt - Mayer até é o boss), consagrado a priori como um dos mais originais manifestos anti-marasmo da música electrónica contemporânea. Como se eles não tivessem já assinado, a dois, (com classe, diga-se) alguns remixes de Gui Boratto ou Gabriel Ananda. Adiante.

Mesmo não sendo esta união um facto "novo" (e só aí a consagração prévia pecou por exagero), isso não impede que estejamos perante um opus à altura da vaga de expectativas anteriores ao seu lançamento. Artisticamente urdido em volta de uma narrativa ilustrada ao jeito de um comic book - o que acaba por assentar na definição de álbum conceptual - Save the World rebusca várias graduações da música techno minimalista. É, de resto, o impulso mutante e auto-regenerador das composições que lhes revela uma identidade sem pejo de ensaiar algumas derivas de aproximação a outras escolas estéticas e interferências sonoras (xilofones, palmas, cowbells). Nesse particular, trata-se de um álbum organicamente muito bem calibrado e revelador de potencialidades experimentais nem sempre bem exploradas no orbe electrónico. O leque é largo e demonstrativo de versatilidade: da espantosa pedra de toque "The Art of Letting Go" (demarcadora das afinidades com a pop) aos viciantes rendilhados da esdrúxula "Us and Them", da weird folk de "The Lonesome King" às convencionais sequências de "Two of Us" ou à transformação R&B de "Cocktails For Two". Save the World pode não ser o mais monolítico dos exercícios electrónicos dos últimos tempos (aí perdendo, num registo diferente, para o último de Gui Boratto, por exemplo), nem vai certamente salvar o mundo, mas tem substância bastante para agitar consciências adormecidas sobre os cânones. E é, em última análise, um belíssimo exemplo de uma soma de partes cujo apuro é genuinamente simbiótico.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Doherty a preto e branco

Figura mais mediatizada em razão dos recorrentes problemas com as drogas, a polícia e a companheira Kate Moss do que propriamente pelo seu percurso musical, Pete Doherty tem novo álbum à porta (para a semana Shotter’s Nation está nas lojas), o segundo com o projecto Babyshambles, saído das ruínas dos Libertines. O primeiro avanço chama-se "Delivery" e aposta, sobretudo, na simplicidade de processos e em linhas melódicas de fácil aderência ao ouvido. Alvo: consumo de massas.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Os reinos de Gahan

Está aí à porta o segundo registo a solo do vocalista dos Depeche Mode, Dave Gahan. Enquanto não chega, espreite-se o vídeo de "Kingdom" (primeiro single do álbum), um exercício de luzes e contrastes numa dinâmica multi-cenário que nos projecta mentalmente para a escrita mais sombria do músico que, em certos momentos, também foi doutrina dos Depeche Mode.

Joni Mitchell - Shine

5/10
Hear Music
2007
www.jonimitchell.com



Depois de uma longuíssima ausência (na altura, anunciada como uma retirada em acerbo desapontamento com a indústria discográfica) de quase uma década sem gravações - o último registo gravado, Taming the Tiger, é de 1998 - a canadiana Joni Mitchell é trazida de novo à ribalta pela mão da Hear Music. O crescimento da editora subsidiária da cadeia de cafés Starbucks - além de Mitchell, o "plantel" conta com outros veteranos consagrados, casos de Paul McCartney, Bob Dylan e Willie Nelson, por exemplo - é caso paradigmático do peso actual dos nichos "independentes" do mercado norte-americano e da emancipação de um conceito de edição musical adaptado às exigências da geração digital e, sobretudo, autónomo dos canais de distribuição das majors. Terá sido esse, de resto, o melhor pretexto para convencer uma Joni Mitchell cansada das editoras a desistir da deserção que anunciara em 2002. Assegurada essa autonomia face ao "inimigo" - o que, em paralelo, até serviria como uma espécie de desforra justiceira para Mitchell (embora as diferenças na filosofia mercantilista entre uma grande editora e uma empresa multinacional não sejam óbvias) - importaria perceber se o distanciamento de anos não tolheu a verve de uma das cantautoras-ícone da década de 70.

Sem rodeios: a voz não tem, nem poderia ter, o mesmo brilho de outros tempos. Shine mostra-nos um registo vocal competente, é certo, mas (muito) longe da cativante ductilidade e da chama entusiasta de outrora, antes revelando uma voz "poluída" e algo cansada - basta comparar a revisão de "Big Yellow Taxi" de agora com a original, de 1970. Depois, em termos orgânicos, o disco parece envolto na indefinição identitária que caracterizou o percurso da cantora, depois da aclamação como trovadora na década de 70. À inequívoca perda de peso mediático de então - o que a afastou dos grandes públicos que conquistara - juntou-se a afirmação das electrónicas da década de 80, um óbice para o som genuinamente acústico de Mitchell. A década de noventa tentou sanar esses prejuízos à custa de um refinamento pseudo-elitista - dir-se-ia próximo das órbitas do jazz-canção - que tem, agora, o seguimento natural. Liricamente ou musicalmente, Shine soma pouco mais do que trivialidades ao catálogo de Joni Mitchell confirmando que, como é natural numa carreira com mais de três décadas, o caminho para os mais inspirados momentos faz-se recuando no tempo.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

José González - In Our Nature

7/10
Peacefrog
2007
www.jose-gonzalez.com



Sueco com raízes parentais na Argentina, José González conseguiu projecção além-fronteiras, há dois anos, com o mesmo disco que, um par de anos antes, o havia consagrado na sua terra natal. Veneer surgiu, então, como um verdadeiro manifesto de preito às virtudes da música acústica, assim provando as potencialidades comerciais de um conceito pop distante dos artifícios de estudo e cosméticas próprias dos grandes mercados. Reduzir canções ao cerne primário da combinação voz/guitarra - no padrão de González também com a ajuda de uma discreta comitiva de percussões - é um exercício arriscado porque, na ausência de adornos e com o consequente minimalismo estrutural, as melodias devem ser pensadas para uma exposição crua e despida.

Nesse particular, a música acústica é uma faca de dois gumes: ou as composições vencem as delicadas exigências desse formato mínimo, assim se afirmando como canções de méritos artísticos sem discussão (porque dispensam enfeites de qualquer espécie e valem por si mesmas); ou, por oposição, falham quando chamadas a mostrar-se na essência mais esqueletal. In Our Nature, segundo álbum de González, está no primeiro desses pólos definidores. Tal como no antecessor, as peças são uma afirmação de identidade: González é, de facto, o trovador moderno por excelência, o tímido realista das emoções cantadas ao ouvido. "Down the Line", "Killing For Love" e "Teardrop" (revisão do clássico dos Massive Attack) formam a tríade de pedras angulares de um edifício de sons que, não sendo tão estimulante quanto o primeiro (talvez por ter-se esvaziado o efeito surpresa), conserva os feitiços de afinidade com o ouvinte. Intimismo é o sinónimo.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Múm - Go Go Smear the Poison Ivy




Quando os islandeses Múm (ou, se preferirmos o grafismo dos discos, múm) se estrearam nas lides discográficas, há sete anos, revelando a ambivalência estética de um conceito electrónico que combinava a complexidade estrutural da IDM e do glitch - aí colhendo, embora em cadências mais lentas, ensinamentos de Autechre ou de Aphex Twin - com inteligentes fragmentos de pura delicadeza melódica (sublinhados pelas vocalizações casuais), poucos deixaram de se render. De então para cá e até este álbum, a definição musical do quarteto não se desviou desse pressuposto de fazer da "micro-electrónica" (por inerência do detalhismo orgânico das peças) o esteio de conteúdos que são pop - porque apelam a estímulos imediatas do ouvinte - sem o serem formalmente - porque trazem revestimentos algo complexos - mas que, acima disso, articulam o escapismo e hipnose de um conto de fadas com a erudição e complexidade da música "cerebral". Por isso, cada disco dos Múm era um esfíngico labirinto de sons a sugerir duas dimensões: ora estimulavam pelo impressionismo, agarrando o ouvinte pelo cérebro, ora encantavam pela fábula, trazendo a primeiro plano utopias de criança.

Go Go Smear the Poison Ivy, quinto registo de estúdio, convoca os mesmíssimos postulados de complexidade estrutural e de conceito formal - o que, por si só, enquanto indício de uma certa resistência à inovação, não seria bom prenúncio. Pior do que isso, o álbum foi criado sob um condicionalismo decisivo para o esvaziamento das fantasias características dos Múm: a indisfarçável ausência do canto de menina sonhadora de Kristín Anna Valtýsdóttir. A omissão dessa substância intrínseca à magia habitual dos Múm (e a consequente substituição por vozes dos dois géneros), não sendo um desfalque irreparável, atirou o som do grupo para um espaço de alguma indefinição, à procura do enlace certo entre ciências electrónicas e vozes mais "adultas". A coisa nem sempre resulta tão bem como na espacial "Dancing Behind My Eyelids" mas, ainda assim, o álbum tem algumas coisas boas, atrás de dois pecadilhos: não foram aproveitadas as mudanças no alinhamento da banda para dar ao som dos Múm a transformação que urgia fazer e, a outro nível, parece difícil imaginá-los nesta mistura sem a voz de Valtýsdóttir. O disco é coisa apenas para seguidores, portanto.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

PJ Harvey - White Chalk

8/10
Island
2007
www.pjharvey.net



Embora as primeiras audições deste White Chalk indiciem uma sonoridade bem diferente, seguindo a onda de rumores que antecipou este disco como uma espécie de viragem anatemática de Polly Jean Harvey em relação ao passado de diva do rock independente, a verdade é que, decifradas as entranhas do oitavo álbum da compositora britânica, se percebe que a mudança é apenas um subterfúgio formal. É verdade que, no lugar das canções agitadas pelas guitarras e pela voz crua - coisas absolutamente emblemáticas do percurso de Harvey - surgem agora composições isentas de electricidade e voltadas, sobretudo, para o intimismo.

As mãos de Harvey esculpem no piano (o instrumento maior do disco) a delicada raiz melódica das canções, quase ao jeito de uma confissão resignada (por oposição à animosidade e sedição de outros momentos) que, a despeito de lograr alma bastante para ter expressão de per si, ganha outra amplitude graças aos celestiais arranjos (cortesia da mágica alquimia de John Parrish) e, surpresa maior, ao impacto vocal de Harvey, aqui capaz de desdobramentos em tons mais altos do que os que conhecemos antes. Essa elasticidade vocal reforça a "espiritualidade" e o personalismo do disco e, en passant, qual comovente eufonia de sereia sombria, seduz-nos para um tenso refúgio de desolações alvas, onde a rebelião dos indomáveis (como o sangue de PJ Harvey) se faz numa vogante dança de espectros. Tranquilize-se o espírito. A melancolia não é mera retórica. White Chalk mostra que, afinal, ela pode ser apenas a rebeldia a olhar para dentro de si e a aceitar os fantasmas.

Posto de escuta Sítio da 7digital

Ecce Homo

Duas sugestões para uma boa contextualização dos valores humanistas. Por um lado, as incongruências identitárias da espécie humana, a claustrofobia esquizofrénica de si mesmo, no novo vídeo dos Liars. A outro nível, a desdramatização do bizarro enquanto aceitação da diferença. É a sugestão dos Animal Collective.


Liars "Plaster Casts of Everything"



Animal Collective "Peacebone"

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Pekos & Yoro Diallo

8/10
Yaala Yaala/Drag City
AnAnAnA
2007
www.dragcity.com



Por mais selectivos que sejamos, a cada dia somos insistentemente bombardeados pelas massivas doses de informação veiculadas pelos chamados "canais oficiais". A despeito da serventia dessa comunicação, muitas vezes discutível - pelo menos do ponto de vista das motivações mercantilistas que lhes podem estar subjacentes - é normal que, a todos os níveis, escapem produtos valiosos ao "olho" dominador dos mercados. Felizmente, mesmo no orbe musical, nem todos os espíritos se rendem a essa visão necessariamente limitada e à correspondente cultura de conformismo das linguagens dominantes e partem à busca de artes deixadas à margem.

Foi com esse alento peregrino que Jack Carneal, admirador confesso da música feita no Mali, se mudou de armas e bagagens para essa república da África Ocidental; e veio a descobrir que, além das mediáticas criações de gente ilustre como Toumani Diabaté, Oumou Sangare, Ali Farka Touré ou Salif Keita - os "monstros" de exportação da música maliana - há um submundo musical nos caminhos pobres, longe das técnicas e revestimentos dos estúdios. Pekos & Yoro Diallo é música feita para embalar gentes passadiças e mercados de rua, com instrumentos (os ngonis electrizados, a percussão tribalista e a voz cavernosa) e ritmos de ocasião, e o dinamismo próprio do mais genuíno dos exercícios de "improviso". Tudo gravado com impolidez em rústicas cassetes perdidas no tempo, agora compiladas pelo selo Yaala Yaala (criado por Carneal para estas revelações). E a descoberta, não obstante o ingénuo repicar das "composições", desvenda tanta paixão, fruição e pureza que não pode deixar de ser considerado um achado imprescindível e uma preciosa extensão ao cancioneiro maliano mais conhecido dos melómanos do setentrião. O filão do Mali não se esgota naqueles que, "sustentados" pelas máquinas editoriais, se tornaram os ícones consagrados. Vivas a Jack Carneal por nos lembrar isso!

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Vertigens civilizacionais

O teledisco para o segundo avanço - sugestivamente baptizado como "Hollow Men" - do recém-editado novo disco dos britânicos Gravenhurst, The Western Lands, é um exemplo de quanto o complemento cenográfico pode trazer novas dimensões de contexto à canção como produto artístico de per si e, mais do que isso, pode oferecer outra saliência à mensagem que ela veicula.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Murcof - Cosmos

6/10
Leaf
2007
www.murcof.com



Conhecendo-se o passado de Fernando Corona e sabendo-se que este terceiro disco do mexicano teve como premissas inspiradoras algumas visitas a planetários do Velho Continente, faz todo o sentido que o título de baptismo da obra antecipe um sentido musical abertamente "cosmológico". Afinal, não é segredo para ninguém que, depois das façanhas menos notadas (pelo menos, fora do seu país) no Nortec Collective - onde, ao lado de gente célebre da electrónica mexicana, converteu a música tradicional a andamentos mais dançáveis - Corona se converteu à exploração de dimensões mais espaciais da techno minimalista. Foi assim que, como Murcof, fundou um derivado electrónico (e vanguardista) da música clássica contemporânea, não no sentido académico da expressão, antes na sua acepção mais escapista e intimista, algures entre o minimalismo orgânico e os planos espaciais de som.

E se a dupla prévia de álbuns fez doutrina dessa estética, mostrando-nos uma fusão cada vez mais depurada (e, consequentemente, um casamento com menos antagonismos) de ingredientes estruturalmente díspares, este Cosmos reforça a ideia de que estamos perante um artífice conhecedor da autoridade cenográfica da música em duas vertentes: a acústica e a sintética. E das vantagens no seu enlace, como bem se percebe no processamento das sinfonias de bolso dos instrumentos, da sua acomodação à estética espacial que norteia o disco e ao nervo aspergido pelas batidas electrónicas. De um garbo irrepreensível, ainda assim não escapando a algumas derivações mais próximas da escola ligeira do chill out, Cosmos é, sem alarido renovador, uma achega congruente à discografia de Murcof. E isso quer dizer que, mesmo tratando-se de um exercício executado em volta de um ideário que vai acusando princípios de cristalização (e, por isso, gerador de alguma monotonia), estamos perante uma combinação de sons de vanguarda suficientemente fértil para "agarrar" os seguidores mais indefectíveis.

Posto de escuta Sítio da Boomkat

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Thurston Moore - Trees Outside the Academy

7/10
Ecstatic Peace
2007
www.ecstaticpeace.com



Não deixa de ser sintomático de uma certa reafirmação artística que, depois da retoma mediática, no ano transacto, dos Sonic Youth (com Rather Ripped), um dos seus mentores tenha decidido resgatar os galões de compositor a solo. Em boa verdade, Thurston Moore não escrevia sozinho um disco de canções desde Psychic Hearts, registo com mais de uma década, embora se tenha entregado, além dos Sonic Youth, a uma série de projectos paralelos, casos dos Dim Star ou dos trabalhos instrumentais conjuntos com William Winant e Tom Surgal. Consagrado como um dos ícones improváveis do orbe indie e um eremita inquieto na hora de passar à canção as desventuras da vida, Moore encontra no espaço solitário deste Trees Outside the Academy a zona útil para sondar com mais propriedade as possibilidades acústicas da meditação. Trata-se, sobretudo, de um registo erguido em volta da guitarra acústica (nesse particular, fugindo dos paradigmas estruturais mais eléctricos dos Sonic Youth), da voz confessional, dos soberbos complementos do violino de Samara Lubelski e da percussão expedita de Steve Shelley. A estes companheiros de gravação, juntam-se as aparições pontuais de J Mascis (Dinosaur Jr.), Christina Carter (voz dos Charalambides, em "Honest James"), John Moloney (percussionista dos Sunburned Hand of the Man, em "Wonderful Witches") e Leslie Keffer, homem do ruído, a emprestar uma espécie de intermezzo breve em "Off Work".

Acústico na essência, apesar das inevitáveis presenças de fragmentos mais eléctricos, Trees Outside the Academy não é (nem terá sido pensado como tal) uma renovação de princípios; as orientações estruturais das composições são as mesmas que servem os Sonic Youth há um quarto de século e isso é, bem vistas as coisas, o melhor atestado de validade que pode fazer-se à música de Thurston Moore. E a pergunta que Moore colocava a si mesmo, aos treze anos, rusticamente registada na última faixa do disco, sobre o porquê de procurar (e gravar) sons casuais à sua volta, continua a ter réplicas impressivas hoje. Afinal, é essa verve fortuita que ainda lhe encaminha os dedos na hora de combinar acordes numa guitarra. Mesmo que ela seja acústica.

domingo, 16 de setembro de 2007

Benjamin Biolay - Trash Yéyé




Quem escuta a música de Benjamin Biolay tem algumas dificuldades, pelo menos nas primeiras audições, em associar a sensibilidade artística do compositor gaulês ao mau génio que tantas vezes lhe é atribuído (e que alguns pormenores da sua vida pessoal concretizam). Canções como as de Trash Yéyé, sexta obra de um percurso discográfico com cinco anos, não parecem fruto de uma mente isolada e separatista face ao cancioneiro tradicional da chanson française que, queira ou não admiti-lo, é a sua luminária basilar. Ainda assim, justiça lhe seja feita, Biolay ergueu para si uma identidade que não se fecha em reminiscências de Gainsbourg ou Ferré, nem teme proferi-las em tons mais negros e abraçando temáticas de recorte existencialista, as mais das vezes em volta de episódios de amores frustrados. Servidas por uma voz sussurrante e, sobretudo, por arranjos com certas derivações de talhe sinfónico, dir-se-ia que as peças de Biolay se acham num elegante registo de pop de câmara que não impede incursões oportuníssimas por outras órbitas estéticas, sejam elas do jazz formalmente ligeiro ou da electrónica (ouça-se, como exemplo, a bem dançável "Qu'est-ce que ça peut faire"). E, mérito inegável (e típico) do cantautor, essas variações de forma das canções não trazem sombra de incongruência ao disco, antes lhe acrescentam a diversidade própria dos álbuns recheados de surpresas. Mesmo não sendo tão inspirado quanto Negatif (2003), opus maior do catálogo Biolay, Trash Yéyé é um nobre exercício do que deve ser a pop a preto e branco e um generoso exemplo do que vai valendo actualmente a música francesa.

Posto de escuta Sítio da Virgin

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

The Go! Team - Proof of Youth

7/10
Sub Pop
Edel
2007
www.thegoteam.co.uk



Tendo começado como o projecto individual de Ian Parton e merecido, então, o comentado elogio público de John Peel, foi como sexteto que o conceito The Go! Team ganhou expressão mediática significativa, um par de anos depois, mormente com o lançamento do primeiro longa-duração Thunder, Lightning, Strike, de 2004. Essa edição pusera a nu uma miríade electrizante de referências na construção de canções, quiçá não muito bem arrumadas (e essa deliciosa desarrumação era um dos regalos do disco), mas demonstrando uma frescura de espírito louvável e, sobretudo, uma forma despreocupada de mostrar exuberância juvenil (não confundir com ingenuidade técnica!) na arte de compor peças capazes de se manifestarem em várias linguagens estéticas.

Proof of Youth é um digno sucessor desse entendimento lato do indie rock, sublinhando convicções experimentalistas e livres a ponto de cruzarem coordenadas funk com percussões isentas de escola ou, com a mesma solicitude, casarem substâncias hip hop com festins rock e corais de cheerleaders. Depois, as peças beneficiam de uma produção apuradíssima na hora de ordenar substâncias e lhes dar corpo, pronunciando-lhes o lastro melódico com a inteligente incorporação de arranjos sintéticos ou apontamentos de trompete. Em termos técnicos, o disco pede meças ao antecessor e somente fica aquém em dois aspectos: não tem o efeito novidade do primeiro e, em derivação directa desse facto, acaba por encerrar uma escrita igualmente festiva mas menos brilhante. Ilação incontornável: Proof of Youth é mais um produto sequencial (um picar do ponto editoral) do que propriamente um exercício evolutivo. O que, no caso destes ingleses mirabolantes, nem sequer é uma má notícia.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Novo EP single dos Battles


Novo vídeo e single dos Battles, para um aditamente editorial ao magnífico longa-duração Mirrored, lançado já este ano. Chama-se "Tonto" e apresenta (também lhe dá nome) o novo EP da banda, a chegar às lojas em finais de Outubro. O disco, além do original já incluído no álbum, traz revisões de Four Tet e The Field para a mesma canção e vem acompanhado de um DVD promocional. Eis a capa e alinhamento:



01. Tonto
02. Tonto (The Field Remix)
03. Tonto (Four Tet Remix)
04. Tonto (Live at FRF 07)
05. Leyendecker (Live at FRF 07)
06. Leyendecker (DJ Emz Remix Feat. Joell Ortiz)

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Siouxsie - Mantaray




Consagrada ao lado dos Banshees - o colectivo que chefiou, com inúmeras convulsões internas, durante cerca de duas décadas - como um dos ícones mais emblemáticos a emergir das fileiras do punk londrino da ressaca da década de 70, Siouxsie Sioux (Susan Janet Dallion no B.I.) teve ainda nos The Creatures, ao lado do então cônjuge e parceiro criativo Budgie (também fora percussionista dos Banshees), outro dos momentos capitais de construção da identidade sonora que se revela neste Mantaray. Se a primeira (e mais saliente, pelo menos em termos de impacto mediático) experiência com os Banshees lhe trouxe a irreverência e o sentido de urgência eléctrica do punk herdeiro dos Sex Pistols, a mutação para os The Creatures alargou o espectro "gótico" que estivera presente nas composições desde o primeiro instante, permitindo-lhe ir ao encontro da flexibilização do registo vocal (aí se revelando uma cantora efectiva) e, sobretudo, da exploração livre de outros formatos rítmicos.

Foram precisos trinta anos para, depois da recente separação de Budgie, Siouxsie tomar as rédeas da primeira produção verdadeiramente a solo. E Mantaray é ensejo para desvendar uma artesã segura do seu estatuto e das virtudes de cada episódio do percurso artístico, coisa que transparece na confiança do disco, sem hesitações na hora de coligir as matérias quintessenciais do passado e, mais do que isso, a somar-lhes, radicalismos à parte, uma ou outra insinuação original e um revestimento mais moderno. Às coordenadas contingentes dos Banshees e aos subterfúgios hipnóticos dos Creatures, Mantaray junta laivos da cultura suburbana corrente e algumas derivações estéticas bem apuradas pela produção, do rock pulsante da extraordinária "Into a Swan", ao preito a Shirley Bassey de "Here Comes That Day", ao piano catártico de "If It Doesn't Kill You" ou "Heaven and Alchemy", ao minimalismo desconcertante de "Drone Zone". Bom regresso.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Animal Collective - Strawberry Jam




Já não pode negar-se, mesmo sob os entusiasmados atropelos ao bom senso que as opiniões de massa como generalizações instantâneas tendem a quase sempre encerrar, que o mundo indie ficou diferente depois do surgimento dos Animal Collective. Com um punhado de álbuns pautados essencialmente por uma barroca (porque exuberante e "anormal") revisão dos ideários pop-rock, Panda Bear e Avey Tare (com a ajuda de Geologist e Deakin) ergueram uma estética cultora da transversalidade da música e, sobretudo, do experimentalismo em busca de convergências entre estilos. No decurso da evolução dessa linguagem, desde as deliciosas desproporções e desalinhos de Here Comes the Indian (2003), trabalho com que se mostraram às gentes melómanas, ou, se preferirmos um recuo mais distante, desde as gravações de 2001 que foram lançadas no ano transacto sob o título Hollindagain, até à grandeza de Feels (2005), é notória a depuração de formas das composições e a consequente emancipação de um pendor melódico concreto - outrora um mero ingrediente clandestino atrás do tropel dissonante das texturas.

Foi assim que, como muito bem sublinha este Strawberry Jam, o crescimento da melodia aproximou os Animal Collective dos paradigmas "clássicos" de canção, não esvaziando minimamente a superabundância orgânica das peças, sempre servidas por electrónicas extáticas e instrumentações intencionalmente "poluídas" e no limite do excesso. Pois é desses desmandos que se faz a melhor música dos Animal Collective e é com eles que o universo periférico (e bizarro) de Panda Bear e Avey Tare ganha forma. Como se o surrealismo (ou, por intimidades directas, o subconsciente) pudesse ter um equivalente em forma de música, assim soam as transcendentes construções de Strawberry Jam, pejadas de excitantes alucinações, de sons quebradiços e ebulientes e de referências escapistas. Desta vez, porém, não obstante essa irreverência estética a que já chamaram neopsicadelismo estar intacta, o nervo melódico dos Animal Collective surge mais disperso (ou menos inspirado?) e, mesmo nunca caindo no conformismo, parece ser menos orientado do que em Feels. Seja isso sinal de uma passagem retrocedente ou sugestão de uma via alternativa, a incerteza melódica é o mais natural dos reflexos colaterais da cavalgante torrente criativa do quarteto. A diferença é que eles já a disfarçaram (ou domaram) bem melhor no passado.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

They Might Be Giants - The Else

5/10
Zoe Records
2007
www.theymightbegiants.com



De John Flansburgh e John Linnell não se espera música para tirar o mundo dos eixos, ou não andassem eles nestas proezas da música há cerca de um quarto de século e não tivessem, no decurso desse respeitável trajecto, desvendado todas as faces da música em que acreditam. Rebentos apartados da geração pós-grunge mais ou menos celebrizada pelas ondas mediáticas da MTV da década de noventa, os They Might Be Giants foram-se mantendo sucessivamente à margem da leveza estética e simplicidade estrutural dos seus pares geracionais, optando por conjugar os modelos indie pop mais ligeiros tão em voga na época com um sentido artístico mais refinado e uma dose sóbria de humorismo e ironia - pormenor pelo qual viriam a ser facilmente reconhecidos mais tarde. Nesse sentido, ainda que nunca tenham escrito um álbum verdadeiramente separador de águas (leia-se, livre de contaminações) em relação à leva de música ligeira dos 90's, assim não chegando a distanciar-se da vaga simplista do mainstream, os They Might Be Giants foram capazes de ciclicamente introduzir factores de revitalização do seu som e subliminares alterações de identidade.

The Else, décimo segundo tomo do cancioneiro do grupo, vem confirmar o entusiasmo tangencial (mas nunca escondido) de Flansburgh e Linnell pelas feições melódicas da pop de grande escala; e fá-lo à custa dos ingredientes dinâmicos e da imaginação de outros discos, escorregando para a previsibilidade estrutural e, consequentemente, para a monotonia. Declaradamente feito de canções lacónicas e partidárias de uma incómoda norma de pastiche dos momentos áureos da banda - ainda que reciclados para os padrões do mainstream corrente - The Else tem algum do aparato conveniente à pop moderna, mas fica bem aquém da exigência daqueles que esperam mais do que uma mera solução de continuidade.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

{F.E.V.E.R.} - 4st

7/10
Raging Planet
2007
www.myspace.com/feveronline



As palavras do press-release do disco de debute dos lisbonenses {F.E.V.E.R.} sugerem um rótulo para a música que eles subscrevem que, além de permitir um leque largo de especulações, é demonstrativo de uma postura inovadora que, em certa medida, encontra paralelo na música do quinteto. Rock SciFi experimental é a pomposa expressão com que eles se saíram para definir um registo sonoro híbrido (em toda a dimensão da palavra) e que, pela riqueza das texturas, obriga a dissecações por partes. 4st é, antes de mais, um disco rock sem remorso, mesmo que o discurso eléctrico das distorções nem sempre encontre porto firme e acabe vacilando numa gama intencionalmente incerta de tons, umas vezes mais abrasivo (a importar estruturas do metal mais ou menos galopante ou das disfunções de uns Deftones) - e aí o disco marca pontos decisivos - noutras mais próximo dos embalos melódicos (e de menor expressão) de uns Linkin Park. Depois, é também um álbum experimental porque as composições não receiam testar convivências e/ou contrastes entre matérias nem sempre miscíveis, seja no resvalo pop de um ou outro instante vocalizado, na integração de abstracções electrónicas que infiltram diferentes pulsações ou mesmo no freio induzido por ápices mais atmosféricos. Sobra ainda uma produção manifestamente a tentar os limites e a render a acústica "habitual" de um disco rock, envolvendo cada pormenor das composições na tal cosmética scifi, com vocais distorcidos, percussões trabalhadas, baixo grave e mosaicos electro de alcance hipnótico.

Com uma muito interessante sequência de construções e as transformações rítmicas e volubilidade estética necessárias para "prender" o ouvinte da primeira à última nota, apenas parece faltar a 4st uma escrita que melhor aproveite a profusão de (boas) ideias e que deixe de lado uma ou outra impureza cliché. Mas, para primeiro disco de uma das sumas revelações da música lusa dos últimos tempos, a coisa é bastante promissora.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Liars - Liars





Depois de um álbum (Drum's Not Dead, de 2006) marcado por um fio narrativo e uma lógica sequencial intrínseca ao formulismo dos discos conceptuais - facto algo descontextualizado do catálogo prévio dos Liars e que parecia desviá-los do destino que haviam anunciado nos registos anteriores - o quinteto nova-iorquino retoma uma passada mais "natural" e, com ela, reinventa a essência da sua identidade musical. Deixando de lado uma parte importante das vaidades e dos devaneios de grandiosidade estética que, a despeito da excelência do álbum, enchiam o antecessor, Liars mostra um colectivo à procura de arrumar o seu som numa encruzilhada entre o cada vez mais "seco" (por exaustão de ideias) manancial das várias escolas dance-punk (e respectivas derivações de segunda geração) e o desejo de arrumar essas referências e o código musical num registo mais consentâneo com as mentes despertas do novo século e a própria necessidade da banda de regenerar as suas energias. De resto, Drum's Not Dead terá sido, em si mesmo, uma etapa desse processo de reinvenção de padrões, sugerindo alguma da experimentação e do desprendimento formal que, agora, volvido um ano, deixa ecos nas texturas de Liars.

Nesse particular, o novo opus desvenda, por detrás de estruturas rítmicas simples, um acrescido compromisso de forma nas canções que, bem longe dos modelos convencionais, encontram aqui estruturas mais definidas, sem dispensarem o cardápio de ruídos e "anomalias" sonoras que habitavam, sem regra, os ambientes de Drum's Not Dead. E, pelo meio, há incontáveis importações de outros estilos, mais ou menos óbvias, com qualquer coisa da angularidade do art-rock, das reverberações abatidas do shoegaze e das gradações do krautrock. E, como é timbre dos Liars, os ingredientes para um desafio recheadíssimo estão todos cá, em mais uma clara demonstração de que eles estão no pelotão da frente do rock (?) contemporâneo, graças a uma incrível capacidade para dar um toque de qualidade (e inovação) a tudo o que escrevem. Vá-se lá saber onde é que eles vão parar depois desta surpresa rock...

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Luke Vibert - Chicago, Detroit, Redruth

6/10
Planet Mu
2007


Apesar das suas inúmeras personas artísticas - o rapaz também assina, entre outros pseudónimos, como Wagon Christ, Ace of Clubs, Spac Hand Luke, Plug, Kerrier District, Butler Kiev ou Amen Andrews - e da extensa discografia a elas associada, foi com o nome próprio que o britânico Luke Vibert se afirmou como protagonista maiúsculo do orbe electrónico. Tentado pelos diferentes ares da música sintética, Vibert leva quase duas décadas a disciplinar uma verve capaz de se expressar em estéticas várias, desde o drum'n'bass escolástico - de que foi um dos pioneiros mais relevantes - ao experimentalismo da música ambiental e às tendências correntes da culture club britânica. Chicago, Detroit, Redruth, quarto registo com a assinatura Luke Vibert, é mais uma achega para uma obra aberta a diversos estilos e subdivisões. De resto, é notória uma certa inconstância estrutural no alinhamento desta edição, daí derivando uma inferência de contraste: Chicago, Detroit, Redruth é álbum dinâmico e transversal às várias identidades estéticas de Vibert - e, também por isso, revela-se um disco pouco coeso e de linguagens com congruência incerta. E, embora a diversidade (ou fusão de identidades?) possa ser vista como factor galvanizante por muitos (inclusivamente, como motivo potenciador do surgimento de algumas pérolas como as superlativas "Rapperdacid", "Brain Rave" ou "Argument Fly") e seja, em rigor, um atestado das aptidões mutantes de Vibert, acaba por sair penalizada a harmonia do conjunto, na medida em que não chega a perceber-se uma causa unificadora.

domingo, 2 de setembro de 2007

Milanese - Adapt

7/10
Planet Mu
2007
www.mr-ion.com



Sendo umas das individualidades mais respeitadas do cada vez menos clandestino universo do grindcore do Reino Unido dos últimos anos, tem faltado a Steve Milanese um álbum que afirme categoricamente em disco as valências de um produto musical talhado para arrebatar os frequentadores dos clubes underground de Londres. Depois de um par de álbuns em que ficaram explícitas, ainda que com uma expressão diminuta, as electrónicas abrasivas que o produtor inglês professa esplendidamente ao vivo, algures entre as órbitas distorcidas do grime - com batidas ruidosas, vozes filtradas e ambientes sombrios - e a referência subliminar às envolvências mais "pacíficas" da revolução contemporânea do dubstep, Adapt recolhe algumas remisturas do anterior longa-duração (Extend, de 2005) e três peças novas. No fundo, este mini-álbum parece moldado à medida de um maior reconhecimento dos méritos de Milanese; ao lado da deliciosa tríade de originais - sem dúvida, a abrir o apetite para um próximo álbum - desfila um punhado de remixes de escol, coisas assinadas pelos conterrâneos Mark Bell (pioneiro da IDM sob o nome Clark), Nathan Jonson (o criador por detrás do conceito Hrdvision) e DJ Distance (produtor destacado da escola dubstep), entre outros. Bastante congruente e robusto na substância, Adapt desvenda alguns planos imagéticos menos conhecidos da música de Milanese e, sugerindo pontes para outras derivações estéticas (como, a título de exemplo, nas revisões breakcore sugeridas por Hrdvision e Clark ou, em ondas diferentes, a magnífica versão de DJ Distance para "Dead Man Walking"), estende decisivamente o virtuosismo das composições originais. E dá a Milanese um óptimo cartão de visita para mostrar a desconhecedores.