sábado, 26 de julho de 2014

Lana del Rey - Ultraviolence

7,0/10
Interscope, 2014

Embora seja repetidamente conotada com o simbolismo próprio dos ícones fabricados "à pressão" pelo orbe musical e tenha o seu nome submerso numa impressionante catadupa de informações erradas (e até mal intencionadas), é importante perceber que o percurso musical de Lana del Rey não foi uma coisa fortuita. Desde muito cedo, a jovem nova-iorquina soube pisar os caminhos certos para levar a sua música onde ela tinha que chegar, pouco importando se, atrás disso, tinha a fortuna pessoal dos pais (que alegadamente não lhe investiram um cêntimo na carreira) ou os benefícios óbvios da sua própria imagem. O coro de maledicentes sempre se pendurou mais nesses dois factos do que propriamente  em tentar perceber se o repentino mediatismo da cantora/compositora tinha substância. E tem sido conveniente a esse coro fazer de conta que, além da menina bonita e abastada, há um produto musical válido e consequente, com uma herança estética definida e muito longe da boçalidade que se fez padrão nos tempos modernos. Ela pode não ser a melhor cantora do mundo - não o é, seguramente... -, nem a mais expressiva performer em palco, mas corporiza uma proposta musical que merece mais do que a mera passagem de circunstância.

Agora que nos chega o terceiro registo (o segundo "oficial"), há poucos segredos por revelar na música de Lana del Rey. Ela romantiza a depressão em linguagens vintage elegantes e melódicas que remontam a eras clássicas da música; a produção de Dan Auerbach - o mentor dos Black Keys - sublinha a ambivalente (e, por isso, tão mais sedutora) vulnerabilidade de uma persona musical cuja singularidade alimenta dois públicos: detractores e fãs. Os primeiros descortinam nela uma fabricação, os segundos rendem-se. Em qualquer circunstância, percebia-se que, desde Born to Die (2012), estávamos em presença de uma figura que polarizaria atenções de todos os quadrantes e agitaria o mundo pop como poucos. Este Ultraviolence segue a peugada autobiográfica do antecessor e, uma vez ultrapassado o impacto primeiro do revestimento sonoro de Auerbach - que funciona melhor em algumas canções do que noutras -, se percebe que Del Rey está igual a si mesma. O compromisso com a melodia está lá, o glamour da fragilidade emocional também. A produção pode ser exagerada, aqui e ali, mas não desfigura o virtuosismo das composições. A inanidade do debate em volta da figura há-de prolongar-se no tempo e passar ao lado do essencial: as canções. E é de boas canções que se trata.

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segunda-feira, 21 de julho de 2014

sábado, 19 de julho de 2014

Buraka Som Sistema - Buraka

6,2/10
Enchufada/Universal, 2014

Não era difícil adivinhar que o colectivo Buraka Som Sistema se veria, num momento qualquer de um percurso de crescimento impressionante, a mãos com um debate filosófico (e até estético) entre a suburbanidade de origens radicadas  nas inúmeras derivações rítmicas da música africana e tropical para pistas de dança, e a tentação pelas sonoridades de escala maior que naturalmente emergiria. De um fenómeno alimentado por essas culturas de nicho até tornar-se marca global foi um curto passo, graças ao reconhecimento generalizado de uma criatividade que, perto do perigoso precipício da banalidade, soube sempre manter-se viva, irreverente e fresca, celebrando afinidades originais entre ritmos (o kuduro, pois claro, e o moombahton, o bondoro, o tuki, o kizomba ou o zouk bass, por exemplo) com o hedonismo próprio de malta que se quer divertir. Esse desprendimento formal era, de resto, um ponto de honra do grupo, não apenas como enquadramento estético, mas como rastilho oportuníssimo da explosão criativa de cada composição. Foi assim que tomaram de surpresa o orbe musical nacional, primeiro, e transbordaram rapidamente para o exterior, depois, na tal internacionalização que se tornou um desafio identitário.

É precisamente nesse contexto que nos chega Buraka, terceiro tomo de um percurso que cresceu até aos grandes festivais e, por isso mesmo, chegou a públicos cada vez maiores e a novas exigências. Desse inevitável redimensionamento, parece ter sobrado a acomodação do colectivo à consagração passada e, com ela, o risco do desleixo desenhava-se no horizonte. Desde o primeiro avanço ("Stoopid"), a léguas do impacto de outros, se prenunciava a estagnação criativa que o álbum veio confirmar. Parecendo mais um recalque mecânico dos antecessores (Komba (2011) à cabeça) do que propriamente um novo capítulo, o fulgor de Buraka esgota-se num ápice, como uma ideia gasta e sem a surpresa de outrora e, aqui e ali, com a simplicidade grosseira de criações em piloto automático ("Bumbum", "Vuvuzela (Carnaval)" ou "Van Damme" são gritantes exemplos). Restam meras sombras do portentoso motor de beats que nos lembrava a feição mais abrasiva da jungle (salva-se "Parede"), ao serviço da panóplia de influência rítmicas do grupo; a hipersensibilidade de levar as electrónicas a raiar a fúria descontrolada e sem perder o norte é  uma miragem. No final, por quererem fazer jus à originalidade que os colocou na linha da frente e ter um som que ninguém tem, os Buraka Som Sistema acabam por soar demais a si mesmos.

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