quinta-feira, 28 de outubro de 2004

Ausente por uns dias...

Antes de mais, aproveito este post para agradecer a todos os que tiveram a amabilidade de visitar este espaço. Espero que o tenham achado agradável e que regressem sempre que possível. Se quiserem deixar sugestões, críticas ou propostas de colaboração, sintam-se convidados a utilizar o meu e-mail.

Estarei ausente do Porto até a próxima quarta-feira e isso vai impedir-me de colocar novos artigos neste blog. De qualquer forma, prometo voltar e continuar a partilhar convosco as minhas opiniões.

Acrescento ainda que, como já repararam os mais atentos, os artigos deste blog são maioritariamente dedicados à música, a àrea com que estou mais ligado e à qual consigo aceder com mais prestidão. Espero, no futuro, contando com o contributo de eventuais interessados, alargar este espaço a outras manifestações de arte, com uma regularidade maior.

Por agora, é tudo. Desfrutem e comentem. Ou escrevam.
Obrigado.

Craig Armstrong - Piano Works (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Craig Armstrong é um célebre produtor escocês responsável por diversas bandas sonoras dos anos 90 e cujos trabalhos mais mediáticos estão ligados à produção dos U2, de Madonna, das Hole e das Spice Girls. Mais recentemente, esteve ligado às bandas sonoras de filmes de sucesso do realizador Baz Luhrmann, nomeadamente Romeo + Juliet (1998) e Moulin Rouge (2001).

Neste disco, as músicas são reduzidas à sua estrutura primária, o minimalismo é o denominador comum, o piano o instrumento único. O registo abdica da programação electrónica que acompanhava os trabalhos anteriores do escocês e atinge um nível de intimidade atraente, com fluidez e graciosidade, à base de notas vibrantes e puras, executadas com mestria. O ouvinte sente-se tomado por uma estranha letargia, ao longo de 19 faixas que percorrem temas antigos de Armstrong, aqui reduzidos a notas de piano, e temas originais escritos propositadamente para este trabalho.

Piano Works é definitivamente o trabalho mais maduro de Craig Armstrong, também por isso o mais exigente, o mais íntimo e profundo, um insólito acto solene de celebração da música.

Fernanda Abreu - Na Paz (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Depois de rescindir com a multinacional EMI e criar a sua própria etiqueta, a brasileira Fernanda Abreu embarcou no encargo de traçar uma asserção musical pela paz. O binómio paz/violência preenche o imaginário do disco, feito de sonoridades hodiernas, conjugadas com o mais castiço uso musical brasileiro. Segundo a autora, o intento é "desarmar os corações, os espíritos e as mãos".

O discurso positivo está presente no disco sem pieguices, é congruente e alicerça-se num sedutor andamento funk que sacode a ossatura e desperta consciências entorpecidas. Este registo é fresco, sedutor, ritmado. A produção é imaculada, produzindo um som cristalino e que traduz com primor a alma da intérprete. Fernanda Abreu é hoje um dos mais sólidos nomes da moderna música brasileira. A escutar...

Migala - La Increíble Aventura (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

O projecto experimental espanhol Migala, regressa com um som diferente dos seus primeiros trabalhos, quase sem voz, com faixas maioritariamente instrumentais.

Neste registo, perde-se uma banda de folk comatoso, com um pé no country e outro no slowcore e ganha-se um projecto com uma orientação mais rock, capaz de produzir canções como "Sonnenwende" ou "El Imperio del Mal".

Este La Increíble Aventura é a nova germinação do grupo, um renascimento para trilhos diversos, em busca de outros intentos, na procura da primazia artística. Trata-se de uma asseveração de vitalidade dos Migala, pela renovação dos conceitos, pela reciclagem da sua doutrina. O disco resulta funesto, sombrio, dramático mas muito vivo.

Os admiradores dos Migala ficarão surpreendidos pela perspectiva dissemelhante deste registo mas depressa se renderão à evidência de um trabalho com uma rara lucidez. Quem não conhece os Migala, terá uma agradável surpresa, um aconchego cortês para as inquietações.

Quinteto Tati - Exílio (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

O novo projecto de J.P. Simões e Pedro Costa, ambos ex-Belle Chase Hotel, apresenta um disco com sonoridades jazz, acolhendo influências da valsa, do bolero e da rumba. As letras, como sempre em português, são plenas de ironia.

A sua formação conta com instrumentos como o contrabaixo, o órgão, os saxofones, os trompetes e as flautas numa sonoridade nova, feita de melodias exuberantes e com algum glamour. O Quinteto Tati merece ser reconhecido como um dos melhores projectos musicais do momento em Portugal, pela incursão em novos géneros, pela irreprimida vontade de surpreender, pela natureza esmerada das suas composições e pelo requintado bom gosto musical.

Interpol - Antics (CD, 2004)

Apreciação final: 5/10

Este é o segundo trabalho de originais dos americanos Interpol, depois do bem sucedido Turn On The Bright Lights. Há aqui algo de Joy Division e de The Chameleons, ou mesmo dos The Cure, mas o trabalho não está à altura do seu predecessor, não há ensejo para expedições inovadoras. Ainda assim, o registo merece uma referência pela importação de ritmos dançáveis, um ingrediente novo no percurso dos Interpol.

O disco é outra jornada na maturação da banda, em busca do melhor som, calcorreando caminhos ignotos com irresolução. A produção é sensata, destaca a voz de Paul Banks, em oposto do primeiro disco da banda.

O preceito primordial é a perda do amor e a reflexão pragmática sobre a resignação à força intangível da vida. A frustração faz-se carisma e veste-se da música dos Interpol.

quarta-feira, 27 de outubro de 2004

Melvins & Lustmord - Pigs Of The Roman Empire (CD, 2004)

Apreciação final: 8/10

Os Melvins são uma referência incontornável da música rock, associados aos motins musicais oriundos de Seattle, especialmente pelas ligações com os extintos Nirvana, mormente com o carismático líder, Kurt Cobain. Mas essa referência peca por defeito. Os méritos dos Melvins vão muito além da onda grunge, a sua robustez inspiradora atinge imensos projectos musicais, diversos géneros e muitos admiradores.

Neste trabalho, juntaram-se a Lustmord, um diligente estudioso da electrónica ambiente, ligado a bandas sonoras de filmes independentes e com vários trabalhos editados na área do experimentalismo. A união não poderia ser mais feliz, as sinergias são elevadas ao extremo. Ao tom ácido, lento e hostil dos Melvins anexa-se a sinistra originalidade dos ambientes sonoros de Lustmord. O disco é uma obra-prima.

Quem espera encontrar um registo típico dos Melvins, desiluda-se. Aqui as músicas são munidas com uma envolvente lúgubre e assustadora, inteirada com doses puras de Melvins. As faixas prolongam-se indefinidamente, os ruídos apavorantes assaltam-nos a mente, o temor toma conta de nós, o medo vence as defesas. Este trabalho é um louvor dos medos, é mais do que Lustmord, é mais do que Melvins, é qualquer coisa maior, um clímax musical, um acto excelso de genialidade. Mesmo sem canções tradicionais, na estrutura refrão-verso, o disco arrebata-nos na primeira audição. A perícia da inovação, a astúcia da originalidade, a virgindade da invenção são o fito.

Um disco absolutamente indispensável, talvez o melhor do ano. Imperdível para os adeptos do modernismo e da originalidade suprema.

Marianne Faithful - Before The Poison (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Dois anos depois, Marianne Faithful regressa às edições em disco. Com uma carreira que fala por si, desta vez a cantora socorreu-se da colaboração de nomes ilustres. Do elenco de parceiros constam Beck, Billy Corgan, Nick Cave e P.J. Harvey.

Às letras miserabilistas e misantropas de Faithfull acresce o talento musical de composição dos seus distintos convidados. Os tons são monocórdicos mas configuram uma negra beleza sombria, que pontua o disco desde a primeira à última faixa do alinhamento. Gosto muito de "My Friends Have", co-escrita com Polly Jean Harvey, e que assenta como uma luva na voz roufenha e alheada de Marianne Faithful.

É um disco único, um assomo de criatividade que merece ser escutado com atenção. Recomendável, é claro.

Iron & Wine - Our Endless Numbered Days (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

O nome Sam Beam não dirá muito à maioria das pessoas. Nascido na Florida, foi um dia descoberto por alguém ligado à Sub Pop Records que o convidou a enviar o seu material para a editora. Daí ao lançamento de um disco foi um ápice. Assim foi feito o primeiro trabalho deste cantautor que adoptou o pseudónimo Iron & Wine.

Este Our Endless Numbered Days é o primeiro trabalho gravado no estúdio, já que o anterior se tinha baseado em gravações domésticas. Com esta mudança, a música de Sam Beam ganhou uma amplitude diferente, não perdendo a singeleza e intimidade. O som é mais limpo, locupletado por pequenas pitadas de uma produção pertinente e objectiva, que não desvirtua o sentido da música de Sam, que reside nas suas letras e na sua voz melódica e reflexiva.

Neste registo encontram-se semelhanças com os momentos mais melancólicos dos Palace ou dos Smog. As minhas preferidas são "On Your Wings", "Teeth In The Grass" (fantástica!) e "Sodom, South Georgia".

Quem gostou do primeiro trabalho de Iron & Wine, corre o risco de gostar ainda mais deste.

TGB (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

O projecto T.G.B. partiu da iniciativa do baterista Alexandre Frazão que, juntando a si a tuba de Sérgio Carolino e a guitarra de Mário Delgado, criou um conceito inovador na cena jazz portuguesa.

O invulgar posicionamento dos instrumentos na estrutura ritmíca das músicas, os timbres ajustados e o bom gosto e equilíbrio na escolha dos temas do alinhamento são a nota dominante deste trabalho. Os temas escolhidos percorrem o repertório dos músicos envolvidos mas também vão buscar alguns temas a outros compositores. Estão presentes o tema "Brilliant Corners" (T. Monk), "Un Poco Loco" (B. Powell), "Só" (J. Palma) e "Black Dog" (Led Zeppelin).

Este registo é um trabalho louvável, distingue-se da mediania e merece ser referenciado e escutado. Mesmo por quem não gosta de jazz. Para os apreciadores do género, facilmente se detectam semelhanças com Paul Motian Trio, John Zorn ou Tiny Bell Trio. Mas, sem reservas, vale a pena escutar T.G.B.

The (International) Noise Conspiracy - Armed Love (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

O quinteto sueco The (International) Noise Conspiracy é normalmente associado ao antagonismo de uma suposta civilização capitalista amorfa, um monstro anidiano que urge pelejar. Neste registo, essa filosofia mantém-se, mas o som é mais retro, influenciado pela propensão coetânea do rock alternativo. Saído directamente da garagem, com uma produção serena e inteligente, desviado do revivalismo punk dos seus trabalhos anteriores e fazendo lembrar, em dados momentos, os Jet, os Strokes, os The Hives ou os Division of Laura Lee, este Armed Love é um disco interessante.

O registo redunda num renque de temas atraentes e apresenta-se com firmeza e equilíbrio sonoro. O entretenimento do ouvinte está garantido, graças à sonoridade fresca da banda e aos temas facilmente apreensíveis. A ouvir, sem dúvida...

terça-feira, 26 de outubro de 2004

P.J. Harvey - Uh Huh Her (CD, 2004)

Apreciação final: 8/10

Quem não conhece Polly Jean? Quem não se apaixonou pela lisura e crueza do seu tom? Reconhecida como uma das compositoras mais proeminentes do nosso tempo, aderindo às causas do amor, do sexo, da religião, com humor negro, probidade e uma dose irreverente de teatralismo e independência, isso é P.J. Harvey.

Este é o sétimo trabalho da cantora e corresponde a mais uma etapa na sua metamorfose artística. O som é mais agreste, mais negro, mais profundo e intenso. Sem dúvida, um disco de paixões.

As guitarras pautam os ritmos lentos e depressivos, a percussão é minimalista e a produção destaca a voz profética de P.J. Harvey, sempre em discurso directo, atirando-nos verdades à cara com escárnio. O disco é uma surpresa incessante, a cada passagem de faixa o despertar para uma realidade díspar, numa dinâmica inspirada e criativa. P.J. está tão viva que quase se sente a sua pulsação na voz, na alma arrebatadora que deposita na guitarra.

Uh Huh Her vence-nos do primeiro ao último segundo. Não temos tempo para respirar, debitam-se protestos e declarações a um ritmo de moenda, arrasando os mais resistentes, masturbando-lhes a mente numa tortura suave, em preliminares onanistas que atraem um orgasmo portentoso. Polly Jean é isso mesmo. Uma violenta cortesia sexy que nos enraivece, primeiro, e nos comove brutalmente, depois, em assomos de delirante prazer. Uh Huh Her é quase perfeito.

Xiu Xiu - Fabulous Muscles (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Os Xiu Xiu são desconhecidos para a maioria das pessoas mas têm já um trajecto reconhecido nos circuitos mais independentes. Talvez este disco seja o mais aberto deste quarteto americano, normalmente associado a trabalhos de digestão penosa, com misturas saudáveis de rock experimental com sintetizadores e sons graciosamente corrompidos.

Em Fabulous Muscles, o tom é dado pela voz distorcida abafada por ruídos esquivos, assente numa produção elaborada. O trabalho não é de audição fácil mas é tão imaginativo na busca de objectivos artísticos mais altos que merece uma menção. Adoro "Crank Heart" e "Clowne Towne".

O mundo dos Xiu Xiu não é um lugar onde se vá todos os dias, é um universo feito de medos, de humor negro, de sexo, de violência, de sadismo, mas é fascinante cruzar tudo isso com uma fina composição orgânica de música electrónica, com laivos de experimentalismo.

Elysian Fields - Dreams That Breathe Your Name (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

O canto tentador de Jennifer Charles aduba o rock negro do projecto Elysian Fields. Um som delgado, tão desataviado que nos toca directamente os sentidos, nos toma sem cautelas e nos espezinha. O apelo a estampas sombrias e a mentes depressivas é um ensaio que persevera. O tom é cru, é dark e faz lembrar, aqui e ali, os Portishead ou os Mazzy Star. Trata-se de um trabalho com uma harmonia assinalável, o denominador comum das treze faixas do alinhamento. É impossível ficar apático aos dois primeiros temas do disco: "Stop The Sun" e "Baby Get Lost". Pena é que o resto do disco, embora conservando nível bom, não esteja na mesma linha. É um disco que nos corteja, deixemo-nos levar e que o amor negro dos Elysian Fields faça o resto.

Feist - Let It Die (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Leslie Feist é o seu nome de baptismo. Percorreu mundos desconhecidos, no underground do indie, até ser convidada a seguir em digressão com Peaches. Depois disso, colaborou com os Ocean Colour Scene, conseguindo uma notoriedade que a fez pensar numa carreira a solo. Este é o seu segundo trabalho, uma combinação presumida de folk, bossa nova,indie rock e ambientes jazz. Este disco é um pequeno tesouro escondido, uma aventura excitante, um desafio ao ouvinte para recolher ao desvão da alma e para lhe escutar os mistérios. Uma voz lídima de menina, o bom gosto avocado, as melodias originais castas e imaculadas, algumas versões esmeradas e momentos de prazer prometidos. Este é o compromisso de Let It Die.

The Vandals - Hollywood Potato Chip (CD, 2004)

Apreciação final: 3/10

Os The Vandals são veteranos do punk. Com mais de uma década de existência e várias mudanças no elenco da banda, apresentam Hollywood Potato Chip com a mesma irreverência de sempre. A sátira está permanentemente presente, num constante vandalismo irrequieto da sociedade, da sua moral, dos seus valores e costumes. Muita atitude positiva, sardonismo q.b. e divertimento são os conceitos dos The Vandals. A música segue os trâmites da escola punk: guitarras lancinantes, batidas velozes e estruturas de acordes rudimentares. O momento mais alto do disco é a improvável versão de "Don't Stop Me Now", dos Queen.

Ministry - Houses Of The Molé (CD, 2004)

Apreciação final: 5/10

O disco abre com uma desconstrução de Carmina Burana e segue num registo do mais puro metal industrial agressivo, acelerado, retumbante e absorvente. O som dos Ministry é tudo menos comercial, é demasiado intenso e abrasivo para ser vulgarizado. Há aqui vestígios de gótico, de death e de speed metal. Acrescente-se-lhe o uso de samples e de sintetizadores e o conceito base está atingido. Determinados momentos do disco, como a faixa "Waiting", relembram-nos os míticos White Zombie ou os Type O Negative.

O carisma do vocalista Al Jourgensen é regenerado, na construção de uma poderosa cadeia de máquinas diabólicas de demolição que compoêm este Houses of the Molé. A fórmula é simples: guitarras poderosas, percussões determinadas e a voz ácida de Jourgensen. O senão do disco é a monotonia da sua estrutura melódica, não há espaço para a inovação, a criatividade aqui tornou-se apatia.

segunda-feira, 25 de outubro de 2004

Violent Femmes - Viva Wisconsin (CD, 1999)

Apreciação final: 6/10

Os Violent Femmes foram uma das vozes mais activas dos anos oitenta e noventa, captando a essência das frustrações juvenis, da sua fúria e da insistente luta contra a corrupção do sistema. Neste registo ao vivo, gravado durante uma tournée de uma semana, em 1988, na sua terra natal, a banda regista os seus principais êxitos e temas menos conhecidos, no formato guitarra-baixo-bateria que tão bem celebrizaram. As músicas escolhidas para este alinhamento são variadas e dão uma prova da versatilidade dos Violent Femmes. Não faltam os grandes clássicos do grupo como "Blister In The Sun", "Gone Daddy Gone" ou "Kiss Off".

A amena alienação é a palavra de ordem, o fio de prumo arrepiante que marcou a carreira desta banda. Este trabalho é um must para os seguidores dos Violent Femmes e um apropriado cartão de visita para quem não os conhece.

Paula Rêgo - Samurai (Quadro)



clique na imagem para ampliar



Aproveito o pretexto da exposição que está neste momento patente no Museu de Serralves, no Porto, sobre a obra de Paula Rêgo para aqui trazer um dos quadros que mais aprecio da pintora portuguesa. As cores expressivas, a contextualização das figuras, a acção estática num espontâneo devaneio de figuras rocambolescas.

Espero muito em breve ter a oportunidade de visitar a exposição de que falei e, caso o faça, aqui deixarei o meu testemunho.

Pluto - Bom Dia (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

Chama-se Pluto e é o novo projecto dos ex-Ornatos Violeta, Manuel Cruz e Peixe. A eles se juntaram o baterista Ruka e o baixista Eduardo. Bom Dia! é o álbum de estreia.

São inevitáveis os cotejos com os Ornatos Violeta, embora os Pluto cobicem a conquista de um espaço próprio. Mas serão eles legatários justos da herança dos Ornatos? A questão não tem réplica consensual, as opiniões facilmente se desavêm. Na minha opinião, o formato dos Ornatos era mais cortês e extensível. Em Bom Dia!o tecido é eléctrico, tão menos versátil quanto mais alinhado. Acredito que que esta demissão do som dos Ornatos Violeta terá sido intencional e considero-a atinada na demarcação deste novo projecto das suas raízes ilustres.

O desfecho é um trabalho de consumo difícil, carece de algumas audições até se desvelar a sua simples essência. Concluída essa paciente tarefa, descobre-se um disco criativo e enredado mas sedutor. Ouçam-no sem pensar nos Ornatos Violeta. Pluto é outra coisa. Pluto é mais rock. E é bom.

domingo, 24 de outubro de 2004

Paula Morelenbaum - Berimbaum (CD, 2004)

Apreciação final: 8/10

Depois de integrar o Quarteto Jobim - Morelenbaum e, mais recentemente, o trio Morelenbaum/Sakamoto, a cantora brasileira Paula Morelenbaum apresenta o seu mais recente trabalho, inteiramente dedicado à obra de Vinicius de Moraes, convertida aqui à concepção musical contemporânea. Trata-se do segundo trabalho a solo de Paula Morelenbaum e vem comprovar, se é que havia dúvidas, que a cantora é uma das principais embaixadoras da nova MPB e da Bossa Nova. Neste disco, Paula conta com a colaboração do pianista António Pinto, aclamado pelas bandas sonoras de "A Cidade de Deus" e "Central do Brasl" e, entre outros, dos Bossacucanova.

O renovado tempero conferido a músicas tão ilustres, dá-lhes um frescor original e um novo viço, num tributo moderno que merecem. A linha de sonho faz-nos recordar Bebel Gilberto e a voz doce de Paula, conjugada com o seu invulgar talento, produzem um notável registo, de fusão do acústico intimista e solitário da Bossa Nova com a electrónica do lounge vanguardista. O alinhamento contempla os grandes clássicos de Vinicius, como "Tomara" e "Medo de Amar" (Vinicius), "Insensatez" (Vinicius/Jobim), "Berimbau" (Vinicius/B. Powell), "Desalento" (Vinicius/C. Buarque) e "Primavera" (C. Lyra). Destaco especialmente a versão de "Canto de Ossanha", com uma cadência inquieta e que, sem melindrar a genialidade do tema, o moderniza com a erudição de uma produção atilada.

É impossível ficar indiferente a Berimbaum, os seus ritmos entusiásticos que pontuam a recordação de grandes canções, transportam-nos a joviais ambientes de relaxe e prazer sensório. Totalmente recomendável, é claro...

Bullet - Torch Songs For Secret Agents (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

O espião russo Vladimir Orlov, treinado pelo KGB, parte em viagem de férias pela América Latina e pelo Oriente. É este o mote do novel trabalho dos Bullet, depois do sucesso com The Lost Tapes. Armando Teixeira (também associado ao projecto Balla), o mentor dos Bullet, traz a si a colaboração de Kalaf, Flapi, Paulo Furtado (Wray Gun e Legendary Tiger Man), Lili (Ballerina) e Dj Nel'Assassin (Micro).

O género musical deste trabalho é enigmático: coloquem-lhe alternativamente ou em conjunto um destes rótulos: música urbana, electrónica, nu-jazz, drum'n'bass, hip hop, dub, broken beat, world music, experimental, pós-rock. Torch Songs For Secret Agents é isso tudo.

Este trabalho assemelha-se à banda sonora de um universo de agentes secretos, destinada a povoar os ambientes sonoros dos filmes de espionagem dos anos 70, com muita sensualidade e um porte possante. Se The Lost Tapes me tinha maravilhado e me seguiu no leitor de cd's durante algum tempo, este Torch Songs For Secret Agents não lhe fica atrás e é mais um passo do projecto Bullet numa senda de proventos artísticos. Quem não conhece, ainda não sabe o que perde...

J.J. Cale - To Tulsa And Back (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Falar de J.J. Cale é discursar sobre blues e folk. As raízes poeirentas da música tradicional americana prendem a música de J.J. a um formato que o trovador não rejeita, antes abraça com solenidade e acolhe com mestria. Na sua primeira gravação em oito anos, a espinha dorsal mantém-se e acresce-lhe o contributo vanguardista da tecnologia. Os sintetizadores, as batidas artificiais e o recurso a instrumentos pouco presentes na carreira de J.J. Cale são exactamente o problema deste disco, parecem desunidos da voz do autor, dos sons esparsos da sua StratoCaster e da feição das canções. Todavia, os prejuízos não são insupríveis, o toque de Cale está presente, distingue-se das falhas do disco e sobressai, com esforço, para detecção do ouvido mais sagaz. As melhores faixas do disco, que traduzem a doutrina indelével de J.J., são as que mereceram menos produção, como "Stone River" ou "My Gal".

O registo é despretensioso e versátil, mas não é o melhor trabalho de Jean Jacques Cale. Quem se lembra de "Cocaine" e "After Midnight", canções que Eric Clapton trouxe à glória, não ficará saciado com este disco. Mas também não se arrependerá de o escutar. Ouvindo To Tulsa And Back percebe-se o porquê de J.J. Cale, apesar de se manter resguardado na silhueta de Clapton ou Knopfler, lhes servir de inspiração há mais de 30 anos.

X-Wife - Feeding The Machine (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Depois da impressão positiva que deixaram com o EP Rockin'Rio/Eno/We Are, os X-Wife buscam a afirmação definitiva no panorama da moderna música nacional. Abraçando com convicção o objectivo de renovação do rock'n'roll, os X-Wife são, já hoje, a face mais visível de um movimento New Wave em Portugal. Este Feeding The Machine dá provas do talento do grupo, digno de encómios semelhantes aos que são tributados às suas principais referências, os Radio 4 ou os The Rapture.

A estética madura e a coesão deste trabalho são a nota dominante. Algumas excelentes canções, cheias de irreverência e energia, uma produção irrepreensível e uma personalidade que transborda a caixa do cd são traços indiscutíveis dos X-Wife.

A ex-mulher merece uma segunda oportunidade.

Pearl Jam - At Benaroya Hall (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

Mais um disco ao vivo dos Pearl Jam. Neste, o pretexto foi uma actuação no Benaroya Hall, com fins caritativos, em 22 de Outubro de 2003. A novidade reside no formato acústico do alinhamento, reunindo alguns temas pouco habituais, canções não editadas em álbum, raridades ao vivo e versões, como por exemplo, "Masters of War" (Bob Dylan), "25 Minutes To Go" (Shel Silverstein) e "Crazy Mary" (Victoria Williams).

O registo não é especialmente insigne, embora se demarque da quantidade desmedida de títulos ao vivo editados pelos Pearl Jam. O óbice reside no formato acústico, definitivamente não é a melhor opção para alguns dos temas escolhidos. Além disso, dois demorados cd's acústicos, acabam por tornar as faixas enfadonhas. Porém, os admiradores da banda de Seattle não ficarão desapontados com este trabalho.

Two Lone Swordsmen - From The Double Gone Chapel (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Dimanados da mente de Andrew Wetherall, em colaboração com Keith Tenniswood, os Two Lone Swordsmen são um projecto musical londrino, associado à música electrónica e experimental. A receita é uma síntese de electro-funk com elementos electrónicos singelos. Com um percurso que conta já com oito anos, o duo londino regressa com From The Double Gone Chapel, após quatro anos sem edição de um trabalho de originais.

Neste disco, a fusão entre a electrónica e o rock é pacífica, soa a retro e expressa bem a versátil palette de argumentos que o grupo tem para apresentar. O som é cru e denso, as texturas são suficientemente variáveis para este disco merecer apreciações respeitosas. Aprecio especialmente a faixa "Formica Fuego".

Quem já conhece este projecto não será decepcionado com este disco. Os desconhecedores dos Two Lone Swordsmen podem optar por este trabalho como cartão de visita.

sexta-feira, 22 de outubro de 2004

Björk - Medúlla (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Björk está de regresso. Só esta frase seria bastante para motivar sobressaltos inopinados à inumerável legião de sequazes da cantora islandesa. O percurso da cantora fala por si, o inconformismo e a incessante superação de si mesma são a meta. Neste trabalho, a produção é absolutamente faustosa, mesmo arrebatada, centrada na voz da cantora islandesa. Nada aqui é pautado pelo mainstream, o álbum é maioritariamente composto por vocalizações, arrastando Björk para exigências não antes previstas. O instrumento primaz é a voz, Björk maneja-a habilmente, tentando docemente o ouvinte de Medúlla, mostrando-lhe a medula da canção, o tutano cândido da música, a voz.

Por entre os catorze temas do disco, existem alguns cantados em islandês, um idioma que encaixa na feição musical de Björk e no conceito basilar de Medúlla. A lista de convidados é de luxo e inclui Mike Patton e Robert Wyatt, os programadores Matmos, Mark Bell e Mark Stent, e os beatboxers Rahzel e Dokaka.

Este é o disco mais intimo da cantora islandesa, o seu brado doce, cálido e sensual viola-nos os tímpanos com uma pujança inata, espia as fraquezas da mente e reduz-nos ao encargo ambivalente de reclusos livres. Não é um disco imediato, o seu enlevo reside na descoberta da musicalidade intáctil da voz, na essência estreme do canto, no perfume do éter extasiante de Björk.

Salvador Dali - A Persistência da Memória (Quadro, 1931)



Salvador Dali é um dos meus pintores preferidos. A insana perfeição dos seus quadros, a alusão ao sonhos e às utopias tocam-me particularmente. Este A Persistência Da Memória é inconfundível. Relógios sólidos amolecem e tornam-se frágeis, representam a decadência do tempo, outro relógio, este de ouro, atrai formigas, imagem corrente da decadência na obra de Dali, compondo uma ilusão paralizante do olhar, uma encenação da confusão para o descrédito completo da realidade, afinal, o objecto último do surrealismo. Mas a realidade também está presente: os penhascos amarelados ao fundo do quadro representam, supostamente, a costa da sua terra natal, a Catalunha.

Esta pintura é deliciosamente louca. Como o próprio Dali uma vez afirmou, "a diferença entre mim e um louco é que eu não sou louco".

Radio 4 - Stealing Of A Nation (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

Os Radio 4 caracterizam-se por baralhar riffs de guitarra com batidas dançáveis. Depois do sucesso mediático de Gotham! (2002), regressam com Stealing Of A Nation. O título anuncia uma espécie de manifesto contra a corrupção do sistema, uma mensagem de peleja às injustiças. O propósito era positivo, o desfecho ficou aquém.

Quando se faz uso do púlpito da polémica para agitar as massas populares, há que persuadi-las a aderir à causa, seduzindo-as com melodias cantáveis. E isso não é inteiramente conseguido. O disco tem algumas melodias interessantes, contudo o trabalho de produção é um auto-plágio contínuo, trazendo o disco a um registo monocórdico que acaba por tornar as faixas insipientes. Ainda assim, o disco é apelativo, mas apenas se esquecermos o passado dos Radio 4. Se o mantivermos na lembrança, este Stealing Of A Nation é uma pequena desilusão.

Zélia Duncan - Eu Me Transformo Em Outras (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Depois do sucesso de Sortimento, a cantora brasileira Zéla Duncan decidiu prestar um tributo a algumas das músicas da sua vida, recolhendo duas dezenas de temas, num disco que a autora caracteriza como um "grito de liberdade".

Sem originais de sua autoria, a voz grave e suave de Zélia surge em músicas de Dorival Caymmi ("Sábado em Copacabana"), Cartola ("Disfarça e Chora"), Pixinguinha ("Fala Baixinho") e Simone("Jura Secreta"), entre outros. A versatilidade da cantora fica bem patente neste trabalho, em que Zélia Duncan se desdobra noutros estilos musicais, em músicas que fizeram a MPB dos anos 30 e 40. Eu Me Transformo Em Outras é um verdadeiro exercício de virtuosismo musical e vocal, provando que Zélia Duncan é um dos valores mais seguros da nova música brasileira.

quinta-feira, 21 de outubro de 2004

Thievery Corporation - The Outernational Sound (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

Há muito que os Thievery Corporation conquistaram um lugar distinto no seio da música electrónica. Neste disco, escolheram 20 faixas, do reggae, ao R&B e ao jazz antigo, remisturaram-nas e deram-lhes uma nova roupagem, criando pedaços de dub onde seria menos provável descobri-los. Nessa acepção, o trabalho é surpreendente. Os temas seleccionados combinam razoavelmente bem, as mais das vezes recorrendo a passagens nem sempre au-point. Mesmo assim, o disco mantém uma dinâmica graciosa e manifesta, com laconismo, o som groovy que os Thievery Corporation têm para oferecer.

Nesta recolha estão presentes temas de Boozoo Bajou, Crazy Penis, Karminsky Experience e Bobby Hughes, entre outros. Uma referência ainda para a inclusão da versão do clássico dos próprios Thievery "The Richest Man In Babylon", a cargo de G-Corp.

Este não é o melhor trabalho da dupla americana mas atesta o seu requintado gosto musical e não desiludirá os séquitos de Rob Garza e Eric Hilton.

Mark Knopfler - Shangri-La (CD, 2044)

Apreciação final: 7/10

O vocalista dos Dire Straits volta a aventurar-se nos discos a solo. Depois de Ragpicker's Dream, chega-nos este Shangri-La, o seu quarto trabalho sem os Dire Straits. O terreno que Mark pisa é familiar, embora haja um cortês assomo às sonoridades country e aos blues.

O músico esteve afastado das guitarras durante sete meses, depois de um acidente motorizado, mas esse facto não parece ter-lhe adulterado a criatividade e a perícia na execução. As suas insígnias únicas estão presentes e, neste registo, Mark Knopfler compôs algumas das suas melhores canções. Uma referência para a rústica "The Trawlerman's Song" e a arrojada "Song For Sonny Liston".

A expressão Shangri-La foi adoptada pelo escritor James Hilton no livro The Lost Horizon, dando nome a um país imaginário, algures nos Himalaias, com o significado de "paraíso na Terra", um suposto lugar de harmonia, ventura e júbilo. Se Mark Knopfler busca o tal lugar idílico, com este disco, leva-nos numa serena viagem à procura da Shangri-La.

João Gilberto - In Tokyo (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

João Gilberto é um dos nomes incontornáveis da música brasileira. Deixá-lo a sós num palco, na companhia da sua guitarra e ouvi-lo tocar alguns clássicos da sua carreira e da bossa nova é privilégio raro. Esse é o propósito deste disco, servindo-se de actuações ao vivo d' O Mito - como é conhecido no Brasil - em terras nipónicas.

Baiano de nascimento, João Gilberto começou a tocar guitarra aos catorze anos, teve uma mocidade buliçosa e um começo de carreira titubeante. Hoje, é um dos principais ícones da bossa nova, tendo colaborado com as principais figuras da música brasileira, embora não se abeirando dos façanhas comerciais dos seus parceiros. Ainda assim, o estatuto de João Gilberto é inabalável e afiança-lhe um lugar na história da música mundial.


Neste registo, ao longo de 15 faixas, o músico tem uma performance notável, comemorando temas de sua autoria e adoptando clássicos como "Doralice" e "Rosa Morena"(Caymmi), "Wave" e "Este Seu Olhar"(Jobim). O disco é quente e familiar, tal como soam os acordes que vestem a voz de João Gilberto.

The Album Leaf - One Day I'll Be On Time (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

O projecto solitário e intimista de Jimmy LaValle (guitarrista dos Tristeza) é um alvitre tentador. Este talentoso músico foi já convidado a realizar algumas primeiras partes dos Sigur Rós. Neste álbum instrumental, com recurso a sons ambiente e ruídos pré-gravação, Jimmy cria um disco coeso, muito próximo do ouvinte, fabricando a ilusão de que as faixas são interpretadas, em tempo real, na divisão da casa em que as escutamos.

Gosto especialmente das faixas "The MP" e "The Audio Pool", que me fazem lembrar os firmamentos etéreos dos Godspeed You Black Emperor! ou dos Mogwai, embora com uma composição mais rígida. Escutar One Day I'll Be On Time é tomar o pulso à música em cada um de nós.

d3ö - 8 Tracks On Red (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

Os d3ö são um trio português, liderado pelo ex-Tédio Boys, Toni Fortuna. Se a alusão a este antigo projecto não diz muito à maior parte das pessoas, convirá acrescentar que os Boys conseguiram um relativo êxito além fronteiras, especialmente junto de algumas fatias do público norte-americano.

Neste 8 Tracks On Red, o registo está um pouco mudado. A proposta ajusta-se num rock descomprometido, tão afiladamente livre que parece clandestino, assente em guitarras cruas e numa produção minimalista de garagem. O desfecho é bastante curioso, trazendo à memória lembranças dos The Clash, dos Television ou dos Violent Femmes. Sem hesitações, vale a pena escutar respeitosamente este trabalho e aguardar pacientemente por outros desenvolvimentos deste conceito prometedor...

Soulwax - Any Minute Now (CD, 2004)

Apreciação final: 8/10

A mais recente edição deste projecto belga, depois do êxito de 2 Many Dj's, é um aprazível donativo aos apreciadores de música, credor do estatuto de um dos melhores registos deste ano. O álbum tem um conceito vincado de identidade, assente numa produção de excelência e numa consistência intuitiva, abraçando sonoridades diversificadas, ao ponto de ser embaraçoso classificá-lo num determinado estilo musical. Trata-se de um trabalho onde coexistem o rock, o alternativo, a electrónica e a dança, cruzados com uma destreza ímpar, outorgando aos Soulwax um realce merecido. Sou particularmente adepto dos dois primeiros temas do disco, "E-Talking" e "Any Minute Now", mas o alinhamento é bastante sólido e cativante, numa linha de rumo que, por vacilar entre géneros distintos, agrada a vários públicos.

Com este trabalho, os Soulwax engrandeceram as expectativas em relação aos seus desempenhos sobrevenientes e aderiram a uma casta de qualidade igualmente restrita e exigente. Nada será igual para eles, depois deste disco. E nada fica na mesma para o ouvinte, depois de escutar Any Minute Now.

quarta-feira, 20 de outubro de 2004

Billy Bragg & Wilco - Mermaid Avenue (CD, 1998)

Apreciação final: 7/10

Woody Guthrie foi um dos mais importantes nomes da folk americana da segunda metade do século XX. Compôs centenas de canções e ficou especialmente célebre o tema "Tom Joad", inspirado em As Vinhas da Ira, de Steinbeck.

Quando a sua sobrinha desafiou, em simultâneo, Billy Bragg, um cantautor britânico e os Wilco, projecto ascendente do movimento indie, a musicar letras do seu tio, não aguardaria um desfecho tão sedutor. As sessões de gravação foram fecundas e o seu espírito foi vertido neste Mermaid Avenue.

Das quinze faixas do álbum, oito são escritas por Bragg, aquelas que melhor se encaixam nas letras de Guthrie. O contributo dos Wilco, não sendo desalinhado, dá origem a canções que custosamente se imaginam na guitarra e voz de Woody Guthrie.

Em suma, o disco perfaz uma homenagem íntegra ao espírito antiestético e idealista de Guthrie, provando que os seus axiomas musicais continuam vivos.

El Greco - Laocoön (Quadro)

clique na imagem para ampliar

Embora não me considere um conhecedor profundo sobre a nobre arte da pintura, não poderia deixar de abrir este espaço a algumas sugestões de quadros que considero, independentemente da avaliação artística que me abstenho de fazer, artefactos distintos e dignos de uma menção.

Escolhi Laocoön, um óleo de El Greco (Domenikos Theotokopoulos), pintor grego do final do século XVI (1541-1614). Devo confessar que, de entre dezenas de quadros que me encantam, optei quase aleatoriamente por este. Outros merecerão igual referência por aqui.

Este quadro representa o assassinato de Laocoön e seus filhos, rendidos a duas serpentes da deusa Minerva (nome romano de Atena). Segundo as referências mitológicas, o troiano Laocoön, quando confrontado com o cavalo de Tróia, construído pelos gregos e suposto uma oferenda à divindade, arremessou uma lança ao gigante objecto de madeira. Esse acto enraiveceu a deusa da sabedoria e levou-a ao acto de vingança que inspirou esta pintura.

terça-feira, 19 de outubro de 2004

O Mundo A Seus Pés - Citizen Kane (Filme, 1941)

Apreciação final: 9/10

Considerado por muitos como a suprema película da história do cinema, este filme do controverso Orson Welles, retrata a história mágica de um magnata apaixonado pelo jornalismo, em busca do amor genuíno. Trazida à ribalta em 1941, a fita mereceu 9 nomeações da Academia de Hollywood, sendo apenas agraciada com uma estatueta, a de Melhor Argumento Original.

À procura do significado da última palavra do milionário Kane, um repórter remexe o passado do excêntrico homem, consultando aqueles que melhor o conheciam. Os relatos de cada um são pedaços de um puzzle feito de memórias, flashbacks que destapam a vida de Kane, sem decifrar o enigma original. A densidade psicológica da história, em torno da impressão carismática de Charles Foster Kane, é uma constante, impelindo o espectador a comprometer-se no enredo, sentindo-se parte de uma enternecedora narração, um fiel ensaio sobre o amor e a solidão.

Com este filme, Orson Welles ousou quebrar as regras do cinema, introduzindo a descontinuidade temporal da narrativa. Citizen Kane merece ser elevado ao altar das obras supremas do cinema. A prodigiosa extravagância na montagem da película, no desenvolvimento da história, na estruturação das personagens, na cenografia e no guião conferem a este filme um estatuto ímpar na história da sétima arte.

A Vila (Filme, 2004)

Apreciação final: 5/10

Uma pequena comunidade rústica do século XIX, cercada por bosques guardados por criaturas assombrosas, é o mote para o novo filme de M. Night Shyamalan. A apimentar o suspense, o incomum compromisso dos camponeses de não entrar nas terras da floresta, votando-se a si mesmos a um isolamento voluntário. Quando Lucius Hunt (Joaquin Phoenix), um jovem temerário da aldeia, decide quebrar essa regra, em busca de medicamentos, o antigo pacto é adulterado, pondo em risco o porvir da pitoresca comunidade. E à medida que os factos se precipitam, verdades ignoradas são reveladas...

Shyamalan tornou-se instantaneamente um realizador de culto, graças à originalidade dos seus argumentos e aos inopinados finais dos seus filmes. Foi assim que com O Sexto Sentido (1999) - hoje reconhecido como uma obra-prima do suspense e o seu melhor filme - firmou o seu cunho no cinema. A esse, seguiram-se O Protegido (2002), assente num enredo inteligente, e Sinais (2002), uma incursão ao fantasioso tema da vida alienígena. Em A Vila, o argumento é bem ideado e encadeado, sendo-lhe somada com perícia uma sensação de temor que captura o espectador. A dinâmica do filme é hábil, traçando uma insistente linha de sobressalto que permanece até perto do fim da película. Todavia, as expectativas são goradas por um final não tão inesperado e, mais do que isso, perfeitamente inverosímil. Se nos filmes anteriores de Shyamalan, ao discernimento de uma boa história se juntava uma dose astuta de realismo, em A Vila tal não sucede. O termo do filme, afinal uma das facetas mais consistentes da curta carreira do realizador/produtor/argumentista, é uma desilusão. O espectador é aliciado, puxado para um clímax que não sobrevem: a decepção medra.

Ainda assim, uma anotação de destaque para a exímia interpretação de Bryce Dallas Howard (Ivy Walker) e para o ameno tresvario da personagem de Adrien Brody (Noah Percy), sem esquecer os consagrados William Hurt (Edward Walker), Joaquin Phoenix (Lucius Hunt) e Sigourney Weaver (Alice Hunt). Os cenários são completos e minuciosos mas a fotografia poderia ser melhorada.

segunda-feira, 18 de outubro de 2004

Mário Vargas Llosa - A Festa do Chibo (Livro, 2000)

Avaliação final: 8/10

Neste livro, o escritor peruano recobra uma tradição da literatura da América Latina, a do romance sobre o despotismo, retratando a situação política da República Dominicana dos anos 60 e o conluio urdido para assassinar o tirano Rafael Trujillo, morto em 1961.

O inegável talento de Mário Vargas Llosa desponta a cada linha, a tensão está invariavelmente presente, as descrições são quase tangíveis e denunciam as motivações humanas dissimuladas por detrás dos factos históricos. Uma governação tenaz e implacável, apoiada pelos E.U.A., sob o presságio do espectro comunista, a viragem no amparo americano, a frustração política ulterior e a espiral de vexame e perseguição sobre os seus séquitos, foram as faces torpes do chibo, as caras da ditadura de Trujillo. Llosa propõe-nos o relato do último ciclo do regime, do decaimento derradeiro.

O romance converte-se num testemunho poderoso das contendas, das tensões, dos símbolos históricos - aqui expostos com minúcia e densidade psicológica - e arroga-se como um dos melhores livros deste autor. Mais do que uma reflexão política sobre o despotismo exacerbado e respectivas deformações sociais e históricas, trata-se de um exímio documento literário, merecedor de justos encómios, de um dos melhores escritores do nosso tempo.

Stomp - Out Loud (DVD, 1999)

Apreciação final: 8/10


Valendo-me do pretexto das próximas actuações dos Stomp em Portugal, peguei neste DVD e coloquei-o no leitor. Não tinha deslembrado a excelência dos Stomp, apenas queria recordar os impulsos de arroubo que preenchem as quimeras de quem assiste a um espectáculo deste colectivo de músicos/dançarinos.

Para quem não conhece, a fórmula é singela: tornar música o som de objectos banais e rematar esses ruídos numa coreografia flamante. Neste DVD, além de trechos de uma actuação especialmente preparada para gravação, uma nota de destaque para a inclusão, pela primeira vez em vídeo, do inovador mini-filme Brooms, nomeado, em 1996, para o Óscar e para a Palma de Ouro de Cannes (Curta-Metragem).

Os Stomp são uma combinação explosiva de música, dança, ritmo e teatralização. Neste registo, a originalidade é um ensinamento, o resultado é memorável. Os Stomp recorrem aos mais vulgares sons do quotidiano (vassouras, contentores de lixo, bolas de basket, facas de cozinha) e produzem a mais energética e surpreendente extravagância musical.

Ben Harper & The Blind Boys Of Alabama - There Will Be A Light (CD, 2004)

Apreciação final: 7/10

O convívio de Ben Harper com os Blind Boys of Alabama tem já alguns anos e foi marcado pela participação mútua em concertos e digressões. Em Agosto de 2004, o músico aceitou o convite para se juntar aos Blind Boys num conjunto de sessões de gravação, com a ideia de editar um disco. O material granjeado em duas prolíficas reuniões partiu de vários originais de Harper, aos quais se juntou o contributo precioso dos Blind Boys. A espontaneidade dessa fusão é trasladada no disco com mister, a empatia é audível. À inconfundível assinatura de Ben Harper, bordada em porções iguais pelo soul e pelo funk, acrescenta-se a espiritualidade vocalizada do gospel, ofertada pelos BBA. Os ingredientes são infalíveis, a receita é segura e os intérpretes são perfeitos. O disco é um desfile honroso de temas congruentes, probos, inatos, sem corantes nem aromatizantes.

O desempenho vocal de Harper é dos melhores da sua carreira, escoltado pela sensibilidade dos Blind Boys. Uma nota para referir a generosa versão de "Well, Well, Well" de Bob Dylan.

O som artesanal de Harper e o virtuosismo vocal dos Blind Boys of Alabama fabricam um registo harmonioso, espontâneo e ingénito, cuja honestidade musical convence os auditores mais impertinentes e não consente a indiferença. A produção do álbum é cristalina. Harper escreveu o tributo que os Blind Boys já tinham feito por merecer.

Nick Cave - Abbatoir Blues & The Lyre of Orpheus (CD, 2004)

Apreciação final: 6/10

Editar um disco em formato duplo é encargo destemido. E de um compositor da linhagem de Nick Cave, estimado pelo apuro e mestria em cada causa, o ouvinte parte em demanda de mais do que o trivial. Uma audição judiciosa deste trabalho desvela, sem falsos pirronismos, o problema originário deste registo: pedaços do melhor de Cave confundidos com momentos de inferior inspiração, em prejuízo da consistência artística. Decididamente, e apesar de tudo, se este não é o melhor disco de Nick Cave, não será também o pior. Os entrechos líricos foram sublimados a um degrau luzidio, superior ao de Nocturama, e a produção é aqui mais requintada, destacando-se as vocalizações de apoio e o recurso a outros instrumentos, como a flauta que locupleta a deliciosa balada "Breathless".

Num registo composto sob o augúrio do argonauta Orfeu, que pelo encanto da sua música movia pedras e árvores, enfeitiçava bestas e merecia os favores dos deuses, as façanhas de Cave são tacanhas, não fazendo justiça à fábula inspiradora. Mesmo assim, estão presentes algumas canções sedutoras, dentre as quais, os temas que dão título ao duplo álbum.

Se o registo anterior desiludiu um pouco os sequazes de Cave, este não basta ainda para sobrepujar a decepção. Porque Cave, o brilhante contador de histórias do amor, da religião, da morte e do bizarro, consegue ser melhor. Parecem longe os tempos de poder e beleza de Tender Prey(1988), Let Love In(1994) ou From Her To Eternity(1984). Contudo, vale a pena escutar este registo. Cave está vivo e, supostamente, à busca do Orfeu que, ele próprio, já foi capaz de ser.

domingo, 17 de outubro de 2004

Tom Waits - Real Gone (CD, 2004)

Apreciação final: 8/10

Tom Waits é um ícone da genialidade incontida, incorruptível, desvairada e experimental, com a crueza de uma pústula incrustada nos recantos da alma, que corrói as entranhas da carne e se solta, sardónica, para enxovalhar os assombros do quotidiano. Neste disco, Waits reforça a dose de ironia, liberta-se do espartilho dos sons dispensáveis e (des)constrói um registo distante.

O som é esquivo, o ruído voga. O piano foi excomungado deste acto solene, trocado pelo tardo pesar das guitarras melódicas, temperadas com percussões prudentes e feridas por estilhaços de voz gutural, sofrida e poética. O desenlace é um tomo de faixas aparentemente desprendidas mas atadas a um fio condutor que cunha, para ouvidos zelosos, o imo do autor. É como se Waits tivesse rasgado a carne da música e trouxesse à ribalta a candura de um esqueleto, num hipnotismo assustador.

O ouvinte fica inerte, incapaz de mover-se, impelido a comover-se, cabalmente arrebatado pela inquietude, mas, afoito e atento, percebe que tudo o que Tom Waits é, está presente. A simplicidade é reduzida aos limites do absurdo, a corda do risco é retesada como nunca antes, mas isso é Tom Waits. E ser Tom Waits é ser génio. Alheado, mas génio.

sábado, 16 de outubro de 2004

A escolha de um disco a comentar...

Chegado a este instante, nas primícias do mundo dos blogs, desponta um enigma que semeia a dúvida...a selecção hesitante de um disco da colecção de cd's que mereça a distinção de abrir as hostilidades. Optei por começar com um disco, não por privilegiar a música, mas por ser um produto lhano, de percepção inata. Vai daí, precipito uma olhadela na estante; mostra-se imensa, a escolha não é simples. Confio no gosto, na busca de um certo paladar sonoro, talvez o de um disco novo que recentemente me tenha chegado às mãos.

A escolha obedecerá sempre a um critério, nem que seja a ausência dele. Afinal, o mais importante aqui é o espírito da partilha, a comunhão do interesse pelas nobres artes. As mais das vezes aqui ficarão registos sobre discos, mas o espaço é aberto, infinito na grandeza banal dos sentidos. Porque palavras sobre artes, são apARTES sobre as artes. Espero ser capaz de manter este blog com regularidade, ainda que não seja fácil.

Por seres quem és, isto é teu, S.

sexta-feira, 15 de outubro de 2004

Ainda em construção...

Apenas em fase de testes...alguma paciência e lá chegaremos!

Primeira mensagem

Este é o primeiro post deste blog. Não há muito a dizer ainda, apenas se deixa a promessa de voltar muito em breve e dar início a uma aventura que, sendo açambarcadora, não atemoriza, antes motiva para agarrar esta ideia com força e difundir opiniões sobre arte. Cá vos espero...