Os londrinos Wire constituem um dos poucos exemplos da música europeia em que a longevidade - a fundação do colectivo data de 1976 - se confunde com evolução e relevância artística. Tendo partido das heranças mais rústicas do punk do final da década em que se formaram, os Wire desde cedo se demarcaram dos pares geracionais e do simplismo estético do género, ao optarem por feições mais criativas e arty e , em simultâneo, por subscreverem conceitos elaborados de melodia e canção. Foi, de resto, a especificidade dessa tendência, e, em consequência, a aparente impenetrabilidade da sua música, a empurrá-los para um pejorativo estigma de "intelectualismo" de que não se livraram, senão em momentos pontuais do percurso discográfico. O fôlego experimentalista em volta das linguagens mais directas do rock tornou-se o centro da verve de Colin Newman e companheiros e a fonte de algumas mutações de processos e identidade estética - a que, por norma, vieram a corresponder cisões no seio do grupo. Depois de um estupendo trio de discos, de 1977 a 1979, a inaugurar uma carnalidade minimalista e um conceito vanguardista e geométrico de rock tirado das algazarras do punk, o grupo conheceu o primeiro (e abrupto) termo de actividades, em 1980. Voltariam, cinco anos mais tarde, depois de avulsas edições a solo de Colin Newman, Bruce Gilbert e Graham Lewis, superficialmente contaminados pelo advento da música electrónica, para editar um quinteto de álbuns, até nova dissolução em 1992. Seguiu-se um longuíssimo interregno de sete anos, parado pelo lançamento de alguns EPs e novo álbum de originais, em 2003, o nervoso e cifrado Send. Outra pausa no ano seguinte, formalmente interrompida pela reedição dos três documentos de início de percurso, também pela chegada aos escaparates, já em 2007, do terceiro capítulo da colecção de EPs Read & Burn.
Agora chega-nos Object 47, 11.º álbum dos londrinos - embora seja a quadragésima sétima manifestação editorial (daí o título), entre singles, EPs, álbuns e compilações. Com os Wire espera-se sempre o inesperado e, à rigidez textural, à dureza e ansiedade do antecessor, o novo opus opõe detalhismo estrutural, maior acuidade melódica, fulgor (dentro dos limites de luminosidade dos Wire) e espaço para a electrónica. Mesmo sendo esta a primeira gravação dos Wire sem a guitarra de Bruce Gilbert (abandonou, com acrimónia, o projecto em 2004), Object 47 traz um punhado de canções de grande vitalidade e com as certezas de um código sonoro apurado ao sabor dos cenários conjunturais, mas sempre fiel a uma aura própria. É art-punk venturoso, é rock ligeiro, é pop sinistra e deadpan. E, de uma penada, sem soar anacrónico ou revisionista, Object 47 conforta-nos com a familiaridade de um som que é, afinal, a mais cabal síntese das aptidões "históricas" do grupo, sem invocar qualquer momento pontual do passado e, sobretudo, sem perder de vista o arrojo vanguardista e o gosto pela experiência dos Wire.