Adeptos de travessuras surrealistas da era digital, Martin Schmidt e Drew Daniel fazem do conceito Matmos um dos expoentes mais originais do concentrado universo da electrónica left field corrente, sobretudo no tocante à investigação das virtudes ambientais e melódicas, se quisermos o lado mais ligeiro e "populista", de um género musical cuja complexidade estrutural normalmente afasta as massas. Foi no berço IDM (e no nicho da musique concrète) que Schmidt e Daniel encontraram embalo para um percurso de rara congruência estética, fazendo das raízes minimalistas um substrato sempre presente, e, partindo desse esteio estruturante, evolver para um registo sonoro de impressivos coloridos sintéticos, com traço melódico e fôlego experimentalista. O processo de crescimento produziu dois momentos magnos, um de minimalismo, construído apenas a partir da acústica de uma sala de operações, A Chance to Cut is a Chance to Cure, de 2001, e, outro, um manifesto de música concreta em The Rose Has Teeth in the Mouth of a Beast, o penúltimo e sétimo disco, de 2006.
A proposta orgânica de Supreme Balloon é comprimida em regra única: a orgânica do disco é construída exclusivamente com sintetizadores, sejam eles de qualquer era ou origem. Esse purismo analógico da obra tem uma leitura imediata, ao definir um legítimo (e nostálgico) recuo dos Matmos ao quinhão mais significativo das suas fundações, desligando o duo de San Francisco das recentes derivas pelo "concretismo musical", assim emprestando às especulações e obliquidades harmónicas das composições um pendor mais maquinal e, sobretudo, o exotismo de desvendar curiosos fetiches entre os prazeres antigos das "velhinhas" teclas de um Roland ou de um Korg, tão em voga nos 70's e 80's, e os computadores e tendências modernas. Atrás disso, vêm alguns harpejos encantadores, pontuais delírios 8-bits, insinuações cósmico-espaciais e um ou outro rifão mais "cerebral". Ao escutar Supreme Balloon percebe-se que a mudança formal, não só não contaminou a criatividade da dupla, como lhe acrescenta outros ângulos e dimensões, abrindo espaço para ocasionais instantes de nostalgia dos primeiros passos da electrónica (leia-se Kraftwerk, Jean-Michel Jarre, Vangelis) ou, em referências mais desfocadas, aos cosmos bizarros de Terry Riley e Keith Fullerton Whitman (o artífice da música concreta também aparece nos créditos do disco). Nesse sentido, o novo trabalho dos Matmos tem mais de memória do que de invenção pura e, a despeito da excelência do corte de alguns momentos ("Rainbow Flag" ou "Polychords" dão nota disso) e da limpidez e coerência dos ambientes, paira no ar uma sensação de breve discrepância entre a assinatura esdrúxula da dupla americana e o necessário ascetismo (ou limitação técnica) da electrónica clássica. A passada analógica parece curta para a ousadia da verve de Schmidt e Daniel. Em todo o caso, Supreme Balloon é um documento recomendado a espíritos curiosos e antiquários da electrónica.
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