Estamos acostumados aos reptos ambíguos dos Fantômas. A sua música é criativa, procura novos trilhos sonoros, percorre mares nunca dantes navegados. Desta vez, a proposta é um disco com apenas uma faixa, cerca de setenta e cinco minutos contínuos no mesmo tema! O inédito é também maravilhosamente excêntrico: de loucura ou genialidade?
Antes de escutar o disco, perscrutei o booklet e avistei inúmeras imagens de actos médico-cirúrgicos. Qual o sentido? Com o disco a rodar, sente-se a agitação convulsiva de uma atmosfera cinematográfica que nos remete para o imaginário dos filmes de terror. Aqui, ficamos rendidos por setenta e cinco minutos, não há escapatória possível, a redenção passa pela afronta ao medo. O assomo é demais veemente, aprisiona-nos em feitiços encantatórios, o fascínio do oculto seduz-nos a seguir o escuro. E os Fantômas levam-nos numa incursão por mundos ignotos, perdidos nos esconsos do sonho, feitos realidade em sequências melódicas coesas, que integram com apuro os dislates geniais do grupo. A tensão é permanente, o arrebatamento atroz reside até ao fim do disco e fica em suspenso, em espasmos maravilhados, sem destino definido. Tudo termina numa hesitante agulha, pousada num vinil, incessantemente debitando a ânsia de continuar.
Além das instrumentalizações normais de uma banda de metal, os Fantômas recorrem a pitadas esparsas de sons dissimulados, a correrem no fundo, como demónios observadores.
O disco é mais um excelso trabalho do quarteto Fantômas. Mike Patton (ex-Faith No More), Buzz Osborne (Melvins), Dave Lombardo (Slayer) e Trevor Dunn (Mr. Bungle) volam a traçar rumos distintos: Delirium Corda é a pintura musical dos medos ansiosos e dos suores frios da alma. E toca-nos profundamente. Delirium Corda é um tomo fundamental do experimentalismo sinistro e funéreo dos Fantômas.
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