A outro nível, uma nota de destaque para o primeiro avanço de Invitation Songs, dos The Cave Singers. Eles vêm da mesma Seattle que tornou célebres as flanelas grunge mas estreiam-se em disco com uma sedutora proposta de folk psicadélico, como bem fica demonstrado nesta "Dancing on Our Graves". O vídeo é construído em volta de uma cenografia retro a preto e branco que serve como uma luva ao conceito musical do trio americano.
quarta-feira, 31 de outubro de 2007
Duas faces dos novos sons da América
A outro nível, uma nota de destaque para o primeiro avanço de Invitation Songs, dos The Cave Singers. Eles vêm da mesma Seattle que tornou célebres as flanelas grunge mas estreiam-se em disco com uma sedutora proposta de folk psicadélico, como bem fica demonstrado nesta "Dancing on Our Graves". O vídeo é construído em volta de uma cenografia retro a preto e branco que serve como uma luva ao conceito musical do trio americano.
terça-feira, 30 de outubro de 2007
Soulwax - Most of the Remixes...
O generalizado aplauso com que os públicos europeus se foram sucessivamente rendendo ao trabalho dos irmãos Dewaele (Stephen e David), primeiro enquanto animadores nocturnos e editores de sets - é deles a celebérrima chancela das edições 2Many DJ's - e, depois, nas incumbências de banda de corpo inteiro (com o epíteto Soulwax) e de produtores/remisturadores de elite, não foi mais do que uma consagração natural. Com um estilo muito peculiar (e, em grande parte, inovador...) de emprestar ritmos próprios da música de dança a estímulos e canções importadas das órbitas rock ou da pop, estes intrépidos belgas ergueram uma assinatura respeitada no orbe electrónico das remisturas que, posteriormente, ampliaram e assumiram como identidade criativa nas suas próprias composições como Soulwax. Most of the Remixes... é um paradigmático exemplo da alquimia da dupla nas remisturas, ao compilar grande parte das reconstruções mais significativas dos últimos anos, algumas das quais dispersas em edições avulsas. Aqui, mais do que meras intervenções pontuais nas peças originais de LCD Soundsystem, Klaxons, Gossip, DJ Shadow, Gorillaz, Daft Punk ou Robbie Williams (entre outros) desvendam-se recriações autênticas, pouco restando das canções primitivas além da sugestão melódica, como se tivessem sido desmontadas em partes para, depois, merecerem nova montagem (e identidade). É, de resto, essa premissa (des)construtiva e, sobretudo, a aptidão para encontrar novos ordenamentos e lógicas para canções pré-existentes que faz dos manos Dewaele dignos representantes do melhor que se faz no capítulo das remisturas. Esta compilação prova-o à saciedade. E ainda traz um mix extra, num segundo disco, com pérolas não reveladas no primeiro. Tentador!
Posto de escuta MySpace
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
Norberto Lobo & Lobster
Mudar de Bina
8/10
Bor Land
2007
www.norbertolobo.com
Sexually Transmitted Electricity
7/10
Bor Land
2007
www.wearelobsters.com
Com sete anos a divulgar protagonistas menos conhecidos da música portuguesa, muitas vezes atrevendo-se à exposição de uma erudição estética que não encontra muitas saídas editoriais no estreito (e ainda muito arreigado em convenções) mercado discográfico português, o selo nortenho Bor Land é já um marco assinalável. Com mais de trinta títulos reunidos em volta de uma filosofia que, ao invés de promover denominadores estéticos comuns entre os artistas publicados, a Bor Land aposta essencialmente em abrir portas (e mentalidades) a músicos criativos e em busca de um espaço de reconhecimento. E, mesmo que alguns deles não venham a dar o "salto" mediático (como sucedeu com Old Jerusalem) que a sua música parece supor, ficará sempre a certeza de que a congruência editorial faz da Bor Land um precioso recanto onde têm o seu porto seguro algumas das fantasias experimentalistas mais originais da música que se faz por cá. Estão aí mais dois exemplos que, com premissas estruturais radicalmente diferentes (o acústico celestial de Norberto Lobo em oposição ao eléctrico libidinoso dos Lobster), certificam as vistas largas da editora e nos mostram dois caminhos alternativos para excitar os tímpanos.
Norberto Lobo é um lisboeta que a Bor Land apresenta ao mundo editorial com este Mudar de Bina. Sem ornamentos de estúdio além daqueles estritamente necessários para ambientar as texturas da guitarra clássica, o álbum desvenda sobretudo a intimidade e a alma de música genuinamente pessoal, quase individualista. Trata-se, de facto, de um exercício sem suporte para o guitarrista, apenas ele, o instrumento e a música. Trazida assim a primeiríssimo plano a vitalidade das estruturas harmónicas, dos arpejos e das melodias (porque são elas, afinal, o esteio disto tudo), percebe-se que, mais do que ser apenas uma manifestação dos esperados sentimentalismos individuais e contemplações que normalmente "poluem" este tipo de obras, o disco é também uma agradável surpresa pelo desembaraço com que sugere outros planos de emoção mais extrovertidos, menos pessoais e mais abertos. Essa dinâmica no pendor emocional das composições, ora fechadas e "egoístas", ora coloridas e contagiantes, afasta o preconceito previamente engatilhado de que música feita apenas de guitarra não é de consumo fácil. Norberto Lobo prova-nos o contrário. Se isso não chegar para convencer os mais resistentes, há ainda outro desafio em Mudar de Bina: descobrir como tão bem se conjugam as linguagens da tradição (a relembrar os legados de John Fahey ou Robbie Basho) e do popular (há aqui duas revisões de canções do povo) com um gracioso traço de modernidade.
A capa do disco dos Lobster desmonta qualquer ilusão: a música de Guilherme Canhão (guitarra) e Ricardo Martins (bateria) não é para meninos de coro. Deles se conhecia o estilo incendiário com que tomaram alguns palcos por aí e que agora tem descendência em disco. Desenganem-se aqueles que imediatamente associam Guilherme Canhão à placidez e aos ambientes canónicos do pós-rock de '86, lançamento do ano transacto da netlabel Merzbau. Aqui, a guitarra surge pujante e esquizofrénica, corrosiva e disforme, cortante e hedónica. O lastro da percussão não é menos imparável, cheio de arritmias e acelerações, pausas antes da fuga em frente e muitos, muitos espasmos. Depois, o opus dos Lobster tem inúmeros parentescos formais, acolhendo caoticamente e num deleite psicadélico coordenadas de várias escolas rock (com mais ou menos peso), do punk aliterante e urgente, do noise ácido ou da ordenação artística do math rock e, claro, doses espessas das energias próprias deste duo. Sexually Transmitted Electricity é um pungente ataque aos tímpanos - porque é "doloroso" e não se absorve imediatamente - e um quebra-cabeças. Mas não deixa a recompensa por dar. Enfim, um abanão musical tão intenso e incitante que faz lembrar (com quase o mesmo resultado final) aquelas estaladas de fêmea despeitada que, as mais das vezes, acabam redimidas debaixo dos lençóis. Sem queixas dos efeitos secundários, o último dos Lobster é um potente orgasmo eléctrico.
sexta-feira, 26 de outubro de 2007
To Rococo Rot - abc123
Tendo sido, desde as primícias, definido objectivamente pelos seus integrantes como um conceito artístico à procura de explorar as múltiplas potencialidades multimédia e demais dimensões "visuais" do produto musical e suas convergências com outras artes digitais, o trio berlinense To Rococo Rot acabou por assumir-se como um dos vectores pioneiros do experimentalismo electrónico contemporâneo na Europa. Pegando em derivações mais ou menos transparentes da face mais "robotizada" do krautrock clássico e em inúmeros estímulos do pós-rock e das escolas menos formais da música electrónica e moldando-os numa filosofia devota da abstracção transgressora de barreiras estéticas, Stefan Schneider e os irmãos Robert e Ronald Lippok (mais tarde, este viria a criar descendências com o projecto Tarwater) ergueram uma discografia vedada às convenções e, sobretudo, marcada pela "intelectualização" (no bom sentido) das construções. Disco após disco, os To Rococo Rot afinaram uma álgebra própria, muito próxima dos recortes cíclicos de uns Tortoise (a comparação está gasta...), com interessantíssimos encadeamentos de filigrana digital da melhor estirpe e samples analógicos adulterados. Ao escutar este abc123 (um mini-álbum de oito faixas em vinte minutos), três anos volvidos desde o último trabalho do trio, percebe-se que o filão está longe da lassidão, mesmo que as peças do alinhamento praticamente prescindam dos típicos ingredientes analógicos (restou apenas um sintetizador Yamaha Vss30). A primazia pelo digital parece ter devolvido os To Rococo Rot ao seu mais fino substrato de criatividade e isso são óptimas notícias para aqueles melómanos que apreciam a arte-experiência e música electrónica que desafia o cérebro.
Posto de escuta Sítio da 7digital
quinta-feira, 25 de outubro de 2007
Jens Lekman - Night Falls Over Kortedala
Tendo conhecido um arranque algo irresoluto (começou a tocar e compor a convite de amigos), com edições avulsas e um pseudónimo (Rocky Dennis) pelo meio, o sueco Jens Lekman não parecia voluntariamente destinado ao estrelato no meio musical. Ainda assim, as primeiras impressões do quinteto de EP's que antecederam o primeiro registo a solo (depois confirmadas em When I Said I Wanted to Be Your Dog, de 2004), deixavam já indícios de um artesão intuitivamente instruído em vários planos de uma lógica pop madura (e instrumentalmente pujante, dir-se-ia mesmo "orquestral") e longe dos vícios de simplismo estrutural tão comuns no género. O coro de encómios que se seguiu à edição do álbum - muitas vezes colocando o sueco num feliz entroncamento estético entre Rufus Wainwright, Scott Walker (dos primórdios), os Magnetic Fields e Morrissey - não foi, portanto, mais do que o reconhecimento de um compositor com pedigree. Neste segundo tomo com material original - a colecção Oh You're So Silent Jens, de 2005, era uma mera recolha de material anterior ao álbum de estreia - Lekman envolve melancolias numa embalagem sonora mais luminosa, num claro sinal do estado de maturação a que chegou a sua escrita. É notório que, mais do que apresentar apenas a sequência presumível da arte intimista do primeiro registo, o cantautor sueco testa aqui outras ambições, mormente através da injecção de charme e fulgor que os arranjos emprestam às melodias. Depois, Night Falls Over Kortedala encerra um mérito raro: da pomposa mescla de estilos, ao invés de qualquer ressalto incongruente, sobra afinal a sensação de uma escrita genuinamente coerente e dinâmica. Sem euforias desmedidas ou cedências ao facilitismo, Lekman sublinha as suas próprias convicções (aqui e ali, com a ajuda da conterrânea Sarah Assbring, aka El Perro Del Mar) e põe à prova um ideário de música pop que, além de se revelar tremendamente cativante, sai aprovado com a distinção de um belo disco.
quarta-feira, 24 de outubro de 2007
Diálogos Atípicos
terça-feira, 23 de outubro de 2007
Sean Riley & The Slowriders - Farewell
Depois de um longo período em que imperou uma lógica quase caciquista na música portuguesa (escondida atrás de uma pretensa defesa da língua pátria) e em que os regentes editoriais torciam o nariz a quase tudo o que fosse cantado em inglês, os últimos anos vêm comprovando a inutilidade dessa obstinação nacionalista e assistimos a um furor de lançamentos a que não estávamos habituados e que, paulatinamente, inundou o mercado nacional de projectos musicais não cantados em português. No meio disto tudo, porque parece ter-se passado do oito aos oitenta (coisa típica da nossa patológica condição de adeptos de extremos), importará separar o trigo do joio no exagero de lançamentos desta vaga moderna da música portuguesa. Nesse particular, a cidade de Coimbra - de onde vêm estes Sean Riley & The Slowriders - tem sido berço de alguns dos acasos mais felizes, como os Bunnyranch, os Wray Gunn (e o descendente Legendary Tiger Man, de Paulo Furtado) ou os d3ö. Chega-nos agora este Farewell, primeira aventura discográfica de um trio de músicos que, tendo surpreendido públicos locais, promete não passar despercebida a outras audiências.
Os argumentos musicais de Farewell são uma mistura de tempos e cosmos, ora buscam substratos da América profunda dos cantautores, da folk radicada nas heranças incontornáveis de Tim Buckley ou Leonard Cohen, ora se rendem às essências mais recentes dos efluentes do património blues (leia-se Mark Lanegan ou Howe Gelb) e, mais tangencialmente, à weird folk de Devendra Banhart. São, sobretudo, canções sem presunção e subjacentes à sobriedade acústica que melhor lhes convém, valendo-se das superlativas melodias da voz enleante de Sean Riley (o rapaz canta com as certezas de um veterano!) e do belíssimo acompanhamento instrumental de Bruno Simões (baixo e percussões) e do ex-Bunnyranch Filipe Costa (teclas, harmónica e bateria). Farewell pode não ter canções para tirar o mundo dos eixos, provavelmente nem chegará a ser motivo para sacudir as consciências (ou mover coordenadas) do definhado panorama do songwriting em Portugal mas é seguro que desvenda uma das mais interessantes revelações lusas dos últimos tempos. E isso, por si só, convida a uma visita.
Posto de escuta Sítio da MúsicaOnline
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
Dave Gahan - Hourglass
Ninguém discordará da influência decisiva dos Depeche Mode no alargamento da expressão mediática da electrónica pop, mormente a partir da segunda metade da década de oitenta, depois do pioneiro trabalho de sapa de gente ilustre como os germânicos Kraftwerk que, uns anos antes, abriram mentalidades e deram corpo a uma matriz sintética de fazer música. Na mesma medida, é difícil imaginar os Depeche Mode a desbravar terreno nos principais mercados e canais de distribuição sem a voz carismática e assombrada de David Gahan, o melhor complemento para os espaços de espiritualidade negra e alguma descrença da escrita de Martin L. Gore. Seria, de resto, essa feição espectral e subliminarmente sombria do canto de Gahan a influenciar inúmeras descendências, directas e indirectas, tanto no cosmos electrónico como, a outros níveis, no farto orbe rock. A estreia a solo de Gahan surgiria depois do renascimento dos Depeche Mode que, posteriormente à edição de Ultra (1997), assistiram à rápida degradação pessoal de Gahan (com drogas e um suicídio tentado pelo meio) e à iminência do fim de actividades da banda. Paper Monsters foi escrito, em parte, durante a reabilitação de Gahan mas seria apenas editado em 2003, já depois da retoma dos Depeche Mode. Estruturalmente pouco distante das molduras sonoras dos Depeche Mode, o registo mostrava competências de composição de Gahan (até então um recurso inexplorado nos Depeche Mode) e serviu, sobretudo, como exercício de catarse mental em electrónicas atmosféricas, ora servidas em baladas, ora moldadas com revestimentos rock.
Quatro anos depois, Hourglass vem mostrar que a aventura de escrever canções em nome próprio não foi episódio isolado de Gahan e, mais do que isso, o músico britânico dá aqui provas de um efectivo crescimento enquanto compositor. Mais electrónico do que o antecessor, o álbum desvenda um esquizofrénico jogo de texturas em volta da identidade sombria mais confortável a Gahan. No fundo, Hourglass abeira-se mais do legado Depeche Mode, embora estas canções subsistam sem a inevitabilidade de um refrão orelhudo - coisa típica nas composições de Martin L. Gore para os DM. Trata-se, acima de tudo, de um disco redentor, fruto de uma alma resgatada de um poço de decadências, ciente das suas máculas e com ânimo para olhar em frente. Ao mesmo tempo, ironia das ironias, Dave Gahan revela, do lado de fora da casa Depeche Mode, que a escrita dele também cabe lá dentro. Falta saber se Martin L. Gore acha piada ao remoque.
domingo, 21 de outubro de 2007
Burnt Friedman - First Night Forever
Há quem diga que Burnt Friedman é um workaholic verdadeiramente obcecado pela produção de música. A verdade é que este prolífico germânico vem construindo, desde os finais da década de noventa, um interessantíssimo catálogo, tanto a título pessoal como ao lado de Atom Heart, no projecto Flanger. Mais recentemente dividiu o espaço criativo do aclamado colectivo Nine Horses com gente como David Sylvian e Steve Jansen, aí desenvolvendo alguma proximidade com estruturas mais convencionais de canção, por oposição ao cancioneiro mais "espacial" e difuso do jazz de vanguarda dos Flanger ou aos pilares de especulação dub que são os seus discos a solo. Essas raízes rítmicas (e electrónicas) estão presentes neste First Night Forever, onde sobressai menos o inevitável substrato dub e surge um revestimento que se diria importado das tendências soul mais modernas. E para melhor se mexer nesses ambientes, nada melhor do que convocar os favores vocais de quem dá cartas na matéria. O australiano Steve Spacek, luminária incontornável da electro-soul hodierna, está cá e, além dele, aparecem outros ajudantes: Enik, voz convidada em trabalhos dos extintos Funkstörung, duas vozes emergentes da música alemã - a cantora Barbara Panther (com álbum próprio à porta..) e Daniel Dodd-Ellis - e Theo Altenberg, um multifacetado artista berlinense que, com um registo vocal entre os graves cavos e roucos de Tom Waits e as inflamações hedonistas de James Brown, dá ao disco os momentos mais arrebatados.
No resto, First Night Forever é matéria típica de Friedman: batidas habilmente manipuladas em torno de uma curiosa mescla entre elementos acústicos (cordas e metais) e sintéticos, a proporção equilibrada na justaposição das várias camadas e estilos e, sobretudo, uma arrumação de ideias irrepreensível. "Chaos Breeds", trecho que fecha o álbum (é também a faixa de maior extensão), é exemplo paradigmático das inúmeras sugestões estéticas do novo opus de Friedman e de algumas reciclagens que ele impôs à sua cartilha de início de carreira. Em virtude disso, First Night Forever é testemunho de um espírito que não dorme sob os louros do passado. E que é capaz de reinventar as suas magias e nos dar um dos seus melhores trabalhos dos últimos tempos.
Posto de escuta Sítio Oficial
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
Einstürzende Neubauten - Alles Wieder Offen
Pode não parecer mas a verdade é que estes senhores berlinenses já andam nisto há quase três décadas. Eles foram actores principais no advento da música industrial na Europa, não apenas pelo simbolismo artístico-performativo dos seus espectáculos - pormenor que rapidamente os distinguiu dos seus pares geracionais - mas, sobretudo, pelos condicionalismos estruturais da música que vêm subscrevendo desde então, o que lhes permitiu pôr de pé uma discografia de ímpar consistência. A evocação da teatralidade da música, o encanto pelo experimentalismo, a vocação puramente artística, as afinidades com o improviso como berço de ideias e uma predisposição irónica para desmontar qualquer preconceito estético fizeram dos Einstürzende Neubauten um dos ensembles com maior culto nas esferas alternativas europeias e, simultaneamente, distinguiram Blixa Bargeld e compinchas como ícones da sobrevivência num habitat rock bem longe dos canais dominantes do mainstream. Banda de culto, é o epíteto que costuma colar-se a estas gentes.
O facto de Alles Wieder Offen ("novamente tudo aberto") ter sido inteiramente financiado por seguidores da banda através de uma colecta de fundos lançada no sítio oficial do grupo teutónico é sintomático do desencanto dos EN face ao mercado editorial e da importância dos novos canais de comunicação para fazer chegar aos fãs a música menos divulgada nos grandes mercados (vide última edição dos Radiohead). De resto, este álbum é o corolário de uma extensa série de gravações que a banda dedicou em exclusivo aos adeptos registados no seu sítio, reforçando uma proximidade entre músicos/ouvintes que nenhum outro formato editorial permite. Nesse particular, a banda "abriu" o estúdio aos fãs, disponibilizando imagens de webcam das gravações e deu-se à interactividade com os internautas em conversações online. Visto por este prisma, o novo opus dos Einstürzende Neubauten não podia ter melhor baptismo; trata-se, de facto, de um segundo preâmbulo da banda, especialmente voltada para si mesma e para a convergência com as massas críticas de suporte. E torna-se evidente neste Alles Wieder Offen, do ponto de vista da definição técnica do disco, uma flexibilização da matriz sonora das composições (naquilo que pode ser visto como um reflexo natural das inúmeras horas de sessões de improvisação que antecederam a gravação do disco) e um desprendimento temático, em contraponto com a rigidez (técnica e conceptual) de Perpetuum Mobile, editado pela Mute há três anos. No fundo, os Einstürzende Neubauten não tentam revolucionar o seu próprio cosmos - seria difícil fazê-lo de forma credível ao fim de tanto tempo - tampouco de o desmistificar dos seus enigmas; aquilo que Alles Wieder Offen nos mostra é uma banda com uma incrível capacidade regenerativa e que, mesmo prescindindo de parte importante da crua sedição de há uns anos (crescimento consciente, dir-se-ia...), soa tão cativante e catártica como sempre. Um regresso de mão cheia.
Posto de escuta Sítio Oficial do Disco
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
A menina dança?
terça-feira, 16 de outubro de 2007
Underworld - Oblivion With Bells
Não são raros os casos de projectos musicais que, depois do impacto do aparecimento e de uma ascensão meteórica ao estrelato e aos principais circuitos de concertos do planeta (alguns, porventura, até "desalinhados" do seu conceito artístico), se vêm envolvidos na incerteza estética que deriva directamente da pressão mediática e do estatuto consagrado. Assim aconteceu com os Underworld, trio londrino sacralizado durante grande parte da década de noventa como um dos estandartes da electrónica europeia, com repercussões repetidas nos mercados discográficos. Depois de dois discos (como duo) marcados pela contingência de definir uma identidade, o impressivo testemunho de Dubnobasswithmyheadman (1993, o primeiro como trio) separou águas e distinguiu, então, Karl Hyde (voz), Rick Smith (guitarra) e Darren Emerson (electrónicas) da música de dança da época, erguendo uma identidade sonora que desvendava um jeito pioneiro de cruzar os coloridos new wave da década de oitenta com uma visão peculiar sobre as "novas" tendências do acid house, da música techno ou mesmo do dub. Nesse particular, já aí o trio vincava o cariz iconoclasta da sua música, afirmado definitivamente com Second Toughest in the Infants, três anos depois. E, aos poucos, ao lado de outros protagonistas que ajudaram a levar a electrónica aos grandes festivais europeus - gente como os conterrâneos Chemical Brothers ou Prodigy - os Underworld foram construindo uma discografia sólida que conheceu ponto alto (em termos comerciais) no single "Born Slippy", de 1999, integrado na banda sonora do filme Trainspotting.
De então para cá, a par do esfumar da efémera febre difusora da electrónica que os levara a um sucesso difícil de sustentar nesse povoado orbe, as mudanças conceptuais da música sintética acabaram por, a pouco e pouco, "marginalizar" a noção musical do trio. Além disso, a deserção em 2000 de Emerson - para muitos o propulsor da música dos Underworld - deixaria a Rick Smith e Karl Hyde o encargo custoso de assegurar a continuidade do conceito e, mais do que isso, de tentar readequá-lo a um mundo electrónico que se aprontava para o esquecer. A Hundred Days Off (2002), primeiro tomo a dois, acabou por ser o tirocínio necessário numa nova realidade, dando mostras de um fôlego renovador algo irresoluto. Assimilada com segurança a nova matriz de criação de música, Smith & Hyde revelam neste Oblivion With Bells o desejo de fazer um disco além das conjunturas do momento, olhando o passado (o seu e o de outros) e não apontando directamente para as pistas de dança. O objectivo era ambicioso (talvez demais para um banda que esteve à beira do naufrágio) e, embora a espaços o disco deixe sugestões interessantes para a sobrevivência futura dos Underworld, fica uma impressão clara: com o propósito de reunir canções que os distanciassem do património do grupo, primeiro, e da monotonia generalizada da música de dança corrente, depois, Oblivion With Bells fica perdido num estranho limbo estético entre uma coisa e outra. O que quer dizer que, mesmo tratando-se de um registo competente, nem se chega à elite electrónica de hoje, nem honra os melhores instantes da marca Underworld.
segunda-feira, 15 de outubro de 2007
Efterklang - Parades
Há discos (e bandas) que facilmente nos remetem, mesmo antes do apelo da "febre" rotular sobre o género musical, para uma qualquer paragem geográfica, seja por reunirem alguns fragmentos identitários próprios dos costumes de uma determinada região do planeta ou, em alternativa, mesmo não sendo oriundos desse ponto específico que sugerem subliminarmente, por trazerem em si os estímulos mentais certos para uma viagem imaginária. O som dos dinamarqueses Efterklang acaba por ser sintomático dessas duas vertentes; é música pousada na enigmática frieza escandinava, nas correntes frias do Árctico e nas aragens gélidas da montanha. Mas é também muito mais do que isso. Cenicamente sugestiva, a música do colectivo nórdico começou por apresentar-se com potencial tímido, há coisa de três anos, com o debute Tripper a conjugar tricotados pragmáticos de micro-electrónica com um senso ambiental (e hipnótico) de exorcizar melodicamente a alva austeridade da geografia. Ainda que com texturas díspares (e a evidência de um impacto mediático inferior), a micro-melancolia musicada dos Efterklang expunha, então, traços paralelos com parte das utopias dos islandeses Sigur Rós, mesmo que num registo mais conciso e minimalista.
Esse substrato de primor no detalhe, embora tenha feito dos Efterklang um dos objectos de predilecção das massas críticas (especialmente na Dinamarca), tardou a atingir proporção semelhante junto dos públicos, talvez por faltar às primícias o vigor emocional que contrabalançasse o pragmatismo técnico. Percebendo essa insuficiência, os Efterklang abriram paulatinamente a sua música a conteúdos instrumentais fora da órbita digital (as cordas e os metais, por exemplo) e somaram-lhe luminosidade e amplitude. Under Giant Trees, EP de Abril deste ano, anunciava já essa reparametrização, deixando indícios de um natural crescimento que tem agora descendência em álbum. No lugar do "academismo" minimalista do início de carreira, existe neste Parades uma escrita viva e de espírito sinfónico, algo progressiva (segundo a lógica do crescendo) e a esquivar-se de paradigmas, mas intensamente contemplativa e hipnótica. Mais do que ser um elegantíssimo passo em frente no (ainda) curto caminho de um dos mais promissores colectivos da música europeia contemporânea, o disco é uma deliciosa transgressão de fronteiras estéticas ou rótulos (baralhando também as considerações "geográficas" do início deste texto) e um exercício extraordinário do que deve ser a pop (?) abrangente e pós-modernista.
Os labirintos coloridos dos Efterklang
domingo, 14 de outubro de 2007
The Fiery Furnaces - Widow City
Por esta altura, não é crível que os manos Friedberger sejam ainda surpresa para qualquer melómano atento a estas coisas dos sons mais alternativos. Afinal, eles são protagonistas de primeira linha da moderna música americana, em razão da generosa discografia que vêm erguendo em volta de um conceito musical pródigo na mescla de estilos. Apesar da indisfarçável sobreposição do rock, com interessantíssimas insinuações importadas das escalas progressivas (com qualquer coisa do kraut), a música de Matthew e Eleanor vale também pelo apurado sentido de arrumação das diversas camadas do órgão, do piano, da percussão, da guitarra e, mais notoriamente, das linhas melódicas verbalizadas por Eleanor. São, de resto, as expressões vocais que fazem o contraponto "sensato" à aparente esquizofrenia do turbilhão de instrumentais que desfilam por trás, coisa particularmente evidente neste Widow City. Os arranjos somam caos e projecção, desmontando qualquer convenção do que deve ser uma canção pop, seja por força das arritmias que aparecem no instante menos esperado, seja pela parafernália de ingredientes que se juntam à charanga, aqui e ali. Bizarria à prova de banalidade, portanto. Ainda assim, não sendo disco de consumo imediato - dificilmente sairá música superficial da sociedade destes irmãos - Widow City encerra algumas das composições mais acessíveis e enérgicas do cancioneiro Fiery Furnaces. E isso não quer dizer que a dinâmica experimentalista não more aqui. A charada é inteira e parece rebuscar os vigores de início de carreira. O que, no caso dos Friedberger, depois de um ou outro episódio mais desfocado, é um óptimo desígnio.
sábado, 13 de outubro de 2007
Radiohead - In Rainbows
Embora o disco só chegue fisicamente até nós na primeira semana de Dezembro, a versão "cibernética" do sétimo álbum dos Radiohead foi disponibilizada pela banda e já permite uma primeira apreciação daquele que será o núcleo duro da edição final. Por ora, uma dezena de canções - grande parte delas já conhecidas (pelo menos num estado mais ou menos embrionário) daqueles que acompanham de perto o percurso dos Radiohead ao vivo - acabam por mostrar o colectivo britânico mais à procura de dar outra exposição a algumas composições que têm acompanhado o seu percurso do que propriamente a dar-nos material "original". Claro que In Rainbows não deixa de ser um disco dos Radiohead e, nesse sentido, seria sempre um acontecimento relevante, em função da rendição generalizada da crítica a Thom Yorke e seus pares, especialmente depois da criação de verdadeiros monumentos do rock alternativo contemporâneo (casos de OK Computer, de 1997, ou Kid A, de 2000). Falta saber se o álbum está à altura dessa responsabilidade.
Marcado por uma aparente discordância estética entre as peças - coisa mais ou menos recorrente na discografia dos Radiohead - In Rainbows é , também por isso, um álbum que apetece desfiar até ao mais pequeno detalhe. Nesse particular, embora esta recolha de canções acabe por encaixar no incómodo (e injusto) protagonismo inferior de gravação de B-sides, não foram negligenciadas as causas idiossincráticas da música dos Radiohead, mesmo que apareçam com uma coesão menos conseguida. Afinal, estamos a falar de uma banda que recusou ter a sua música no iTunes precisamente por defender um sentido monolítico de álbum, por oposição à venda avulsa de faixas. É nesse aspecto que In Rainbows não sai favorecido da comparação com outros momentos Radiohead, por não ter uma narrativa aglutinadora das composições em volta de uma causa maior ou, se esse denominador comum existe, é demasiado permeável a contaminações e contrastes de estilos. Ouça-se, a título de exemplo, a desarmonia entre o fulgor beat de "15 Step" e o galope quase stoner-grunge-rock de "Bodysnatchers". E o dilema prossegue: a balada acústica "Nude", a "clássica" indie "Weird Fishes/Arpeggi", a escapista "All I Need", a acústica barroca "Faust Arp", a nervosa "Reckoner", o conformismo pop de "House of Cards", a excelência das estruturas de "Jigsaw Falling Into Places" e o desprendimento intimista de "Videotape". Em todo o caso, é bom ver que algumas destas canções saíram da prateleira, desde que isso não signifique um amolecimento da verve subversiva que trouxe os Radiohead ao patamar de qualidade em que estão hoje.
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
Wyatt & Ayers
Comicopera
7/10
Domino
2007
www.strongcomet.com/wyatt
The Unfairground
7/10
Tuition
2007
www.kevin-ayers.com
Ironia dos tempos, o lançamento quase coincidente dos novos discos de Kevin Ayers e Robert Wyatt, ex-membros insignes dos incontornáveis Soft Machine, quase insinua uma "reunião" casual. E se esta quase simultaneidade não concretiza aquela que seria uma óptima notícia para fãs de longa data - afinal eles não gravam nada juntos há quase três décadas! - pelo menos tem o mágico condão de nos permitir um emparelhamento imaginário de dois senhores do mundo art rock.
Dos dois, Robert Wyatt é o que vem mantendo um ritmo de edições mais certo e Comicopera é um exercício de continuidade na esteira do antecessor Cuckooland, repetindo as colaborações de Brian Eno, Phil Manzanera e Paul Weller. O jazz livre de atilhos é a luminária de um disco dividido em três actos e que não se impõe fronteiras estéticas e, bem ao jeito da sorumbática esquizofrenia de Wyatt (eventual reminiscência do passado com os Soft Machine), é um deleite experimental, num equilíbrio movediço entre cacofonia e a elegância melódica. E traz os poemas acerbos do costume, como o tímido álbum contestatário de um homem que, preso a uma cadeira de rodas há mais de vinte anos, nunca deixou que o infortúnio lhe poluísse o espírito crítico.
O regresso de Kevin Ayers tem o impacto de pôr termo ao silêncio de cerca de uma década e meia em que o músico se escondera. Feito de canções escritas sem o fito na edição, The Unfairground é um disco penetrante pelo seu pessoalismo e revelador, ao contrário do discurso "virado para fora" de Wyatt, de reflexões interiores. E é nesse intimismo que o disco surpreende, voltando costas à previsível toada de desencanto e desvendando uma sincera exaltação de relatos da vida como ela é. Aí, Ayers mostra uma voz com alguns desdobramentos emocionais e, sobretudo, nutrida com o optimismo próprio de um homem em paz com a vida. Os arranjos são altivos e estendem as canções a outras amplitudes, transformando-as de simples registos isolados de crooner em peças de pop de elite.
terça-feira, 9 de outubro de 2007
Beirut - The Flying Club Cup
Poucos foram aqueles que não juntaram a sua voz ao imenso (e generalizado) panegírico com que foi recebido Gulag Orkestar, disco de estreia do norte-americano Zach Condon (o homem por detrás do conceito Beirut), editado no ano transacto. A inopinada ascensão do prodigioso cantor/compositor/multi-instrumentista simbolizou, afinal, o exemplo acabado de como é possível emergir, do (muitas vezes) impermeável universo indie, um talento (mesmo que muito jovem - à data do debute discográfico, Condon tinha dezanove anos!) de dimensão maior. Mais curioso do que esse facto, foi perceber-se que música assim "atípica" - porque não estruturalmente compaginável com os padrões pop - também pode trepar vedações e afirmar-se nos palcos mainstream. Claro que o mérito deve ser imputado à graciosidade da escrita de Condon, à sua voz ímpar e à magnífica interpretação do que deve ser uma canção em todas as suas dimensões: melodia, palavra com ritmo (não tanto pelo conteúdo lírico) e arranjos. A essas traves-mestras promissoras e tão sabiamente postas ao serviço de um jeito especulador (porque experimental) de escrever canções, Condon somou, então, a admiração pelos folclores gitanos dos Balcãs, pormenor que o emparelhou com os conterrâneos DeVotchKa, pelo menos enquanto cultor da world music e das imensas potencialidades rítmicas da miscigenação com a folk tradicional americana.
Essa admiração por sons de além-fronteiras tem continuação lógica neste The Flying Club Cup, maioritariamente escrito em França (para onde o músico se mudou por uma temporada) e, por isso, influenciado pelo clássico glamour da chanson française à Jacques Brel (esqueça-se por momentos que ele até era belga!), mas sem prescindir dos metais "balcânicos", dos acordeões e dos esplendorosos arranjos (aqui são responsabilidade de Owen Pallett, do projecto Final Fantasy). A oportuníssima charanga de Gulag Orckestar não foi obra do acaso e, mais do que isso, demonstra agora o acerto de coordenadas e a redefinição estética própria da maturação de conceitos. E era mesmo isso que faltava às canções de Zach Condon para se imporem definitivamente como produtos artísticos de primeira água, simples nos processos e irresistivelmente amplas nos enlaces e na envolvência dos sons. Enfim, é esta a fibra de Beirut, uma assinatura pouco reverente a cânones e, sobretudo, excitada no prazer da descoberta. E pela mão de Zach Condon sabe muito bem descobrir a magia da melhor filigrana indie pop do ano.
Posto de escuta Sítio da 7digital
domingo, 7 de outubro de 2007
Clã - Cintura
Com uma identidade sonora erguida, em pezinhos de lã, em volta das várias famílias linguísticas da pop - num percurso que, aqui e ali, tentou incursões por formas de expressão alternativas - os Clã chegam ao quinto registo de estúdio como a mais firme força do presente panorama pop nacional. Esse amadurecimento gradual de processos teve zénite generalizadamente reconhecido em Rosa Carne (2004), obra magna na consistente discografia da banda e testemunho inequívoco de duas realidades inseparáveis de Manuela Azevedo, Hélder Gonçalves e seus pares: a rara sensibilidade para convocar estilos melódicos variados e, sobretudo, a percepção de quão importante é juntar a essas melodias o manejo competente da língua portuguesa. Nesse particular, os Clã vêm contando com poemas de gente cuja caneta vale ouro, como Carlos Tê, Arnaldo Antunes ou Sérgio Godinho.
Cintura traz o ónus de ser o capítulo seguinte de um álbum tão completo quanto Rosa Carne e, se comparado com este, desvenda fórmulas e estruturas mais leves (ou menos amplas), numa orgânica que, nunca prescindindo da excelência dos arranjos (afinal, esse é um dos traços característicos dos Clã), se revela mais aberta e imediata. É aí que Cintura se mostra luminoso, é certo, mas acaba por resvalar, mormente na segunda metade do alinhamento (depois de um promissor quarteto de abertura com "Vamos Esta Noite", "Adeus Amor (Bye, Bye)", "Tira e Teima" e "Fábrica de Amores"), para uma mediania que os arranjos não chegam a disfarçar. É que, com Rosa Carne, eles habituaram-nos a esperar mais.
sexta-feira, 5 de outubro de 2007
Os Sigur Rós em casa
O regresso dos islandeses Sigur Rós acontecerá ainda neste Outono e com um projecto ambicioso. Além do novo álbum, baptizado Hvarf-Heim, a banda vai aventurar-se nas edições vídeo, com o lançamento de Heim. Segundo informações divulgadas no MySpace do ensemble escandinavo, o filme cobrirá não apenas os vulgares excertos de actuações da última digressão dos Sigur Rós, mas mostrá-los-á em moldes próximos do formato documentário, a mostrar a banda "por dentro". Mais pormenores sobre o filme, podem ser consultados aqui. Fica o trailer de apresentação. Venha o álbum também.
quinta-feira, 4 de outubro de 2007
Fink - Distance and Time
Se não é surpreendente que apareçam na cena musical, de forma repetida, imensos casos de intérpretes que fazem derivar a sua estética de eleição entre várias possibilidades formais de escrever música, assim afirmando a miscigenação de géneros - o que, muitas vezes, dá origem a novas famílias de som - já não é tão comum que o mesmo músico seja capaz de interromper anos de fidelidade a um determinado estilo, para ensaiar um novo "começo" de percurso numa onda completamente diferente. Pois, foi exactamente isso que sucedeu com o britânico Finian Greenhall, o homem por detrás de Fink, que, depois de ter firmado uma marca segura no universo electrónico do trip hop ambiental, testemunhada num par de EP's e um longa-duração (Fresh Produce, de 2000), se tornou num cantautor acústico.
Biscuits For Breakfast, do ano transacto, pôs termo a um longo interregno sem gravações e foi o primeiro manifesto da metamorfose estética de Fink, apostando, sobretudo, em canções com uma orgânica assente no esqueletal trio guitarra/baixo/bateria. A canção quente na canção nua, despida de artifícios e manobras de diversão, a buscar as chagas negras de amores perdidos e os brilhos claros das sensações de resguardo, assim é o propósito deste Distance and Time, como era do antecessor, ainda que aqui se perceba a natural depuração da fórmula, a multiplicar construções sobre as traves seguras do debute discográfico, uma óptima resposta face ao desafio sempre custoso do segundo álbum. O resultado é música de elegante leveza acústica mas com o insustentável peso de trazer emoção nas cordas (aí, dir-se-ia que estas canções são sublimemente pessoais) e de a envolver, atrás da pele de simples trova de folk urbana, numa série de magnetismos orbitais, sejam eles da mais fina soul ou das hipnoses tímidas do dub. Afinal, a cultura de clube também serve à música acústica. E quem melhor do que Fink para a concretizar com garbo?
Posto de escuta Sítio da 7digital
terça-feira, 2 de outubro de 2007
Iron & Wine - The Shepherd's Dog
Sendo quase unanimemente reconhecido, desde o início do seu percurso, como um dos mais finos herdeiros das tradições "clássicas" da música americana (pelo menos, enquanto invenção solitária para voz e guitarra), Sam Beam construiu, atrás do nome Iron & Wine, uma discografia reveladora de um salutar engenho para crescer em volta desse entendimento minimalista da folk. Vistas por esse prisma, parecem distantes no tempo (e no conceito) as gravações caseiras de The Creek Drank the Cradle (2002), título com que se apresentou ao mundo musical e que era reflexo, acima de tudo, de uma extraordinária capacidade para interpretar, com o intimismo exigido, os códigos genéticos mais profundos da musicalidade americana. O sucessor, Our Endless Numbered Days, lançado dois anos depois, mostrava já uma estética mais madura e própria da "profissionalização", embora ainda muito centrada no formato voz-guitarra. De resto, esse paradigma seria apenas sacudido no mini-álbum conjunto com os Calexico, In the Reins (2005); a colaboração somou ao universo Beam as dimensões instrumentais de um trabalho de banda, afastando-se da identidade minimalista que Beam havia erguido.
The Shepherd's Dog segue essa tendência natural de crescimento e, não perdendo o núcleo vital da escrita de Beam, desvenda uma estruturação orgânica bem longe do minimalismo de outros discos. Aqui, em contraste com a tradicional dualidade voz-guitarra, cabe um corpo completo de instrumentistas com pianos, guitarras, percussões, acordeões, órgãos, harmónicas e xilofones. Daí decorre um som mais espesso - o que não quer dizer que seja menos melancólico - e, sobretudo, mais expansivo. A par dessa reformatação orgânica, há também algumas derivações estéticas muito curiosas (que funcionam como preciosas achegas anti-estagnação), como a espontaneidade quase africana da magnífica (e inesperada) "House by the Sea", a invenção reggae de "Wolves (Song of the Shepherd's Dog)" ou o acaso rock'n'roll de "The Devil Never Sleeps". Em tudo o mais, The Shepherd's Dog é um puro Iron & Wine. O que, nos dias de hoje, é sinónimo de música que, crescendo instrumentalmente, não foi contaminada na sua natureza essencial. Única diferença: aquele Sam Beam que, sozinho no quarto, esboçou as primeiras canções de Iron & Wine, agora tem a companhia de amigos. Venham mais cinco...