segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Norberto Lobo & Lobster



Mudar de Bina
8
/10
Bor Land
2007
www.norbertolobo.com


Sexually Transmitted Electricity
7
/10
Bor Land
2007
www.wearelobsters.com


Com sete anos a divulgar protagonistas menos conhecidos da música portuguesa, muitas vezes atrevendo-se à exposição de uma erudição estética que não encontra muitas saídas editoriais no estreito (e ainda muito arreigado em convenções) mercado discográfico português, o selo nortenho Bor Land é já um marco assinalável. Com mais de trinta títulos reunidos em volta de uma filosofia que, ao invés de promover denominadores estéticos comuns entre os artistas publicados, a Bor Land aposta essencialmente em abrir portas (e mentalidades) a músicos criativos e em busca de um espaço de reconhecimento. E, mesmo que alguns deles não venham a dar o "salto" mediático (como sucedeu com Old Jerusalem) que a sua música parece supor, ficará sempre a certeza de que a congruência editorial faz da Bor Land um precioso recanto onde têm o seu porto seguro algumas das fantasias experimentalistas mais originais da música que se faz por cá. Estão aí mais dois exemplos que, com premissas estruturais radicalmente diferentes (o acústico celestial de Norberto Lobo em oposição ao eléctrico libidinoso dos Lobster), certificam as vistas largas da editora e nos mostram dois caminhos alternativos para excitar os tímpanos.

Norberto Lobo é um lisboeta que a Bor Land apresenta ao mundo editorial com este Mudar de Bina. Sem ornamentos de estúdio além daqueles estritamente necessários para ambientar as texturas da guitarra clássica, o álbum desvenda sobretudo a intimidade e a alma de música genuinamente pessoal, quase individualista. Trata-se, de facto, de um exercício sem suporte para o guitarrista, apenas ele, o instrumento e a música. Trazida assim a primeiríssimo plano a vitalidade das estruturas harmónicas, dos arpejos e das melodias (porque são elas, afinal, o esteio disto tudo), percebe-se que, mais do que ser apenas uma manifestação dos esperados sentimentalismos individuais e contemplações que normalmente "poluem" este tipo de obras, o disco é também uma agradável surpresa pelo desembaraço com que sugere outros planos de emoção mais extrovertidos, menos pessoais e mais abertos. Essa dinâmica no pendor emocional das composições, ora fechadas e "egoístas", ora coloridas e contagiantes, afasta o preconceito previamente engatilhado de que música feita apenas de guitarra não é de consumo fácil. Norberto Lobo prova-nos o contrário. Se isso não chegar para convencer os mais resistentes, há ainda outro desafio em Mudar de Bina: descobrir como tão bem se conjugam as linguagens da tradição (a relembrar os legados de John Fahey ou Robbie Basho) e do popular (há aqui duas revisões de canções do povo) com um gracioso traço de modernidade.

A capa do disco dos Lobster desmonta qualquer ilusão: a música de Guilherme Canhão (guitarra) e Ricardo Martins (bateria) não é para meninos de coro. Deles se conhecia o estilo incendiário com que tomaram alguns palcos por aí e que agora tem descendência em disco. Desenganem-se aqueles que imediatamente associam Guilherme Canhão à placidez e aos ambientes canónicos do pós-rock de '86, lançamento do ano transacto da netlabel Merzbau. Aqui, a guitarra surge pujante e esquizofrénica, corrosiva e disforme, cortante e hedónica. O lastro da percussão não é menos imparável, cheio de arritmias e acelerações, pausas antes da fuga em frente e muitos, muitos espasmos. Depois, o opus dos Lobster tem inúmeros parentescos formais, acolhendo caoticamente e num deleite psicadélico coordenadas de várias escolas rock (com mais ou menos peso), do punk aliterante e urgente, do noise ácido ou da ordenação artística do math rock e, claro, doses espessas das energias próprias deste duo. Sexually Transmitted Electricity é um pungente ataque aos tímpanos - porque é "doloroso" e não se absorve imediatamente - e um quebra-cabeças. Mas não deixa a recompensa por dar. Enfim, um abanão musical tão intenso e incitante que faz lembrar (com quase o mesmo resultado final) aquelas estaladas de fêmea despeitada que, as mais das vezes, acabam redimidas debaixo dos lençóis. Sem queixas dos efeitos secundários, o último dos Lobster é um potente orgasmo eléctrico.

Sem comentários: