segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Dave Gahan - Hourglass

7/10
Virgin
2007
www.davegahan.com



Ninguém discordará da influência decisiva dos Depeche Mode no alargamento da expressão mediática da electrónica pop, mormente a partir da segunda metade da década de oitenta, depois do pioneiro trabalho de sapa de gente ilustre como os germânicos Kraftwerk que, uns anos antes, abriram mentalidades e deram corpo a uma matriz sintética de fazer música. Na mesma medida, é difícil imaginar os Depeche Mode a desbravar terreno nos principais mercados e canais de distribuição sem a voz carismática e assombrada de David Gahan, o melhor complemento para os espaços de espiritualidade negra e alguma descrença da escrita de Martin L. Gore. Seria, de resto, essa feição espectral e subliminarmente sombria do canto de Gahan a influenciar inúmeras descendências, directas e indirectas, tanto no cosmos electrónico como, a outros níveis, no farto orbe rock. A estreia a solo de Gahan surgiria depois do renascimento dos Depeche Mode que, posteriormente à edição de Ultra (1997), assistiram à rápida degradação pessoal de Gahan (com drogas e um suicídio tentado pelo meio) e à iminência do fim de actividades da banda. Paper Monsters foi escrito, em parte, durante a reabilitação de Gahan mas seria apenas editado em 2003, já depois da retoma dos Depeche Mode. Estruturalmente pouco distante das molduras sonoras dos Depeche Mode, o registo mostrava competências de composição de Gahan (até então um recurso inexplorado nos Depeche Mode) e serviu, sobretudo, como exercício de catarse mental em electrónicas atmosféricas, ora servidas em baladas, ora moldadas com revestimentos rock.

Quatro anos depois, Hourglass vem mostrar que a aventura de escrever canções em nome próprio não foi episódio isolado de Gahan e, mais do que isso, o músico britânico dá aqui provas de um efectivo crescimento enquanto compositor. Mais electrónico do que o antecessor, o álbum desvenda um esquizofrénico jogo de texturas em volta da identidade sombria mais confortável a Gahan. No fundo, Hourglass abeira-se mais do legado Depeche Mode, embora estas canções subsistam sem a inevitabilidade de um refrão orelhudo - coisa típica nas composições de Martin L. Gore para os DM. Trata-se, acima de tudo, de um disco redentor, fruto de uma alma resgatada de um poço de decadências, ciente das suas máculas e com ânimo para olhar em frente. Ao mesmo tempo, ironia das ironias, Dave Gahan revela, do lado de fora da casa Depeche Mode, que a escrita dele também cabe lá dentro. Falta saber se Martin L. Gore acha piada ao remoque.

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