Não são raros os casos de projectos musicais que, depois do impacto do aparecimento e de uma ascensão meteórica ao estrelato e aos principais circuitos de concertos do planeta (alguns, porventura, até "desalinhados" do seu conceito artístico), se vêm envolvidos na incerteza estética que deriva directamente da pressão mediática e do estatuto consagrado. Assim aconteceu com os Underworld, trio londrino sacralizado durante grande parte da década de noventa como um dos estandartes da electrónica europeia, com repercussões repetidas nos mercados discográficos. Depois de dois discos (como duo) marcados pela contingência de definir uma identidade, o impressivo testemunho de Dubnobasswithmyheadman (1993, o primeiro como trio) separou águas e distinguiu, então, Karl Hyde (voz), Rick Smith (guitarra) e Darren Emerson (electrónicas) da música de dança da época, erguendo uma identidade sonora que desvendava um jeito pioneiro de cruzar os coloridos new wave da década de oitenta com uma visão peculiar sobre as "novas" tendências do acid house, da música techno ou mesmo do dub. Nesse particular, já aí o trio vincava o cariz iconoclasta da sua música, afirmado definitivamente com Second Toughest in the Infants, três anos depois. E, aos poucos, ao lado de outros protagonistas que ajudaram a levar a electrónica aos grandes festivais europeus - gente como os conterrâneos Chemical Brothers ou Prodigy - os Underworld foram construindo uma discografia sólida que conheceu ponto alto (em termos comerciais) no single "Born Slippy", de 1999, integrado na banda sonora do filme Trainspotting.
De então para cá, a par do esfumar da efémera febre difusora da electrónica que os levara a um sucesso difícil de sustentar nesse povoado orbe, as mudanças conceptuais da música sintética acabaram por, a pouco e pouco, "marginalizar" a noção musical do trio. Além disso, a deserção em 2000 de Emerson - para muitos o propulsor da música dos Underworld - deixaria a Rick Smith e Karl Hyde o encargo custoso de assegurar a continuidade do conceito e, mais do que isso, de tentar readequá-lo a um mundo electrónico que se aprontava para o esquecer. A Hundred Days Off (2002), primeiro tomo a dois, acabou por ser o tirocínio necessário numa nova realidade, dando mostras de um fôlego renovador algo irresoluto. Assimilada com segurança a nova matriz de criação de música, Smith & Hyde revelam neste Oblivion With Bells o desejo de fazer um disco além das conjunturas do momento, olhando o passado (o seu e o de outros) e não apontando directamente para as pistas de dança. O objectivo era ambicioso (talvez demais para um banda que esteve à beira do naufrágio) e, embora a espaços o disco deixe sugestões interessantes para a sobrevivência futura dos Underworld, fica uma impressão clara: com o propósito de reunir canções que os distanciassem do património do grupo, primeiro, e da monotonia generalizada da música de dança corrente, depois, Oblivion With Bells fica perdido num estranho limbo estético entre uma coisa e outra. O que quer dizer que, mesmo tratando-se de um registo competente, nem se chega à elite electrónica de hoje, nem honra os melhores instantes da marca Underworld.
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