Por definição técnica, ou por obra do mero preconceito conceptual que a ela se colou com a passagem do tempo, a música ambiental foi sendo progressivamente menorizada pelos mais diversos estratos de melómanos, em virtude de, alegadamente, apenas se prestar ao revestimento sonoro de espaços. Assim, o género habituou-se a sorver uma forte componente "cénica", aí colhendo as coordenadas estruturais decisivas para o seu sucesso como música de fundo (de resto, sublinhado em inúmeros registos cinematográficos), falhando, ainda que involuntariamente, outras importantes dimensões enquanto produto artístico.
Esse rótulo inelutável foi ciclicamente somado, mormente a partir do final da década de noventa, as mais das vezes em clara desconsideração pelos méritos de alguns criadores, a uma prole imensa de seguidores dos icónicos Brian Eno e/ou Harold Budd. Acima de uma trupe de escol da manipulação digital de sons - onde figura gente talentosa como Ulf Lohmann, Alva Noto, Markus Guentner, Reinhard Voigt, Klimek, Benoît Pioulard, Taylor Deupree ou Chihei Hatakeyama - o guitarrista vienense Christian Fennesz, por força de um sólido percurso de uma década, viria a tornar-se porta-estandarte de uma "silenciosa" segunda vaga de valorização da música ambiental contra o cepticismo das massas críticas. Para servir essa causa, depois de um disco separador de águas como foi Venice (2004), nada melhor do que uma joint venture com o japonês Ryuchi Sakamoto, virtuoso clássico do piano e admirador confesso da experiência com outros sons (relembrem-se, a propósito disso, os encontros oportuníssimos com as abstracções de Alva Noto). Neste caso, a parceria não é inesperada nem pioneira. A dupla Fennesz/Sakamoto já havia editado, há dois anos, Sala Santa Cecilia, uma peça única gravada por ocasião de um festival europeu e que deixara pistas para episódios futuros. Cendre retoma as mesmas definições texturais, conjugando a linguagem directa do piano de Sakamoto, quase sempre em melodias descontínuas de intenso efeito dramático, com impressivos enxertos de sons manipulados habilmente por Fennesz, ora oriundos de ruídos ocasionais e dos dribles glitch, ora provindos de guitarras em hipnose. É certo que a combinação nem sempre disfarça a rigidez natural de duas linguagens cujo enlace não é ingénito mas que, em razão da perícia dos intérpretes, acaba por traduzir-se numa experiência com instantes de pura elevação e elegância.
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