Se fizermos uma decomposição ideológica da cover do trabalho de renascimento (depois das inconciliáveis dissensões de há sete anos atrás) dos Smashing Pumpkins, com a Estátua da Liberdade a afundar-se em águas rubras, facilmente se precipitam algumas ilações. A primeira, e mais óbvia, é a de que, pela primeira vez no percurso da banda, o assunto político se torna matéria de capa (e, por essa via, se faz objecto consciencializado), como se se tratasse de declaração auto-consciente e crítica de uma América descrente de si mesma. Mais do que isso, a associação entre o simbólico afundamento de um dos mais relevantes ícones identitários da América (e, por inerência, do tão propalado "mundo livre") e o título (zeitgeist é expressão roubada ao romantismo alemão e que traduz, grosso modo, o entendimento intelectual e cultural das sociedades numa determinada era), é demonstrativa de um desassossego que transcende as fronteiras do estado americano e ganha medidas planetárias. É neste condicionalismo político e espírito de alerta que fervem as composições de Zeitgeist. E este tipo de protagonismo panfletário não é, nunca foi, o terreno mais fértil para os Smashing Pumpkins. Ou para Billy Corgan.
Ao mesmo tempo, o abrupto (mas não inesperado) termo de actividade dos SP, e as subsequentes reacções dos seus ex-integrantes, pôs a nu aquilo que já se sabia: eles não eram mais do que um plano quase autocrata de um homem com visão artística mas com um feitio danado. Na ressaca do projecto que o elevou ao estatuto de estrela rock, Corgan tentou reciclar ideias nos insípidos Zwan (outra das suas criações auto-centradas), primeiro, e no destempero electrónico de uma aventura a solo (The Future Embrace, de 2005), depois. Atrás dessas tentativas, além do cepticismo da crítica e da produção artística pouco mais do que decepcionante, veio o inevitável afastamento das órbitas mediáticas. E não foi por acaso que, no mesmo dia do lançamento do seu trabalho a solo, Billy Corgan fez questão de anunciar uma bizarra "reunião" dos SP - dela constava, além de Corgan, apenas o baterista Jimmy Chamberlin! Neste regresso, afinal o único caminho fiável para o desejado renascimento mediático de Corgan, os SP são apenas, ainda mais do que antes, um quintal de Corgan. Ainda assim, se os traços "clássicos" dos SP (guitarras afiadas, pulso firme e amplitude) moram aqui, parece faltar o compromisso melódico doutros tempos e, sobretudo, a versatilidade estética que fez dos Smashing Pumpkins um dos mais entusiasmantes ensembles da música americana da década de 90. O vigor de Zeitgeist acaba no rock de arena - e aí marca alguns pontos decisivos para não ser um fiasco - e pouco (ou nada) explora outras dimensões da identidade passada dos Smashing Pumpkins. E, para se arriscar o resgate de um nome com tal sucesso (e peso mediático), a memória não é recurso para usar-se com meias medidas.
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