sexta-feira, 29 de abril de 2005

Bruce Springsteen - Devils & Dust

Apreciação final: 8/10
Edição: Sony, Abril 2005
Género: Cantautor/Pop-Rock







O décimo terceiro álbum de estúdio da carreira do Boss marca o regresso do compositor a um formato mais intimista e que reduz as canções à condição minimalista das raízes do rock e da folk americana. Como noutros lances do seu percurso artístico, Springsteen optou por um registo mais sombrio e meditativo, dando forma a uma narrativa de pequenas histórias, musicadas na melancolia das cordas de uma guitarra. As palavras alinhadas em Devils & Dust são um seguro evocatório de universos paralelos da emoção, num registo que se transfigura destramente das formas suaves e luminosas de esperança à assunção do desespero e da solidão. A coesão das letras é secundada pelo esquivo fulgor da música, essencialmente acústica, num alinhamento onde convivem pacificamente os paradoxos da substância humana. Há em "Devils & Dust" ecos do clássico "Nebraska" (1982), ou mesmo de "The Ghost of Tom Joad" (1995), no método circunspecto e na convocação de uma atmosfera espessa de sentimentos que se movem na fronteira entre o malogro e a esperança. A ausência da guitarra eléctrica pode decepcionar os admiradores da exuberância do rock de Springsteen com a E Street Band, mas o propósito maior de Devils & Dust é diverso: trautear serenamente trechos da vida real e fazê-los vingar na intimidade do suave embalo das cordas de uma guitarra e de uma voz cava.

Devils & Dust é o melhor álbum de Bruce Springsteen nos últimos anos e representa a afirmação humanista da alegoria política de uma América (e de um mundo) de axiologia falida. Springsteen integra a diminuta classe de intérpretes que, com mestria, invocam a humaninade dentro de nós e fá-lo de um jeito imediato e tocante. Se a mácula de Devils & Dust é não ser inovador, a sua força motriz reside na afinidade com as raízes da música americana e na recuperação de um legado que confirma Springsteen como membro da mais distinta estirpe de compositores ("Matamoros Bank" é uma das melhores baladas folk de sempre). Um diamante altamente recomendável.

As famosas ovelhas luminosas

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Título: As famosas ovelhas luminosas
Autor: Carla Maio
Fonte: 1000Imagens

quinta-feira, 28 de abril de 2005

Hot Hot Heat - Elevator

Apreciação final: 6/10
Edição: Sire, Abril 2005
Género: Indie Rock








As ondas rock germinadas no Canadá, pátria mãe de alguns dos mais profícuos projectos indie dos últimos tempos, têm nos Hot Hot Heat um manifesto paradoxal: vão eles atrás da tendência recente do rock canadiano ou são apenas marionetas desorientadas em exame do seu próprio som? Se a proposta deste Elevator tenta ser um arremedo aliterante do disco dos Franz Ferdinand, ficando descaradamente aquém no magnetismo da escrita e nas deambulações criativas, a banda não parece ter conseguido disfarçar a ausência do guitarrista Dante DeCaro nem uma certa indefinição de objectivos. Afinal, uma escuta atenta de Elevator destapa um disco vago e indeciso, sem a precisão do antecessor Make Up The Breakdown. Perceber a destreza de temas como "Dirty Mouth", "Island Of The Honest Man", "Running Out of Time" ou a soberba "You Owe Me An IOU", os pontos altos de Elevator, e não encontrar semelhantes no alinhamento difuso do álbum é a falácia maior deste trabalho.

Elevator não é despiciendo mas fica para cá da promessa do registo anterior do colectivo canadiano, não conseguindo encobrir uma certa desunião e incompletude. Também dá a conhecer uma inquietante constatação: não há nada simulado na música dos Hot Hot Heat...mas também nada há de florescente. Na escola destes rapazes existem definitivamente melhores alunos. Ainda assim, Elevator mostra uma de duas coisas: ou os HHH não são tão virtuosos como prometiam ou a notoriedade do disco anterior os fez negligentes. Em qualquer dos casos, perde o rock.

Tarwater - The Needle Was Travelling

Apreciação final: 7/10
Edição: Morr Music, Março 2005
Género: Pós-Rock/Electrónica Experimental/Indie Rock







Os alemães Bernd Jestram e Ronald Lippok (To Rococo Rot) desenharam o projecto pós-rock Tarwater e alvitram, no quinto registo da sua carreira, texturas sónicas suculentas, marcadas pela presença de guitarras cristalinas, elementos electrónicos espaciais e vocalizações melífluas. As fatais comparações com os To Rococo Rot são prontamente vencidas pelo imediatismo das composições de The Needle Was Travelling, onde vinga uma certa opulência vanguardista que suporta o tom melodioso e acústico do disco. A junção electrónico-acústica deste registo reduz o peso dos computadores, tão notado em trabalhos anteriores, e funciona com primor em persistente apelo à redescoberta de cada nota do álbum. Pleno de urbanidade, feito de histórias do quotidiano e abeirando-se inteligentemente de um tom motejador, The Needle Was Travelling faz sofisticada psicologia sonora e esgueira-se habilmente a redutoras tipificações.

Melodias garbosas, letras rectas, inflexões ponderadas e batidas sincopadas compõem The Needle Was Travelling. A única ressalva: a tendência repicada de algumas faixas e o acento monocórdico da voz de Lippok podem resvalar, em ouvidos menos treinados, para a monotonia. Domados esses laivos de deslustre, o disco é conceptual e assume-se como uma narrativa audaz e apurada de instantes ligeiramente sombrios, quase nocturnos, e que deve ser descoberto pausadamente, até se lhe perceberem os distintos méritos que se ocultam na intrincada matiz das composições.

quarta-feira, 27 de abril de 2005

Banhante no bosque

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Camile Pissarro, 1895

Nova colaboração

A partir de hoje, o apARTES conta com mais uma colaborador.

Desta vez, saúda-se uma participação feminina, a Joaninha Voa Voa, que aqui nos deixará, com a regularidade possível, as suas sugestões e opiniões sobre o fenómeno das artes.

Bem-vinda, Joaninha Voa Voa.

Aproveito também a oportunidade para agradecer a todos os que têm visitado este espaço e contribuído para a sua divulgação. O meu sincero agradecimento.

Antes do anoitecer

Há nove anos atrás, recordo-me de ter visto um filme, que inevitavelmente acabou por representar um marco no meu universo cinematográfico de adolescente e que, por essa razão, se tornou um filme de culto entre os meus amigos, tendo juntos partilhado conversas e recordações, inspiradas na história de duas personagens que se conhecem em Viena, no meio de um Inter Rail e que, vivem uma história de amor, durante um dia. Este filme é o belo "Before Sunrise".

Confesso que, quando soube do lançamento do novo filme de Richard Linklater, fiquei um pouco apreensiva.Isto porque já tinha fantasiado tanto sobre o final da história, que não sabia se seria justo desfazer todas as imagens construídas, até então.Pensava não conseguir imaginar que tipo de sucessão poderia seguir-se, sem estragar a incerteza de um possível encontro, que ficara no ar e pairou na cabeça de tantos espectadores. Até que resolvi não adiar mais e hoje descobri o que se seguiu: "Before Sunset".

Apenas vos posso dizer que, na minha opinião, o filme é de uma fidelidade à vida estonteante.A história sustenta-se, novamente, nas 2 personagens interpretadas por Ethan Hawke e Julie Delpy, actores que se entregam ao argumento com uma sinceridade absolutamente notável. O filme é comovente, uma fonte de reflexão sobre os relacionamentos da actualidade, as nossas expectativas, ansiedades e inquietudes. Uma vez mais, as 2 personagens encontram-se num cenário romântico europeu, conduzindo o espectador num diálogo, quase espontâneo, onde a condição humana é questionada, de forma excitante, complexa e, ao mesmo tempo, inteiramente generosa.

Como na vida, no final deste filme, ficamos também a pensar como teria sido, se...ou como será...
A não perder!

Vitalic - OK Cowboy

Apreciação final: 8/10
Edição: Different Recordings, Abril 2005
Género: Techno Experimental







Pascal Arbez é o obreiro do projecto francês Vitalic. Ok Cowboy é o primeiro longa duração do músico e produtor e esquadrinha com minúcia o universo da electrónica techno, captando as eufóricas formas das suas performances ao vivo, onde o músico combina com acuidade a exuberância das texturas que escreve com a atmosfera festiva que lhes incute. Profundamente equilibrado e com perfeita noção de ritmo, Ok Cowboy é um tomo de composições modernas e que definem um traço idiossincrático inconfundível e que, merecendo a exposição generalizada, consagrarão Arbez como um dos nomes mais relevantes da cena electrónica actual. A precisão mecânica deste trabalho ajuda à criação de uma atmosfera oscilante e variada, sempre pautada por batidas firmes e pela inclusão de ruídos sintéticos sumptuosos. Em termos orgânicos, o álbum consegue a rara façanha de ser hiperactivo sem perder o tacto da proporção.

Ok Cowboy é um acto sublime da electrónica, uma referência obrigatória para este ano, para fãs de techno e todos os melómanos com abertura de espírito lata o suficiente para aceitar uma experiência inédita. Se este texto não chega para afiançar a qualidade deste trabalho, talvez a memória de John Peel ajude: o afamado radialista, pouco antes do falecimento, havia convidado Vitalic para uma das suas famosas sessões...É preciso dizer mais?

Posto de escutaSítio oficial

Porcupine Tree - Deadwing

Apreciação final: 6/10
Edição: Lava Records, Abril 2005
Género: Rock Progressivo/Rock Experimental







A regra dos Porcupine Tree é usar o formato rock progressivo como matriz inspiradora e daí derivar para instantes que bifurcam, a espaços, em ápices mais pesados e em momentos mais melodiosos e cadenciados. O oitavo trabalho da banda é devoto desse património sónico e serve o propósito de apresentar um conceito rock maduro, revelador da vivência de estrada do colectivo britânico. Ainda assim, se os últimos discos dos Porcupine Tree apontavam para uma abordagem mais pop, este "Deadwing" exibe uma certa indefinição que, vertida em composições medianas, é o testemunho incontestável de que a banda se encontra numa encruzilhada, dividida entre o seu passado progressivo, à la Pink Floyd, e o registo presente, condenado a melodias directas.

Deadwing é uma amálgama redundante que contém lampejos atmosféricos do tom pretérito do grupo, afinal o seu selo distintivo, e os funde, em certos lances, com a rudimentar influência dos clichés metal alternativo. Difícil mesmo é escapar à monotonia do álbum, prova última da indolência dos Porcupine Tree que parecem rendidos à vã condição de auto-plagiadores, sem ousarem desviar a marcha no sentido de ideias novas.

Sem título

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Título: Sem título
Autor: Carlos Carreto
Fonte: 1000 Imagens


Boa composição; belas cores.

terça-feira, 26 de abril de 2005

O triunfo da morte

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Jan Bruegel, óleo, 1562

11 rapidinhas


Dälek-Absence (7/10)
Hip-Hop vanguardista e experimental que recorre a fórmulas simples de batidas electrónicas e aproximações aos som abstracto do rock industrial, num tom idêntico a Mike Ladd.
(Ipecac, Setembro 2004)







SMADJ - Take It and Drive (6/10)
O tunisino Jean Pierre Smadja é um dos expoentes da música sufi moderna, um dos percursores árabes da guitarra e apresenta, neste trabalho, a alma das suas raízes, apimentada com uma boa dose de experimentalismo vocal e com o eclectismo de padrões sonoros que buscam o improviso do jazz e dos samples, num tomo de composições adornada pela electrónica.
(Sterns Music, Abril 2004)





Evil Nine - You Can Be Special Too (6/10)
Tom Beaufoy e Pat Pardy trazem-nos uma mistura única de hip-hop, electro-rock 80's e techno cuja frescura cativa na primeira audição mas não agarrará ouvintes além da festa de garagem do vizinho do lado.
(Marine Parade, Outubro 2004)







The Impossible Shapes - Horus (6/10)
Rock contemplativo e compassado onde o protagonismo maior é assumido pelas notas trémulas da guitarra, a percussão minimalista e a voz cinzenta de Chris Barth, numa receita que combina a tradição folk do Reino Unido com texturas subliminaramente psicadélicas e melódicas.
(Secretly Canadian, Fevereiro 2005)






The Raveonettes - Pretty In Black (7/10)
Terceiro registo da dupla Sune Rose Wagner (guitarra e voz) e Sharin Foo (baixo e voz), Pretty In Black revela uma abordagem menos rock e mais indie, ainda que o road-rock nostálgico preencha o imaginário do disco com a eficácia habitual da parelha dinamarquesa.
(Sony, Maio 2005)





Pink Martini - Hang On Little Tomato (7/10)
Depois da fama com "Je ne veux pas travailler" (do anúncio da Citroën) os Pink Martini regressam com a enérgica e abrangente matriz do primeiro álbum: uma mistura tentadora de jazz latino com tramas de pop orquestral e vocalizações versáteis em espanhol, italiano, francês, servo-croata e inglês. O paradoxo (ou não?): é ligeiro de mais para ser levado a sério e, simultaneamente, sério de mais para ser uma brincadeira jazz.
(Heinz, Outubro 2004)







Mike Ladd - Negrophilia: The Album (8/10)
Registo ambicioso e transversal, percorre as raízes do jazz e da cultura negra, cruzando-as com um ambiente étnico, quase tribalista, onde a genuína consciência hip-hop é o acento proparoxítono de percussões soberbas e composições sem limites de soberba inventividade.
(Thirsty Ear, Fevereiro 2005)






Katia B - Só Deixo Meu Coração Na Mão De Quem Pode (7/10)
Segundo álbum de uma das mensageiras da nova MPB, na linha de Fernanda Abreu, em discurso directo que serve às mil maravilhas o preceito de pop madura da proposta. Nova música brasileira que busca as raízes da bossa nova e as enfeita nos ritmos sensuais do trip hop.
(MCD, Novembro 2003)







Readymade - All The Plans Resting (6/10)
Terceiro álbum do quinteto canadiano, em jeito de comemoração do décimo aniversário da banda, mostra um som demorado e melancólico, em perspectivas caleidoscópicas que misturam a voz, as cordas e o ruído ambiental com consistência mas sem escapar ao incómodo de uma certa monotonia.
(Where Are My Records, Abril 2005)





Mudvayne - Lost And Found (4/10)
Nu metal de consumo rápido e baseado em lugares comuns com conteúdos líricos do tipo ninguém-me-entende, ainda mais estafados do que a paciência para ouvir o grupo de Illinois.
(Epic, Abril 2005)








Jane Birkin - Rendez-vous (5/10)
A sussurrante voz que acompanhava Gainsbourg na erótica "Je T'Aime...Moi Non Plus" (1969) propõe-nos uma colecção de duetos com gente célebre (Etiénne Daho, Caetano Veloso, Feist, Manu Chao, Françoise Hardy e Polo Conte figuram aqui) que mais não faz do que recordar que Birkin existe.
(EMI, Junho 2004)


Learning To Fly



Título: Learning to fly
Autor: Nélio Freitas
Fonte: 1000Imagens


Excelente macro.

sexta-feira, 22 de abril de 2005

Amos Lee

Apreciação final: 8/10
Edição: Blue Note, Março 2005
Género: Cantautor/R&B/Soul







Natural de Filadélfia, Amos Lee é porta-voz de uma sonoridade que redimensiona a pop a estruturas mais orgânicas e aderentes a uma abordagem romântica da música que escapa aos lugares comuns mais lamentosos e se mostra plena de maturidade e respeitadora da tradição do R&B, do gospel e da soul. A voz mestiça de Lee dá corpo às composições cadenciadas do compositor americano, esquadrinhando sentimentos com a fina compunção da devoção. A toada polida do registo é a asseveração maior de uma intimidade irresistível desde o primeiro instante, a fazer lembrar os modos de Bill Withers ou Norah Jones (dá uma ajuda ao piano na primeira faixa do disco).

Amos Lee é o primeiro trabalho da mais recente descoberta da Blue Note e premeia uma voz daquelas que se conservam perpetuamente na memória. Em termos instrumentais, as pautas são urdidas à viola, ao bandolim e ao violoncelo, a que se juntam as normais cascatas guitarra/bateria que gentilmente acolhem a voz sublime de Lee. As composições, leves ao primeiro contacto, demonstram uma imprevista maturidade e têm o condão mágico de apaixonar o mais duro dos ouvidos. Além disso, as canções aprovam Amos Lee como artífice de aptidões inatas, capaz de moldar instantes únicos e que perduram nos tímpanos, em audições repetidas, com um redobrado aprazimento. Um disco imperdível.

Idlewild - Warnings/Promises

Apreciação final: 6/10
Edição: Parlophone, Abril 2005
Género: Indie Pop







Os escoceses Idlewild cada vez mais se avizinham de um registo declaradamente pop, em tons que mascaram inteligentemente o preito à herança musical dos R.E.M.. A mais recente proposta do colectivo de Edimburgo é divisora de juízos: se os indefectíveis da banda não escaparão à nostálgica frustração de ver quase perdida a costumeira fórmula de riffs de guitarra sucessivos, ainda que se mantenham os refrões directos, os desconhecedores da tradição musical do grupo vão descobrir uma banda pop de méritos instantâneos que renegou grande parte do seu passado artístico. Warnings/Promises é um tomo de composições aparentemente em busca de um rumo perdido, vogando num revoltoso mar de conceitos sónicos imiscíveis e que os Idlewild tentam estoicamente juntar sem sucesso.

É verdade que há ápices relevantes no disco, breves instantes em que a banda puxa por si mesma até ao limite da sua generosidade, que, afinal, se revelam paus de dois bicos. Por um lado, Warnings/Promises expõe a sinceridade musical da proposta dos Idlewild mas, por outro, denuncia a frágil condição de refém a que a banda se votou quando se escusou à tarefa de firmar o seu próprio cunho, ao invés de trasladar a assinatura das suas referências. Definitivamente, este é o álbum mais radio friendly dos Idlewild e talvez os leve a públicos mais extensos. Seria isso que queriam?

quarta-feira, 20 de abril de 2005

10 rapidinhas



Mortiis - The Grudge (6/10)
O místico norueguês está de volta com a habitual receita agregadora de texturas caóticas do black metal e de assombradas melodias de sintetizador, num estilo cada vez mais trasladado de Marilyn Manson.
(Earache, Outubro 2004)







American Hi-Fi - Hearts On Parade (3/10)
Rock orelhudo sem substância com riffs de guitarra directos e refrões feitos de lugares comuns, para agradar simultaneamente a gregos e troianos, sem noção de compromisso.
(Maverick, Abril 2005)







Lamb of God - Burn The Priest (6/10)
Re-edição do primeiro disco do colectivo americano, anterior à mudança de nome (os rapazes chamavam-se Burn The Priest) apresenta um som mais cru do que as edições recentes, sem espaço para as melodias, num registo puro de trash e death metal.
(Epic, Março 2005)







Mylo - Destroy Rock'n'roll (6/10)
Electrónica da Escócia e vizinha do género chill-out a puxar as memórias dos 80's sem colagens a um estilo definido e que se apresenta como a "resposta britânica aos Royksopp".
(Breast Fed, Março 2004)





Mobius Band - City vs. Country (EP) (6/10)
Registo de composições electro-rock com orgânica e versatilidade, aceitando interjeições electrónicas e misturando a sobriedade de uns Interpol com a mecânica dos Postal Service.
(Ghostly International, Março 2005)







Lila Downs - Tree of Life (7/10)
Filha de um americano, a mexicana Lila Downs escreve canções que incorporam, de jeito gracioso, a tradição da música indígena do seu país com
a sonoridade da América do Norte e do resto da América Latina.
(Narada, Setembro 2000)







Manitoba - Up In Flames (8/10)
O canadiano Dan Snaith (o nome por detrás de Manitoba) propõe um disco conceptual de pop curiosa, onde se misturam com engenho alguns conceitos de electrónica, com vistas largas para o futuro, sem negar a atracção psicadélica pelos 60's.
(Domino, Abril 2003)







Brooke Valentine - Chain Letter (6/10)
Álbum promissor de estreia de uma texana que, além de insinuar as suas sedutoras curvas, infunde uma invulgar face dura de cultura de ghetto em composições que se dividem entre o R&B dançável e as baladas choradinhas.
(Virgin, Março 2005)







PMMP - Kovemmat Kädet (7/10)
Proposta de um dueto feminino que desbrava os terrenos do pop-rock com uma visão fresca e irreverente a que o canto em finlandês acrescenta um efeito surpresa revigorante.
(Sony, 2005)





Lisa Marie Presley - Now What (7/10)
Possuidora dos genes do Rei, a Lisa Marie falta o génio das grandes obras - mesmo com a ajuda de Linda Perry (ex-4 Non Blondes) que produz os temas mais melódicos do disco - embora se apresente aqui num registo talentoso, mais duro e com conteúdos líricos quase profanos (na versão não censurada do disco).
Capitol, Abril 2005)

terça-feira, 19 de abril de 2005

The Books - Lost And Safe

Apreciação final: 8/10
Edição: Tomlab, Abril 2005
Género: Pós-Rock/Electrónica experimental







O terceiro registo dos nova-iorquinos The Books inaugura um estilo novo para o dueto norte americano, onde a voz (Nick Zammuto) aceita um compromisso maior. As vocalizações desformadas encaixam numa orgânica apurada, feita de guitarras eléctricas tratadas que se repetem em trejeitos minimalistas apetecíveis. As mudanças recorrentes na textura das composições rearmam persistentemente a estrutura ambígua de um disco que se transfigura da musicalidade da spoken word ao eclectismo do experimentalismo electrónico. A intervenção anfibológica dos samples não perturba o charme do discurso, antes promove afinadas sinergias que, por serem autênticas, parecem o desfecho lógico da contingente e feliz genuinidade de um encontro ocasional. E a música dos The Books é isso mesmo, é verosímil no seu não-planeamento e na simetria de elementos aparentemente incongruentes. Raramente um disco com samples consegue a integridade de Lost And Safe.

Definir Lost And Safe é ser inevitavelmente redutor; o capricho dos The Books é, neste trabalho, trocado por um registo mais directo e que investiga a face crua do som, moldando-a com a volubilidade da electrónica. A isso acrescem os conteúdos líricos do disco, em motejo cíclico do modo de vida americano e que De Jong e Zammuto resumem num aforismo irónico: "I want all of the American people to understand that it is understandable that the American people cannot possibly understand.” Agora nós?

Alasdair Roberts - No Earthly Man

Apreciação final: 7/10
Edição: Drag City, Março 2005
Género: Tradicional/Cantautor/Indie Rock







O escocês Alasdair Roberts é um protegido de Will Oldham (a.k.a. Bonnie "Prince" Billy), desde que este o descobriu, em 1996, num ensemble folk britânico, os Appendix Out. Neste registo, com produção a cargo de Oldham, Roberts celebra as memórias musicais da Escócia, deixando-se contagiar pelo tom solitário e sombrio dos cantos melancólicos de oito peças tradicionais do seu país natal. Sugeridos na feição de trovas medievas e lamentosas, os relatos cantados de estórias de amor, de traição e de morte assumem uma primorosa simplicidade e percorrem, com lata sensibilidade, o espectro dramático do sentimento humano. A nota de destrinça de No Earthly Man é a autenticidade do registo sónico, com uma produção de fino recorte e composições francas que fazem a ponte entre os recortes lacónicos de um tempo remoto, em que a morte passeava pelas ruas, e a urbanidade das texturas hodiernas, sem macular a herança musical da Escócia.

No Earthly Man é um documento envolvente, dispensa artifícios de estúdio e converte, na candura do som mínimo, com raro tacto, o assombro de cançonetas de estórias cruéis em tocantes peças de embalo.

segunda-feira, 18 de abril de 2005

Out Hud - Let Us Never Speak Of It Again

Apreciação final: 7/10
Edição: Kranky, Março 2005
Género: Electrónica Alternativa







O segundo trabalho dos californianos Out Hud, colectivo onde figuram três elementos dos !!! e que se move no universo indefinido do dance-punk, aceita repercussões do disco sound. A abordagem é um pouco mais electrónica do que no trabalho de estreia, ajudando à definição de uma sonoridade viçosa. A isso também não é indiferente o protagonismo vocal assumido pelos elementos femininos do grupo, a baterista Phyllis Forbes e a violoncelista Molly Schnick, que puxam o som do grupo para um registo mais pop. A mecânica instrumental e a produção fazem o resto, compondo um disco intuitivamente dançável; entre a libertação libidinosa das batidas e o devaneio asinino das letras, a convocação irresistível ao saracoteio das ancas parte de ângulos electrónicos em direcção a desafios sónicos revigorantes.

A destreza elástica da escrita dos Out Hud tem uma dimensão complexa e desembaraça-se habilmente de convencionalismos castradores, produzindo uma tensão enérgica e hipnótica que, com delicada afeição, compõe um espaço sónico entretido fundado no pós-punk e na pop dos anos 80 e onde o fino travo house se funde com um suave timbre dance club.

Prefuse 73 - Surrounded By Silence

Apreciação final: 6/10
Edição: Warp, Março 2005
Género: Rap Underground/Experimental/Techno Ambiental






Scott Herren é o produtor hip-hop por detrás do pseudónimo Prefuse 73. Nesta edição, o terceiro trabalho sob este nome, mantém-se a premissa requintada dos registos anteriores: promover a reinvenção do rap underground pela via do abeiramento a sonoridades techno. O tom prolífico deste Surrounded By Silence permite interpretações díspares. Se por um lado, sublinha a espessura das composições de Herren, por outro, pinta em relevo uma certa inconsistência criativa que joga em seu desfavor. Ainda assim, o mérito maior de Surrounded By Silence é a potência anti-fronteiras, num cortejo de temas variados que, afinal, são a prova última de duas coisas de idêntico valimento: a alucinada propensão de Herren para a inspiração ou a inclinação inopinada de revisitar a etologia do hip hop.

A atmosfera do disco é de luxúria instrumental, uma espécie de staccato que incorpora sabiamente os samples, os orgãos e os instrumentos de sopro em texturas capazes de mudar, com análoga competência, da toada experimental ou ambiental para o registo irreverente do underground rap. A proposta é tentadora mas o encargo temerário de aglutinar vários espaços sónicos, sejam eles exógenos (a colaboração neste disco dos The Books, El-P, Ghostface, Aesop Rock, Broadcast, RZA, Beans e dos mexicanos Café Tacuba é o ingrediente) ou façam parte do portfolio de Herren, é processo espinhoso. E se, no decurso dessa tarefa articulatória, Herren escreve pedaços de méritos inegáveis não é menos certo o enfado que deriva da exposição a um demorado desfile de vinte e uma faixas.

quinta-feira, 14 de abril de 2005

Dogville

Apreciação final: 8/10
Realização: Lars Von Trier
Edição: 2003
Género: Drama



Trabalho excelso de Lars Von Trier, Dogville é uma fita inquietante que expõe, de jeito cru, a aleivosa condição da humanidade, a tentação do abuso que se encobre por detrás dos princípios morais da sociedade conservadora dos Estados Unidos, no tempo da Grande Depressão. Grace (Nicole Kidman) é uma bela fugitiva que encontra refúgio na rústica comunidade isolada das Montanhas Rochosas que serve de título ao filme. Com o apoio de Tom (Paul Bettany), o auto-proclamado líder intelectual da aldeia, Grace convence as gentes da terra a esconderem-na dos gangsters que a perseguem, em troca de horas de trabalho diário em prol da comunidade. Contudo, a cada dia, as exigências multiplicam-se...

Dogville parte de uma mise-en-scéne invulgar, inteiramente filmada em estúdio e recorrendo a cenários minimalistas que trazem à memória a visão despida de Brecht. No fundo, o dinamarquês Lars Von Trier constrói uma magnífica parábola na forma de peça de teatro, narrada brilhantemente por John Hurt. As casas de Dogville e a rua central (Elm Street) são incorpóreas, resumem-se a esparsos objectos de mobília, portas e pinturas no chão, expondo a exacta natureza dos habitantes e compondo um espaço quase intemporal onde o espectador projecta os mais variados mitos simbólicos. Da desmontagem das máscaras de Dogville deriva uma velada reflexão sobre a sociedade americana e as repercussões das políticas sociais, da corrupção e da violência. A esse propósito, a fotomontagem que encerra o filme, acompanhada pela canção "Young Americans" de Bowie, é um epílogo de ironia infalível.

Como produto cinematográfico, Dogville expõe os actores ao limite do risco, impelindo-os a uma técnica de representação que obriga à figuração mental dos cenários. O desenho e composição das personagens de Kidman (simultaneamente emotiva e glacial), Harriet Andersson, Lauren Bacall, Bettany, e demais actores, é de nível soberbo. O enredo, apesar da extensão do filme (178 minutos), não tem momentos de enfado, remexe recorrentemente a consciência do espectador, confrontado-o com alegorias dos medos ocultos que guarda de si mesmo. A realização de Von Trier amolda-se ao feitio dramatúrgico do enredo, a câmara é apenas um agente subsidiário dos actores, não se insinua, reserva-se a um voyeurismo secundário que, por fim, força o espectador à desassossegadora incumbência de testemunhar de perto a série de eventos.

Dogville é uma experiência abstracta de cinema inovador, assente em representações supremas e num argumento inteligente onde o drama do abuso de poder, a tortura psicológica e a depravação do humanismo sob a capa dos bons costumes são os preceitos. A convicção descrente de Lars Von Trier sai reforçada pela moral da história, projectada no desfecho da bela Grace: a pureza vencida pelo suplício. Dogville é uma lição de vida inesquecível e altamente recomendável.

Amanhã posso estar longe

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Romare Bearden, 1967

6 rapidinhas



Hammock - Kenotic (7/10)
Projecto de electrónica ambiente fundida com suaves atmosferas de guitarras pós-rock, em desafios permanentes ao ouvinte que o incitam a deixar-se levar pelo embalo hipnótico de uma escrita vívida e melancolicamente apaixonada (leia-se tipo Sigur Rós).
(HMK, Março 2005)





V/A - Verve Remixed 3 (5/10)
Terceiro volume da colecção de remixes do catálogo jazz da Verve por artistas reputados da electrónica, Verve Remixed 3 divide méritos em prejuízo da consistência: se há temas que atingem um nível alto, sem desvirtuarem excessivamente o original (a versão de "Speak Low" de Billie Holiday, a cargo dos Bent, é um exemplo), outros há que se divorciam de um tal jeito que perdem os vestígios da obra-mãe.
Verve, Abril 2005






Daedelus - Exquisite Corpse (7/10)
Electrónica quase sinfónica a chamar o imaginário do cinema dos anos 40, com fragmentos subliminares de bossa nova e pós-rock, emparelhados com um fino travo de experimentalismo e uma justa aproximação vocal à atmosfera hip-hop.
(Mush, Março 2005)






William Elliot Whitmore - Ashes To Dust(7/10)
Blues, Gospel, Country e Folk são sinónimos da tradição musical americana mais profunda de que a voz cava de William Elliot Whitmore e a tendência de sedução minimalista das suas canções são aptos mensageiros.
(Southern, Fevereiro 2005)






Copeland - In Motion (4/10)
Rock mainstream sem nada de especialmente inovador e que resvala para a mediocridade do canto choradinho onde nem sequer falta a inevitável balada de piano.
(Militia, Março 2005)






Heikki - 2 (7/10)
Pop alternativa feita de novas sonoridades em desprezo pelo conservadorismo das convenções, 2 é uma experiência gratificante, de tons invulgares, de um duo sueco (as vozes em côro preenchem as composições) que se move com fluidez na descoberta de caminhos alternativos para a pop.
(Magic Marker, Setembro 2004)



quarta-feira, 13 de abril de 2005

Redondo

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Elaine de Kooning, 1960

Fantômas - Suspended Animation

Apreciação final: 8/10
Edição: Ipecac, Março 2005
Género: Metal Experimental







O anterior registo dos Fantômas, Delirium Cordia (2004), era uma extravagância ominosa de metal experimental, com uma única faixa de 74 minutos e virava do avesso a consciência do auditor, expondo-o à atmosfera sombria dos filmes de terror e à grotesca face negra do medo. Pois bem, o super-grupo liderado por Mike Patton está de volta. Ao longo de trinta faixas, intituladas segundo os dias de Abril, Patton, Osborne, Dunn e Lombardo promovem uma ousada (des)construção do universo dos desenhos animados, através de uma re-intrepretação do legado dos lendários compositores dos cartoons da Warner, Carl Stalling, Milt Franklin, Raymond Scott e dos efeitos sonoros de Treg Brown. Suspended Animation integra alguns samples antigos dos Looney Tunes que servem de pretexto à catarse macabra e negra dos Fantômas. Partindo daí, as composições fazem colagens onomatopaicas que juntam o timbre encantatório das animações à excêntrica e intrincada demência sónica típica dos Fantômas, com as vocalizações indecifráveis de Patton, os acordes triturantes de Osborne, o baixo assombroso de Dunn e a frenética percussão de Lombardo. A esta combinação improvável, afinal o elemento magnetizador do disco, acresce a aptidão pragmática do quarteto para metamorfosear abruptamente o seu registo, variando das texturas evocativas e ambientais para o speed metal ou o jazz.

Suspended Animation é uma edição desarmante, um exercício contorcionista de aglutinação de géneros, uma visão polissémica do conceito música. Aparentemente desconexo e caótico, o álbum mantém uma incomum coerência orgânica, num estilo bizarro, semelhante a Fantômas (1999), mas com ideias remoçadas. Suspended Animation é um oxímoro que mistura candura e insanidade, um registo imperdível para os amantes da imprevisibilidade na música e do cada vez mais confirmado génio louco de Mike Patton.