segunda-feira, 4 de abril de 2005

Beck - Guero

Apreciação final: 7/10
Edição: Interscope, Março 2005
Género: Pop-Rock Alternativo







O californiano Beck Hansen é um ícone da comunidade alternativa cujas referências musicais se desdobram em espectros caleidoscópicos que percorrem, com idêntico engenho e propriedade, os universos do rock, da pop, do hip-hop, da country, do jazz, do funk e dos blues. A estes cenários juntam-se os fragmentos inventivos que Beck infunde na escrita, tornando-a imprevisível, também vibrante, na promoção de um género musical livre de tipificações ou preconceitos e que, catalisando sinergias entre estilos musicais aparentemente inconciliáveis, define uma identidade sónica maior. Este é o estatuto âncora de Beck, simultaneamente lisonjeiro e responsabilizador, construído com discos-referência como Mellow Gold (1994) ou Odelay (1996), colocando a fasquia da exigência a níveis arriscados e que fazem dos seus lançamentos discográficos casos descomedidamente mediáticos e pontos de mira para a crítica especializada. Três anos depois do acústico e íntimo Sea Change, onde a guitarra era a companheira fiel da voz, Beck traz-nos Guero, um registo que, contando com a produção dos Dust Brothers, se abeira da fórmula de sucesso de Odelay. Guero assemelha-se a uma revisitação da estética artesanal de fusão de géneros que celebrizou Beck e que, afinal, é o formato onde a elasticidade criativa do músico melhor respira. Não se trata de um registo tão surpreendente e revigorante como Odelay, ainda que o cunho distinto de Beck preencha as treze faixas do disco, com a serena maturidade de trintão a ocupar o posto da irreverência desafiante dos vinte anos. A isso se deve a maturidade de Guero, um disco de canções versáteis que se valem do arsenal inventor de Beck e resgatam a quintessência do seu património artístico. Mas, para alguém cujo propósito inconformista é o dogma primaz, Beck refreou o ímpeto renovador, optando por amparar-se em passadas seguras por caminhos experimentados antes ao invés de sondar os terrenos bravios da inovação. E num músico como Beck o retraimento calculista é sinónimo de conformismo.

Guero é uma tragicomédia equilibrada e inteligente, um retrato existencial onde se cruzam os destinos de amores perdidos e más fortunas, aqui e ali com um subliminar toque latino, mas onde a ciência esquizofrénica de Beck parece agrilhoada e se resume a um punhado de colagens nostálgicas. "E-Pro", o single rock de avanço deste trabalho e também o tema mais radio-friendly, é uma espécie de reciclagem de "Loser" ou "Novocain", partindo de riffs de guitarra e batidas fortes e culminando num refrão orelhudo. Em "Qué Onda, Guero", "Hell, Yeah" e "Farewell Ride" as incursões ao universo hip-hop marcam pontos. Depois, há sinais de brasilidade nas percussões de "Missing" e "Earthquake Weather", preenchidas com ornatos orquestrais de bom nível. "Broken Drum" é tipicamente Beck e pisca o olho às modernas tendências do rock. A super-produzida "Scarecrow" é uma deliciosa reconversão do folk americano, essencialmente acústica, em oposição a "Rental Car" ou "Emergency Exit", as composições com mais quilos, quer pelo recurso às distorções quer pelo chamamento de vocalizações mais psicadélicas.
Em suma, Guero é um trabalho ecléctico e de bom nível e não desiludirá os seguidores do percurso de Beck mas fica aquém no fito de fazer renascer a aura genial de Odelay. Mas não seria isso pedir um pouco demais?

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