Apreciação final: 8/10
Realização: Lars Von Trier
Edição: 2003
Género: Drama
Realização: Lars Von Trier
Edição: 2003
Género: Drama
Trabalho excelso de Lars Von Trier, Dogville é uma fita inquietante que expõe, de jeito cru, a aleivosa condição da humanidade, a tentação do abuso que se encobre por detrás dos princípios morais da sociedade conservadora dos Estados Unidos, no tempo da Grande Depressão. Grace (Nicole Kidman) é uma bela fugitiva que encontra refúgio na rústica comunidade isolada das Montanhas Rochosas que serve de título ao filme. Com o apoio de Tom (Paul Bettany), o auto-proclamado líder intelectual da aldeia, Grace convence as gentes da terra a esconderem-na dos gangsters que a perseguem, em troca de horas de trabalho diário em prol da comunidade. Contudo, a cada dia, as exigências multiplicam-se...
Dogville parte de uma mise-en-scéne invulgar, inteiramente filmada em estúdio e recorrendo a cenários minimalistas que trazem à memória a visão despida de Brecht. No fundo, o dinamarquês Lars Von Trier constrói uma magnífica parábola na forma de peça de teatro, narrada brilhantemente por John Hurt. As casas de Dogville e a rua central (Elm Street) são incorpóreas, resumem-se a esparsos objectos de mobília, portas e pinturas no chão, expondo a exacta natureza dos habitantes e compondo um espaço quase intemporal onde o espectador projecta os mais variados mitos simbólicos. Da desmontagem das máscaras de Dogville deriva uma velada reflexão sobre a sociedade americana e as repercussões das políticas sociais, da corrupção e da violência. A esse propósito, a fotomontagem que encerra o filme, acompanhada pela canção "Young Americans" de Bowie, é um epílogo de ironia infalível.
Como produto cinematográfico, Dogville expõe os actores ao limite do risco, impelindo-os a uma técnica de representação que obriga à figuração mental dos cenários. O desenho e composição das personagens de Kidman (simultaneamente emotiva e glacial), Harriet Andersson, Lauren Bacall, Bettany, e demais actores, é de nível soberbo. O enredo, apesar da extensão do filme (178 minutos), não tem momentos de enfado, remexe recorrentemente a consciência do espectador, confrontado-o com alegorias dos medos ocultos que guarda de si mesmo. A realização de Von Trier amolda-se ao feitio dramatúrgico do enredo, a câmara é apenas um agente subsidiário dos actores, não se insinua, reserva-se a um voyeurismo secundário que, por fim, força o espectador à desassossegadora incumbência de testemunhar de perto a série de eventos.
Dogville é uma experiência abstracta de cinema inovador, assente em representações supremas e num argumento inteligente onde o drama do abuso de poder, a tortura psicológica e a depravação do humanismo sob a capa dos bons costumes são os preceitos. A convicção descrente de Lars Von Trier sai reforçada pela moral da história, projectada no desfecho da bela Grace: a pureza vencida pelo suplício. Dogville é uma lição de vida inesquecível e altamente recomendável.
Dogville parte de uma mise-en-scéne invulgar, inteiramente filmada em estúdio e recorrendo a cenários minimalistas que trazem à memória a visão despida de Brecht. No fundo, o dinamarquês Lars Von Trier constrói uma magnífica parábola na forma de peça de teatro, narrada brilhantemente por John Hurt. As casas de Dogville e a rua central (Elm Street) são incorpóreas, resumem-se a esparsos objectos de mobília, portas e pinturas no chão, expondo a exacta natureza dos habitantes e compondo um espaço quase intemporal onde o espectador projecta os mais variados mitos simbólicos. Da desmontagem das máscaras de Dogville deriva uma velada reflexão sobre a sociedade americana e as repercussões das políticas sociais, da corrupção e da violência. A esse propósito, a fotomontagem que encerra o filme, acompanhada pela canção "Young Americans" de Bowie, é um epílogo de ironia infalível.
Como produto cinematográfico, Dogville expõe os actores ao limite do risco, impelindo-os a uma técnica de representação que obriga à figuração mental dos cenários. O desenho e composição das personagens de Kidman (simultaneamente emotiva e glacial), Harriet Andersson, Lauren Bacall, Bettany, e demais actores, é de nível soberbo. O enredo, apesar da extensão do filme (178 minutos), não tem momentos de enfado, remexe recorrentemente a consciência do espectador, confrontado-o com alegorias dos medos ocultos que guarda de si mesmo. A realização de Von Trier amolda-se ao feitio dramatúrgico do enredo, a câmara é apenas um agente subsidiário dos actores, não se insinua, reserva-se a um voyeurismo secundário que, por fim, força o espectador à desassossegadora incumbência de testemunhar de perto a série de eventos.
Dogville é uma experiência abstracta de cinema inovador, assente em representações supremas e num argumento inteligente onde o drama do abuso de poder, a tortura psicológica e a depravação do humanismo sob a capa dos bons costumes são os preceitos. A convicção descrente de Lars Von Trier sai reforçada pela moral da história, projectada no desfecho da bela Grace: a pureza vencida pelo suplício. Dogville é uma lição de vida inesquecível e altamente recomendável.
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