Ao oitavo álbum, não há imprevistos nas melodias dos ingleses High Llamas e isso é uma ilação ambivalente. Eles continuam a assinar uma pop plácida, harmoniosa e sem sobressaltos mas a que parece faltar faísca, coisa particularmente notória neste registo. Esse vício deriva, na essência, do monocordismo vocal de Sean O'Hagan, afinal o nexo de similitude dos trechos do disco, uma vez que a porção instrumental se rege por alguma diversidade tonal e uma dose saudável de inconstância rítmica. Felizmente, num ou noutro ápice de Can Cladders a voz desvia-se do canto cristalizado que se pressente nas primeiras notas e, nesses momentos, as composições revelam abertamente uma elegância pouco percebida. Ainda assim, o conceito estético do álbum demonstra um facto inédito nos High Llamas, a abertura para um assomo de recreação, não apregoado, é certo, mas escondido nas texturas dos trechos (ou entreaberto em "Rollin' ", a faixa mais desembaraçada de todas). No final, a ciência destes britânicos sai aprovada com nota mediana, a que melhor traduz uma trupe de artistas que, se bem que mostre potencial para outras sortes, teima em ser certinha demais.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007
The High Llamas - Can Cladders
Ao oitavo álbum, não há imprevistos nas melodias dos ingleses High Llamas e isso é uma ilação ambivalente. Eles continuam a assinar uma pop plácida, harmoniosa e sem sobressaltos mas a que parece faltar faísca, coisa particularmente notória neste registo. Esse vício deriva, na essência, do monocordismo vocal de Sean O'Hagan, afinal o nexo de similitude dos trechos do disco, uma vez que a porção instrumental se rege por alguma diversidade tonal e uma dose saudável de inconstância rítmica. Felizmente, num ou noutro ápice de Can Cladders a voz desvia-se do canto cristalizado que se pressente nas primeiras notas e, nesses momentos, as composições revelam abertamente uma elegância pouco percebida. Ainda assim, o conceito estético do álbum demonstra um facto inédito nos High Llamas, a abertura para um assomo de recreação, não apregoado, é certo, mas escondido nas texturas dos trechos (ou entreaberto em "Rollin' ", a faixa mais desembaraçada de todas). No final, a ciência destes britânicos sai aprovada com nota mediana, a que melhor traduz uma trupe de artistas que, se bem que mostre potencial para outras sortes, teima em ser certinha demais.
Kaiser Chiefs - Yours Truly, Angry Mob
Depois da frustração, já este ano, da segunda colheita dos conterrâneos Bloc Party, com quem os Kaiser Chiefs haviam dividido o protagonismo de liderança de uma nova leva da pop britânica, temia-se que o desafio do segundo álbum (e as consequentes exigências mediáticas) se tornasse uma cilada para o modelo do quinteto inglês. Yours Truly, Angry Mob está aí para confirmar que, no lugar da efervescente espontaneidade do debute, em que as construções pareciam mais obra de impulsos sem rede do que propriamente de elaborados processos de ponderação técnica, mora agora uma escrita vulgar e de formas previsíveis. Depois, não obstante a largueza musculada das composições, manifestamente pensadas para aventuras em arenas maiores do que as do circuito alternativo, a percepção que sobra da audição do disco é a de um alinhamento feito de colagens de si mesmo, com o patrocínio dos formulismos de consumo rápido mais óbvios e longe dos instantes luminosos da estreia. Ricky Wilson canta, em dado momento do disco, everything is average nowadays. Serve o capuz aos Kaiser Chiefs, também.
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007
Menomena - Friend and Foe
O terceiro álbum dos americanos Menomena promete tirar o trio do anonimato. Nos discos anteriores, eles haviam explorado com alguma segurança, ainda que com a impolidez típica de uma coisa nova, uma determinada forma de malabarismo com as programações numa órbita pop pouco óbvia. Na sequela, a fórmula é relativamente semelhante mas o desfecho é mais consequente e é-o porque, primeiro, as diversas texturas instrumentais demonstram uma aderência maior entre si, reforçando a vivacidade sonora do disco e, depois, porque as programações são um recurso menos utilizado. A maturação de princípios também acontece na voz, claramente mais modular, rumo a uma definição harmónica mais consistente e, consequentemente, a composições mais completas. Além disso, mesmo sem reduzir o espírito militante da abstracção, afinal a essência mais atraente dos primeiros registos, a música dos Menomena ganha em Friend and Foe outras dimensões, ou seja, eles descobriram o ânimo melódico certo para a divagação da sonda exploratória do costume. E com ele veio uma fresca e prazenteira rotação psych-pop.
M. Rosner - Morning Tones
Umas gotas de electrónica aguda e notas soltas de guitarra, em crescendo incerto, abrem o segundo registo do australiano M. Rosner. Não sendo novidade para quem tiver tomado contacto com Alluvial, tomo de debute editado há um par de anos, a fórmula repete-se no novo trabalho e, com ela, Rosner retoma a propensão para um certo experimentalismo minimalista, reunindo o binómio tons digitais-elementos acústicos, quase sempre numa curiosa alternância coloquial. A mistura de Morning Tones recorre a uma paleta de sons pouco convencionais, especialmente na porção digital dos trechos, e isso, aliado à utilização de uma pouco palpável matriz rítmica e à interacção insistente com o silêncio e o vácuo, pode tornar a audição do disco num desafio para ouvintes menos preparados para a experiência. A despeito dessa resistência inicial dos tímpanos, muito própria do contacto com produtos desta estirpe, descobre-se em Morning Tones um estímulo por detrás da muralha de sons processados que, mais do que apenas firmar o computador no estatuto de instrumento emancipado, mostra que ele também pode servir de unidade a retalhos sonoros com outras origens. E o tecido final é, enfim, uma vereda para a meditação.
Scorsese, finalmente...
Foram ontem atribuídos os Óscares do cinema americano e confirmou-se aquilo que se esperava: nenhuma surpresa relevante. Babel, de Iñarritu, e Cartas de Iwo Jima, de Eastwood, passaram ao lado das principais categorias e, no extremo oposto, Martin Scorsese teve, finalmente, a sua noite de consagração. Justíssima a sua designação para melhor realizador do ano com The Departed - Entre Inimigos. Nas categorias performativas individuais, duas construções magníficas, de longe as minhas preferências pessoais do ano, levadas à tela por Helen Mirren (The Queen, A Rainha) e Forest Whitaker (The Last King of Scotland, O Último Rei da Escócia) foram muito justamente distinguidas. O Óscar mais cobiçado da noite premiou The Departed - Entre Inimigos como a fita magna do ano. Confesso que tinha um fraquinho por Little Miss Sunshine, de Jonathan Dayton e Valerie Faris e que também gostei imenso do sublime Letters From Iwo Jima, Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood, mas não deixa de ser justa a escolha da película de Scorsese. Vistas bem as coisas, já era tempo de os senhores da Academia reconhecerem a carreira de um realizador que nos deu obras-primas como Taxi Driver (1976), Raging Bull(1980), Goodfellas (1990) ou Casino (1995). Nas categorias de representação de suporte, Alan Arkin, na pele de um conservador e áspero avô, acabou por ser a bandeira de Little Miss Sunshine na noite, roubando a estatueta a Djimon Hounsou, brilhante em Blood Diamond, Diamante de Sangue. Nas senhoras, Jennifer Hudson (Dreamgirls) era a favorita e ganhou, mas Adriana Barraza e Rinko Kikuchi (ambas em Babel) ou a surpreendente revelação de Abigail Breslin (a minha favorita), a pequenita que enche a tela de Little Miss Sunshine, também mereceriam a distinção. Nas categorias técnicas, o último conto de fadas de Guillermo del Toro (El Laberinto del Fauno, O Labirinto do Fauno) foi agraciado pela Fotografia, Caracterização e pela Direcção Artística. O prémio para o argumento original foi, como não podia deixar de ser, para Michael Arndt, argumentista de Little Miss Sunshine.
Veja a lista completa de premiados, clicando aqui.
Veja a lista completa de premiados, clicando aqui.
sábado, 24 de fevereiro de 2007
Electric Willow - Mood Swing
7/10
Transporte de Animais Vivos
2007
www.myspace.com/
electricwillowband
Já não é facto novo - porque se conhece o seu passado nos Caffeine - mas ainda causa algum arrepio a semelhança de timbre vocal entre Cláudio Mateus e o Lou Reed dos tempos Velvet Underground. É, de resto, indiscutível a influência desse prestimoso legado na música dos Electric Willow, o que não quer dizer que o trio luso se confine a ele como fonte única de inspiração ou formatação. Nesse particular, é notório o crescimento de Mateus como compositor, agora mais destro a moldar o discurso da sua música a um certo desígnio intimista e pessoal, sem prescindir da militância a uma folk qualquer, daqui ou d'além Atlântico. Mais do que meramente buscar o resguardo daquelas influências, coisa que os deixaria perigosamente perto da tentação do recalque, os Electric Willow mostram soluções essencialmente acústicas, arrumadas por uma produção exímia (do melhor que se tem ouvido por estas bandas) e demarcam-se das referências. Mood Swing é, sobretudo, produto de um colectivo maduro e ciente de que um dos melhores prazeres da música está na melodia.
Transporte de Animais Vivos
2007
www.myspace.com/
electricwillowband
Já não é facto novo - porque se conhece o seu passado nos Caffeine - mas ainda causa algum arrepio a semelhança de timbre vocal entre Cláudio Mateus e o Lou Reed dos tempos Velvet Underground. É, de resto, indiscutível a influência desse prestimoso legado na música dos Electric Willow, o que não quer dizer que o trio luso se confine a ele como fonte única de inspiração ou formatação. Nesse particular, é notório o crescimento de Mateus como compositor, agora mais destro a moldar o discurso da sua música a um certo desígnio intimista e pessoal, sem prescindir da militância a uma folk qualquer, daqui ou d'além Atlântico. Mais do que meramente buscar o resguardo daquelas influências, coisa que os deixaria perigosamente perto da tentação do recalque, os Electric Willow mostram soluções essencialmente acústicas, arrumadas por uma produção exímia (do melhor que se tem ouvido por estas bandas) e demarcam-se das referências. Mood Swing é, sobretudo, produto de um colectivo maduro e ciente de que um dos melhores prazeres da música está na melodia.
Deerhunter - Cryptograms
Dizem os dicionários que criptograma é um documento escrito com caracteres secretos e, portanto, de árdua descodificação. A escolha do epíteto para baptizar o primeiro registo do quinteto Deerhunter pela Kranky não vem a despropósito e, escutando atentamente este Cryptograms, notam-se duas identidades no alinhamento e qualquer uma delas com encriptação própria. A metade inicial, de matriz manifestamente menos imediata e espacial, revela uma curiosa perspicácia para incorporar fragmentos da doutrina pós-punk e o fino traço da fantasia electrónica, como nas utopias de Eno, de criatividade vaga e com tendências disformes. No segundo pólo, abre-se a janela pop do colectivo, não no sentido mais óbvio da pop precipitada e rudimentar, antes seguindo os trilhos ensimesmados do shoegaze. As canções tornam-se mais abertas (também mais estruturadas), por oposição a uma certa excentricidade orgânica da outra metade, têm mais voz e menos escapismo electrónico. No final, a bipolarização não é sinónimo de psiques dúbias, nem de acidentes de identidade; pelo contrário, é indício de um colectivo com linguagem própria e que, a despeito de um ou outro delito mínimo e próprio de um código musical lato, espelha apuradamente o alinhamento entre inocência e tensão que, em tempos, fez dos Sonic Youth um símbolo.
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007
Old Jerusalem - The Temple Bell
O muito aguardado regresso de Francisco Silva, hoje por hoje reconhecidamente o melhor cantautor melancólico português, é exactamente aquilo que se esperava que fosse: um alinhamento de canções ordenadas em melodias gentis e que, com desassombro, se assumem confessionais. É esse o credo fundamental do ente Old Jerusalem, enfim existir como plácido sedimento das inclinações emocionais e das derivações irresolutas da mente observante de Francisco. Nesse sentido, The Temple Bell é o cúmplice musicado das contemplações de uma alma cheia de poética, consciente da sua fraqueza e vulnerabilidade e que, esgueirando-se ao mais prosaico jeito de contar (as suas?) histórias, toca o auditor naquilo em que lhe é igual, sem empolamentos: a tangibilidade. E só assim fazem sentido as belíssimas harmonias de Old Jerusalem, tão humildes e pessoais que parecem nossas, tão tímidas a manifestar-se e simultaneamente tão genuínas como uma súplica, sem destinatário concreto, qual oração em busca da mão incerta do divino. Tamanha devoção, com o embalo das cordas e da voz de Old Jerusalem, no jeitinho arenoso da folk íntima da América, transforma-se, afinal, na mais primorosa das serenatas à melancolia.
terça-feira, 20 de fevereiro de 2007
Julie Doiron - Woke Myself Up
Os Eric's Trip já se desuniram há mais de uma década e deles restam apenas reminiscências de um colectivo inventor de alguns momentos inspirados do rock alternativo do Canadá. O percurso de Julie Doiron a solo, depois de ter emprestado voz e baixo aos Eric's Trip, é dominado pela pronúncia acústica e simplicidade. Para as gravações deste Woke Myself Up, Doiron fez-se rodear dos antigos companheiros de estrada, como que tentando resgatar a ciência do colectivo, e isso traz uma achega relevante às texturas minimalistas habituais das suas composições, somando-lhes substância. De toda a maneira, esse acrescento não adultera a feição confessional dos trechos, por força de uma produção equilibrada que, manejando com engenho os elementos, dispõe as diferentes variáveis instrumentais em função do intento ambiental de cada composição. Dessa forma, o alinhamento reparte-se entre canções íntimas e quase resumidas ao binómio voz-guitarra e outras que, buscando planos emocionais com extensão diferente, melhor se servem com as atribuições de uma banda. Em qualquer dos casos, a fina e penetrante verve de Julie Doiron - que agora até já é rotulada de freak folk - é o ingrediente dominante e isso é, como se sabe, um activo precioso demais para ser desconhecido.
domingo, 18 de fevereiro de 2007
Deerhoof - Friend Opportunity
Oferecer aos tímpanos um novo opus dos Deerhoof é sempre um acto revelador. Apesar de eles já contarem mais de uma década de existência, a sua música é tão plausivelmente viçosa que, mesmo sem mudar na essência a disposição dos ingredientes, nunca deixa de causar algum espanto. No fundo, o som deles é hermético nos seus próprios postulados e fórmulas e cria uma invulgar imunidade a influências externas. Por inerência, aquilo que, noutros casos, se converteria num perigoso imobilismo, no caso dos Deerhoof - porque o filão privado de conceitos é riquíssimo e nem chega a abrir espaço para o mero corta-cola - é sinal de inconformismo com o seu "eu" e, consequentemente, de reinvenção constante, sob o mesmo paradigma. Friend Opportunity não foge a essa tendência recorrente do seu percurso e, associando composições de aparente superficialidade pop, pelo menos tão pop quanto se pode ser no cosmos Deerhoof, a outros momentos de maior embevecimento experimentalista (com menos ruído) e desejo descontrutivo, comprova a exímia arte do (agora) trio em imprimir características diferentes à sua personalidade sónica, mesmo quando ela se mostra no mais imediato dos seus registos. Efeito colateral óbvio: Friend Opportunity pode tornar-se um caso sério de sedução.
Dr. Salazar - Antes e Depois
Ao escutar Antes & Depois, tomo de estreia dos Dr. Salazar, pula na memória a mais sensível das referências da banda amadorense, os Mão Morta. A simetria é mais evidente nos vocais de Manuel d'Albuquerque, tão desabridos quanto os melhores momentos de Adolfo Luxúria Canibal, sempre mais próximos da oratória do que do canto. A poética não encontra tabus, é directa (menos figurada do que nos Mão Morta) e, em claro propósito sedicioso, não enjeita um ou outro lance mais polémico. É, contudo, na porção instrumental que o disco vinca a sua personalidade. A sonoridade é crua e confina com a dinâmica estrutural do metal industrial, com riffs abertos e cadências de galope firme, imperando o refinado sentido de proporção da banda na forma como se combinam essas substâncias, com óbvias benfeitorias da produção. Escutando o álbum de fio a pavio, percebe-se, ainda assim, que o corpo conceptual das composições, não sendo estéril, é espartano demais para se livrar da previsibilidade. Mas há, em Antes e Depois, matéria suficiente para dar crédito aos Dr. Salazar e ficar atento aos próximos capítulos.
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007
At Swim Two Birds - Returning to the Scene of Crime
As referências anteriores de Roger Quigley apontam para os The Montgolfier Brothers, não os irmãos inventores do balão, mas o duo de Manchester partilhado com Mark Tranmer. Em termos genéricos, não há divergências estéticas fundamentais entre o conceito solista e o outro. No fundo, Returning to the Scene of the Crime, segundo álbum sob o epíteto At Swim Two Birds, confina-se às mesmíssimas orientações estruturais na composição, apostando na construção de canções plácidas e pessoais, verosímeis na prostração confessional que apregoam e, como bem convém a um produto destes, resumidas, quase em exclusivo, à mínima textura dialogante entre guitarra e voz. Essa toada reforça-lhes a honestidade, é certo, mas acaba por destapar algumas mínguas na composição que, em último caso, são pólo de iteração. Não é que as canções de Quigley sejam más, longe disso, mas, se há ápices em que chegam a convencer pela proba simplicidade, outros existem em que essa modéstia, com o estorvo da repetição, deriva perigosamente para a banalidade. Ainda assim, tomado o peso de ambos, o saldo confirma um álbum acima do serviço mínimo.
Bracken - We Know About the Need
Chris Adams é metade do centro criativo dos Hood e estreia-se a solo aproveitando o crescimento mediático da casa-mãe dividida com o irmão. Desenganem-se os que vierem, na audição deste We Know About the Need, em busca de um mero pastiche da música contemplativa a que os Hood nos habituaram. Embora esse sentido meditativo na forma de fazer música encontre paralelos no universo Bracken, há uma notória reconversão de princípios. Onde se supunha encontrar a recompensa pastoral tão típica dos Hood, há lugar para uma fracturante distorção electrónica, manifestamente imprimida na bateria de samples e programações que enchem os trechos e que, mais do que revigorarem o conceito, lhe acrescentam alguma nébula. Nesse sentido, Adams captura a vibração mais perversa que os Hood nunca tiveram, molda-a para separar águas e, por isso, chega a um desfecho sem consenso: os admiradores desassombrados de fórmulas de pop sintética e sem definição (Xiu Xiu nas coordenadas), pejada de estática e glaciares, podem encontrar aqui o éter. Os outros, mais conservadores, não ouvirão além de um exercício algo desolado, hiperbólico, denso e impenetrável. Em qualquer dos casos, We Know About the Need é demasiado difuso e experimental para povoar as mesmas escalas dos The Hood. E nesses ensaios toca em lugares-comuns do pós-rock em que outros dançam melhor...
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007
Ghost - In Stormy Nights
De entre os melómanos que ainda não conhecem os Ghost, poucos adivinhariam as origens nipónicas desta trupe se acaso se limitassem a conjecturar a partir da audição deste In Stormy Nights. A mais primária das impressões do álbum, notória desde os primeiros segundos, é a inclinação instrumental para um estranho folk negro, aqui e ali medieval, seja no recurso a um arsenal sónico apropriado (banjos, flautas, alaúdes e tablas), seja no canto de trovador maníaco-depressivo. A essas substâncias, soma-se a atracção pelo noise exploratório e pelo improviso, usados como o condimento tonificador dos ambientes amplos do disco. Talvez por isso, haja uma envolvência cinematográfica no som do tomo, embora sem orientação definida. Parece que o que importa aos Ghost é construir um todo de peças de medida larga, com evidentes repercussões na propulsão emocional do disco, mas sem importar o dimensionamento certo das partes. É assim que, por vezes, se desproporciona a combinação entre o noise paranóico e o folk deslavado, resvalando o disco para alguma agressividade sonora que, não sendo totalmente descabida, acaba por ofuscar o conceito global e a excelência melódica das peças.
terça-feira, 13 de fevereiro de 2007
P.G. Six - Slightly Sorry
Praticamente desconhecido fora do mercado americano, Pat Gubler promete seduzir outros públicos, no primeiro registo pela Drag City. A proposta é, como saberão os conhecedores da obra anterior do músico, uma colecção de canções sóbrias, talvez já não tão centradas na vocalização e nos artefactos de cordas - a harpa era companhia recorrente - antes se procurando o conforto de composições precisas, com uma estrutura mais definida. Nesse sentido, Slightly Sorry é um disco transparente, aposta na limpidez da produção para destacar os elementos sónicos dos trechos e, assim, expõe um corpo de melodias maduras, muito bem construídas e com um fino sabor a intemporalidade folk. E isso é, em plena euforia mediática do movimento freak folk a que depressa colarão (indevidamente) Gubler, uma declaração de genuinidade. Dele, e da música americana com charme orgânico. Desengane-se o ouvido que, à primeira audição, detecta alguma indefinição estilística no álbum. Esmiuçado com mais detalhe, o disco mostra o fio condutor de um compositor expedito, normalmente amigo do exploração sonora, e que aqui se entrega aos ritos (e instrumentos) tradicionais para fazer boa música.
Posto de escuta Amostras das faixas do alinhamento
segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007
Jesu - Conqueror
Depois da passagem pelos Napalm Death, facto que lhe conferiu alguma notoriedade junto dos fãs do death metal, e de ter ajudado a fundar os Godflesh, entretanto extintos em 2002, o britânico Justin Broadrick criou o projecto Jesu. Centrando-se nas vertentes mais ambientais do metal, mormente fazendo uso de riffs de guitarra em delay - assunto típico do drone metal - e de cadências tardas, o colectivo Jesu foi-se tornando um dos expoentes do doom europeu, atraindo atenções para um som hipnótico, com algum aparato industrial e feito em repto a qualquer formato pré-concebido. Contudo, o efeito surpresa do início já se esfumou e, pior do que perceber que a banda não optou por se reinventar, é sentir que, mesmo quando segue o paradigma que construiu, não é já capaz de suscitar o mesmo suspense emotivo de outros momentos. Assim se explica, também, a manifesta letargia de Conqueror, em tudo semelhante aos dois registos anteriores, mas apostando numa produção mais polida e em tons menos agrestes. O som é necessariamente menos cru e ganha em ordenação melódica o que perde nas descargas eléctricas. Uma questão de gosto, portanto...
The Shins - Wincing the Night Away
O esplêndido single de avanço ("Phantom Limb") caiu como sopa no mel, especialmente para aqueles que, familiarizados com os dois álbuns prévios dos The Shins, vêem neles uma referência incontornável e esperavam ansiosamente o terceiro disco. Ele está aí e não só secunda a excelência do single como revalida as certezas deixadas pela banda no passado. Não é exagero dizer-se que, no idioma pop dos The Shins, não cabem canções medianas nem momentos ocos. Se isso não bastasse, ainda se nota neste Wincing the Night Away um refinamento das texturas que, a despeito de alguma complexidade harmónica, conseguem a proeza de soar simples, graças ao polimento da produção e ao pólo de equilíbrio do disco, aquela sensação de que, a par e passo com os prevalecentes fraseados pop, há uma presença periférica menos eufórica, quase sempre conjugada em dialecto electrónico. Nisso, o disco é uma ambivalente e irresistível aventura onírica (a poética de James Mercer ajuda) e um manifesto sólido de uma banda prestes a ser acolhida por públicos maiores e a tomar o protagonismo que as suas aptidões merecem.
domingo, 11 de fevereiro de 2007
Jay-Jay Johanson - The Long Term Physical Effects Are Not Yet Known
No final da década de noventa, Jay-Jay Johanson servia a fria melancolia da Escandinávia no formato pop e despontava no resto da Europa com Whiskey (1996), explorando sonoridades densas e atmosféricas. Mais de uma década depois, o sueco mantém-se fiel a esse mesmo padrão, jogando com a sofisticação sintética de uma synth-pop de tons taciturnos, vocalizações andróginas de cariz romântico e uma estética híbrida de algumas feições da electrónica ambiental, com o trip-hop como luminária primaz. Senhor de uma voz que não permite confusões e que bem ficaria nas canções clássicas dos mesmos crooners que indirectamente o influenciam, Johanson, como eles, deposita alma nas canções. Isso faz dele um intérprete de emoções credíveis e de canções sólidas nesse sentimentalismo mas que, ainda que construídas com inteligência, não sacodem significativamente o universo pop e tampouco somam valências aos predicados montados pelo músico no passado. Em todo o caso, The Long Term Physical Effects... está aí para não deixar Johanson cair no esquecimento.
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007
Adolfo Luxúria Canibal + António Rafael - Estilhaços
8/10
Transporte de Animais Vivos
2007
Transporte de Animais Vivos
2007
Integrado no ciclo Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre no Porto, o espectáculo de spoken word Estilhaços partiu da homónima colecção de poemas de Adolfo Luxúria Canibal, editada pela Quasi em 2003. Previsto inicialmente para uma exibição única, a boa recepção do público determinaria a reposição do recital, primeiro no Porto, e noutras cidades nacionais, depois. Chega agora à forma de disco. Tal como nas apresentações públicas, junta-se a Adolfo o teclista dos Mão Morta, António Rafael. É ele o sujeito criador do soberbo manto musical que envolve as palavras de Adolfo, seja no piano, quando se justifica um registo mais clássico e conservador, seja no sintetizador e nas programações, quando o diálogo com as letras obriga a outro caleidoscópio de tons e dimensões sonoras. No resto, Adolfo não traz histórias novas, são as letras já lidas e ouvidas e que, vestidas pela música de Rafael, ganham novas medidas, ao jeito de ásperos retratos de um mundo sufocante e cru, glosado pelo sinuoso intelecto de um observador infiltrado. O preto cáustico é a cor destas palavras canibais. As notas de Rafael, os plácidos abutres que levam o último naco da alma estremecida.
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Hella - There's No 666 in Outer Space
Poucos protagonistas do mundo musical, por mais experimentais que sejam, se aproximam do camaleonismo sonoro dos americanos Hella. A consistência não é certamente um dogma para eles, ou não fossem senhores de um trajecto pautado pela negação da previsibilidade (nas composições) e pela instabilidade (na formação da banda). Zach Hill e Spencer Seim são os únicos fundadores que ainda estão no projecto e, nesta primeira gravação para a Ipecac, recrutaram três novos elementos. Primeira diferença óbvia: a voz - que o estreante Aaron Ross aproxima de Bixler-Zavala em muitos momentos - está em todas as faixas, coisa não vista antes nos Hella; e é precisamente do acondicionamento entre voz e a costumeira anarquia instrumental da banda que deriva um certo formulismo mais próprio do rock progressivo. Necessariamente com menos potencial para surpreender, There's No 666 in Outer Space acaba por renunciar voluntariamente a uma parte imprescindível do corpo conceptual que distingue os Hella dos outros. E isso, não obstante a maturidade instrumental do álbum, é o mesmo que ficar a marcar passo. Além do mais, a esfera rock experimental/progressivo não estava orfã de outros Mars Volta. Se calhar, ficará é a lamentar o sumiço dos Hella...
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007
Pop Levi - Return to Form Black Magick Party
Com um percurso dividido entre o experimentalismo progressivo dos Super Numeri e a electro-pop mediática do quarteto Ladytron, não era imediatamente perceptível a instrução de Pop Levi noutros sons. Pois bem, depois de escutar The Return to Form Black Magick Party tornam-se notórias as tangências das canções com as referências confessadas de Levi que, sem colagens, aproveita uma entidade vocal algures entre John Lennon, Ozzy Osbourne e Robert Plant, e soma-lhe um concentrado musical cheio de balanço rock' n'roll, alguma extravagância pop (tão descomprometida que quase não se leva a sério) e suculentos detalhes de desarranjo psicadélico. É certo que Levi nem sempre se sai a contento na gestão desses sons e influências; daí deriva alguma indefinição identitária da sua música que podia confundir-se, nas primeiras audições, com um eclectismo não confirmado pelo alinhamento do disco. Ainda assim, louve-se a aptidão de Levi para fazer de canções rock pouco inovadoras, por acção dos tais preciosos enxertos, algo mais do que simples memórias de outros tempos. É esse o feitiço negro(?) do álbum.
Bloc Party - A Weekend in the City
Depois de, com o disco de estreia de há dois anos, em plena eclosão da maré cheia de novos protagonistas no rock britânico, terem suscitado uma desmedida onda de entusiasmo à sua volta, coisa em muito ajudada pela inclusão de "Banquet" numa campanha publicitária da Vodafone, chega a hora dos Bloc Party se exporem à prova do segundo álbum. E a primeira impressão que fica de A Weekend in the City é a disparidade com o antecessor. É notória a escusa do quarteto a repetir os métodos de Silent Alarm e fazem-se imediatas as evidências disso: a voz de Okereke é mais ortodoxa, apenas a espaços tenta a irreverência do debute, e as composições testam uma matriz diferente, mais experimental, com outros ingredientes sonoros (nem sempre pertinentes) e uma dimensão rítmica distinta. Tal propósito reformista seria, em teoria, o caminho para suprir alguns equívocos estruturais da música dos Bloc Party e afastá-los da moda seguidista do rock bretão recente, em busca de uma identidade própria que subliminarmente se percebia em Silent Alarm. Por ora, a construção desse novo ego, tem uma eficácia incerta: neste padrão (mais reflexivo), sem parte das substâncias fulcrais do debute e ainda um pouco às apalpadelas, os Bloc Party perderam a chispa.
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007
The Klaxons - Myths of a Near Future
Um punhado de singles, lançados ainda no ano transacto, atiraram para cima dos londrinos Klaxons a atenção da comunidade melómana e revelaram um som geneticamente ligado ao arrebatamento energético e ritmos urgentes do punk, reconvertido às proposições recentes do rock mais dançante. Tambem cabe a electrónica mais optimista, portanto. A sempre prestes tentação dística da crítica depressa lhes colou um letreiro: precursores do "nu rave". De facto, não pode negar-se que Myths of a Near Future é festivo, às vezes imbecilmente jubiloso, e transmite vibração positiva em dose maciça, seja pelas vocalizações dobradas, pela percussão frenética ou pela junção psicadélica da guitarra e dos sons de síntese. Ainda que num ou noutro ápice o disco se mostre levemente iterativo, é a sublime produção que arruma a charanga eufórica do jovem quarteto no sítio mais oportuno, moderando os desconchavos e impondo critério ao turbilhão de energias. E é a mão dessa rédea que pode muito bem fazer dos Klaxons a versão mais crua e aberrante dos Franz Ferdinand. Ou a irónica (e prazenteira) nova sensação do não-rock produzido no caldeirão rock.
domingo, 4 de fevereiro de 2007
Benjy Ferree - Leaving the Nest
Trazido ao orbe da música pela mão de Brendan Canty, percussionista dos Fugazi que conheceu ocasionalmente quando trabalhava em Los Angeles e que o encorajou a mostrar ao mundo as suas gravações pessoais, o americano Benjy Ferree estreia-se agora em disco. Ao escutar Leaving the Nest percebe-se a compostura e a sinceridade de um compositor que não era suposto sê-lo e de composições que não eram para mostrar. Guardada a feição intimista das canções e, por via dela, revelado um miolo melódico essencial, o álbum torna-se uma peça cativante, não tanto pela originalidade dos timbres evocados, mas pela quase-ingenuidade das estruturas, mínimas e a sondar espaços comuns aos White Stripes, aqui e ali, e com a melhor tradição da música americana como pano de fundo. Predominantemente acústico, Leaving the Nest faz jus à sugestão simbólica da capa e mostra-nos um trovador solto, sem pretensões e que, a despeito de não inovar, encontrou um nicho sónico significante para musicar as suas emoções. E explora-o dando ao mais genuíno dos códigos americanos a forma de boas canções pop.
quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007
Jóhann Jóhannsson - IBM 1401: A User's Manual
Jóhann Johánsson é um homem ocupado. Além de liderar a Kitchen Motors, etiqueta islandesa responsável por algumas das mais curiosas (des)construções musicais do cenário electrónico escandinavo, faz parte dos versáteis Apparat Organ Quartet, quinteto dedicado a uma cartilha electro-rock robótica. Como se isso não bastasse, o nome de Johánsson é presença recorrente nos créditos de fundos musicais para cinema e teatro. É, de resto, essa a vertente mais explorada nesta edição, partindo da electrónica mínima de um velho computador IBM, rumo a um desígnio sinfónico (de feição cinematográfica) dificilmente antevisto numa matéria tão artesanal e que, não fora o precioso complemento da secção de cordas da Filarmónica de Praga, dificilmente teria a amplitude que o produto final apresenta. Ainda assim, a despeito da majestade melódica que, a instantes, o disco irradia (por vezes só tangencialmente) nada é especialmente novo na essência e, destapada a curiosidade de descobrir como casam os elementos em jogo (máquina e cordas), pouco mais romantismo sobra. O que não obsta a que uma ou outra peça possa despertar alguma comoção nos tímpanos mais empedernidos.
Anabela Duarte - Machine Lyrique
Anabela Duarte não gosta que se confundam estas canções com a estética cabaret. E, de facto, embora interpretadas num registo solto e sem rigorismos excessivos, há nestas peças algo mais do que a mera boémia que ressalta da primeira audição. Cada vez mais ligada à música lírica, a ex-vocalista dos Mler If Dada não disfarça o gozo que lhe dá emprestar a sua voz a uma máquina de sons e palavras de Kurt Weill e Boris Vian. Do primeiro, além dos preciosos acordes da maior parte das peças do alinhamento, Anabela Duarte capta a alma cénica e o balanço teatral das canções, coisa que vem dos trabalhos conjuntos do compositor alemão com Brecht. De Vian, anarquista surreal e desorganizado compulsivo, guarda-se em Machine Lyrique o imaginário irreverente, o antagonismo social orgulhoso e a dissolução de espírito. E nada melhor do que o tiple de Anabela Duarte, elástico, versátil (entre os timbres solene e trocista) e completamente descomprometido, para servir esta colecção de teatro musicado, a que o piano de Ian Mikirtoumov fornece as costuras e o fraseado melódico.
The View - Hats Off to the Buskers
Logo nos primeiros segundos de Hats Off to the Buskers se percebe ao que vêm os escoceses The View. Rock aberto e galopante, no melhor jeito pop-punk dos Libertines, ou não fosse Pete Doherty uma espécie de guru deste quarteto, tendo-os inclusivamente convidado para abrirem os concertos da mais recente digressão dos Babyshambles. Além dessa evidente comparação (não só contextual, mas suportada também na reverência aos Clash ou aos Kinks), outros apontam-lhes semelhanças com os Oasis, embora tais pontos de contacto sejam menos categóricos, mesmo retendo a ideia de que Owen Morris (produtor de Definetly Maybe) figura nos créditos da produção. Mais importante do que detectar parecenças, existam elas ou não, há em Hats Off to the Buskers espaço para a definição de uma identidade própria, capaz de sacar a tradição melódica da Escócia e acomodá-la a um formato rock urbano e urgente que, mesmo não sendo especialmente inovador ou decisivo, tem o préstimo magno de resumir, em pouco mais do que quarenta minutos, a essência da história recente do rock britânico. E com um delicioso sotaque caledónio.
Posto de escuta Sítio dos The View no Myspace
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