Depois de um punhado de EP's, todos "pela mão" da Wichita Recordings, que chamaram a atenção da comunidade melómana e geraram um hype considerável no Reino Unido, os galeses Los Campesinos! dão-nos finalmente um primeiro álbum. Das canções anteriormente dadas a conhecer, apenas se repete "You! Me! Dancing!", num sinal claro da vontade do septeto em firmar outros caracteres no seu imberbe cancioneiro e, ao mesmo tempo, renovar os motivos de conversa em volta da sua música. Nas primeiras audições deste Hold On Now, Youngster... sobra uma impressão de algum esgotamento, muito por culpa da intensidade rítmica do disco, da atenção que ele reclama do ouvinte para os detalhes e, sobretudo, da festividade saturada que embrulha alguns trechos. Não é que semelhante júbilo seja coisa não grata à música pop - nunca o foi - e, em boa verdade, é até uma substância indispensável ao som farto dos Los Campesinos!, pautado por um paradoxo de sensibilidade, entre a exuberância (ou histeria) e a puerilidade, a técnica na estruturação (aí, a crítica tem-lhes diagnosticado, com alguma propriedade, afinidades com os Pavement) e a pura diversão. E decifrar o frenesi deste disco é perceber esse contra-senso existencial da banda e, espreitando atrás da aparente infantilidade do discurso, descobrir alguns instantes de genuinidade indie e um ou outro ápice de pop luminosa e triunfante (o já citado "You! Me! Dancing!" ou "Sweet Dreams, Sweet Cheaks", por exemplo). O resto é feito de minudências técnicas: o desfile de guitarras aguçadíssimas, aqui e ali a fugirem para uma perninha experimentalista, merece escolta de uma percussão low profile e traz uma caravana de teclados, cornetas e violinos para encher a paródia e almofadar a acelerada algazarra vocal. Venham as gentes e faça-se a festa!
segunda-feira, 31 de março de 2008
Los Campesinos! - Hold On Now, Youngster...
Depois de um punhado de EP's, todos "pela mão" da Wichita Recordings, que chamaram a atenção da comunidade melómana e geraram um hype considerável no Reino Unido, os galeses Los Campesinos! dão-nos finalmente um primeiro álbum. Das canções anteriormente dadas a conhecer, apenas se repete "You! Me! Dancing!", num sinal claro da vontade do septeto em firmar outros caracteres no seu imberbe cancioneiro e, ao mesmo tempo, renovar os motivos de conversa em volta da sua música. Nas primeiras audições deste Hold On Now, Youngster... sobra uma impressão de algum esgotamento, muito por culpa da intensidade rítmica do disco, da atenção que ele reclama do ouvinte para os detalhes e, sobretudo, da festividade saturada que embrulha alguns trechos. Não é que semelhante júbilo seja coisa não grata à música pop - nunca o foi - e, em boa verdade, é até uma substância indispensável ao som farto dos Los Campesinos!, pautado por um paradoxo de sensibilidade, entre a exuberância (ou histeria) e a puerilidade, a técnica na estruturação (aí, a crítica tem-lhes diagnosticado, com alguma propriedade, afinidades com os Pavement) e a pura diversão. E decifrar o frenesi deste disco é perceber esse contra-senso existencial da banda e, espreitando atrás da aparente infantilidade do discurso, descobrir alguns instantes de genuinidade indie e um ou outro ápice de pop luminosa e triunfante (o já citado "You! Me! Dancing!" ou "Sweet Dreams, Sweet Cheaks", por exemplo). O resto é feito de minudências técnicas: o desfile de guitarras aguçadíssimas, aqui e ali a fugirem para uma perninha experimentalista, merece escolta de uma percussão low profile e traz uma caravana de teclados, cornetas e violinos para encher a paródia e almofadar a acelerada algazarra vocal. Venham as gentes e faça-se a festa!
sábado, 29 de março de 2008
Meshuggah - ObZen
Se há coisa que os suecos Meshuggah refinaram com o tempo - e eles já estão nestas andanças há mais de vinte anos - é uma inventiva aptidão para melhorarem o seu registo sonoro a cada momento discográfico, movendo-se entre os inúmeros estímulos que o universo metal tem para oferecer. Nesse particular, assumem especial protagonismo o líder criativo da banda, Fredrik Thordendal, notabilizado pelo recurso a guitarras de oito cordas para concatenar sequências de acordes únicas e definidoras de múltiplas identidades, e Tomas Haake, maestro da secção rítmica, cujas descargas e desabamentos da bateria arrumam as várias "caras" dos Meshuggah num determinado contexto estético. Desde as primeiras manifestações destes escandinavos se percebeu a prevalência pelo investimento em causas pouco convencionais, no fundo uma saudável convicção de que nas margens dos paradigmas de estilo e, sobretudo, nos espaços comuns entre as diversas "escolas" metal, subsistem muitos vectores de inspiração. Assim, tornou-se notada a forma como os Meshuggah paulatinamente cresceram, mormente a partir da obra-prima Destroy Erase Improve (1995), para um magnífico híbrido entre as urgências monstruosas do trash, a estruturação com coordenadas progressivas, os ambientes quase-industriais e a inconstância rítmica do math metal. Dir-se-ia que a maturação de Thordendal, Haake e seus pares subjugou o preconceito histórico de que qualquer produto metal seria um exercício de boçalidade e, por inerência, jamais se permitiria qualquer veleidade intelectualista. Eles, não só serviram máquinas musicais de quilate novo, claramente elevando níveis face à concorrência, como redesenharam o panorama metal ao inscreverem-se num género próprio, sem fronteiras e esteticamente muito sólido e coerente. Inclusivamente, tiveram a argúcia de agitar as águas quando parecia instalar-se um certo formulismo, renovando a temporização das suas canções, primeiro no EP I, de 2004, com uma peça única de vinte e um minutos e, depois, no álbum Catch Thirty-Three (2005), onde dividiram quase aleatoriamente, em treze pedaços, uma composição una de quarenta e sete minutos.
ObZen, sexto registo, abre com as detonações trash de "Combustion", desviando o foco para o vigor e potência, ao lado do costumeiro contorcionismo rítmico da banda. A tendência espalha-se ao restante alinhamento, num registo porventura mais directo, frenético e maquinal do que noutros capítulos dos Meshuggah, mas não menos técnico e preciso. "Bleed", terceiro trecho do disco, é sintomático do dinamismo asfixiante - escute-se a singular dimensão do enlace entre guitarras e percussão (aqui sem os fetichismos electrónicos do álbum anterior) - e da declaração de ferocidade imprimida neste trabalho. Ao mesmo tempo, a despeito de ser um disco estruturalmente mais "tradicionalista" - há menos espaço para a desconstrução de formas e, aí, o álbum pode deprimir algumas ilusões dos indefectíveis da banda - a marca única dos Meshuggah é-lhe transversal, seja nas aparições pontuais de experimentalismo melódico ou nas secções progressivas das composições. E, sendo um Meshuggah, não há assunto sem emoções fortes.
quinta-feira, 27 de março de 2008
Foals - Antidotes
Depois de se ter apresentado ao mundo discográfico com uma tríade sólida de singles ("Hummer", "Mathletics" e "Balloons", apenas o último está no alinhamento do álbum), no ano transacto, e de fazer furor no mítico festival de Reading - onde, actuando num palco secundário e sem música editada, cativou a atenção da crítica - o quinteto inglês Foals apresenta, em disco de estreia, a sua transgressão musical, um generoso híbrido que faz conjugar as tendências contemporâneas do rock britânico (leia-se Arctic Monkeys, Klaxons ou Franz Ferdinand), o pulso acelerado de composições feitas para dançar e uma certa angularidade importada das escolas "matemáticas" de rock. De semelhante mistura, facilmente se adivinharia o semblante festivo do disco, sublinhado pela singular confluência entre a secção rítmica, com cadências muitas vezes a roçar a agitação techno, e as guitarras. Nestas, sobretudo na apetência pela circularidade e pela repetição (também em paralelo com a tal afinidade pelo math), se percebe porque é que a banda aponta Steve Reich como uma fonte de inspiração. Em tudo o mais, o experimentalismo de Antidotes traveste-se de disco pop não convencional, mormente nos trejeitos vocais mais "previsíveis" de Yannis Philippakis (pastiche de Kele Okereke?) que, por vezes, desviam as canções para órbitas assimétricas com o som cifrado da parte instrumental. Trata-se, afinal, de afirmar uma postura não ortodoxa, quase "académica", de erigir canções, ao jeito dos produtos concentrados dos americanos Battles, e somar-lhe, depois, o magnetismo da melodia ligeira (esse é o jogo de Philippakis) e sem segredos. E, no fim, o distinto debute de Antidotes vem provar que há nos Foals potencial para combinar técnica, forma e musicalidade com resultados de excepção.
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quarta-feira, 26 de março de 2008
Suspiros de metralhadora...
Em dia de regresso a Portugal - estão hoje no Porto e amanhã em Lisboa - aqui fica a apresentação do novo álbum dos britânicos Portishead, Third, a pouco mais de meio mês da sua chegada aos escaparates. Chama-se "Machine Gun" e desvenda o mesmo fôlego claustrofóbico e angustiado que celebrizou Beth Gibbons, Geoff Barrow e Adrian Utley, aqui servido num interessantíssimo pendor minimalista e sem elementos acústicos. E o resto do álbum - que terá nota de destaque proximamente no apARTES - não deve nada a este primeiro avanço. Suculento...
segunda-feira, 24 de março de 2008
Why? - Alopecia
Se inicialmente a sigla Why? era apenas a máscara mediática do prolífico Yoni Wolf (um dos fundadores do selo Anticon, da California, e protagonista de incontáveis parcerias artísticas), o conceito foi progressivamente abraçando um alinhamento regular de músicos, vindo a tornar-se uma banda de corpo inteiro no segundo longa-duração (Elephant Eyelash, de 2005), com Josiah Wolf (irmão de Yoni, bateria), Doug McDiarmid (multi-instrumentalista) e Matt Meldon (guitarra). Não raras vezes, o laço umbilical de Yoni à Anticon (ou ao colectivo cLOUDDEAD) trouxe ao quarteto californiano rotulações equívocas, mormente aquelas que os agregaram à turba do underground rap - afinal, o grosso do catálogo Anticon vem dessa órbita - quando, na essência, o conceito Why? nunca deixou de ser um projecto verdadeiramente indie, com alguns destinos de vanguardismo rap (ou mesmo spoken word), é certo, mas com outras substâncias somadas de permeio. A verdade é que, mesmo tratando-se de um som normalmente pouco cifrado (e, consequentemente, acessível), a música dos Why? é um híbrido de difícil catalogação, um batel navegando nas águas incertas da experimentação em linguagens indie-rock, com miradas a um certo intimismo melódico tangente dos paradigmas pop-folk ("Fatalist Palmistry" é o melhor exemplo disso), ou incursões por uma espécie de intelectualismo hip-hop.
O resultado, particularmente na galeria de imagens deste Alopecia, é ambivalente: ora harmónico, íntimo e sonhador ("Song of the Sad Assassin"), ora abstracto, inquieto e desafiante ("Good Friday", auge do disco, ou "The Hollows"), ou as duas coisas ao mesmo tempo (escute-se, a esse nível, a belíssima "Simeon's Dilemma"). Em todo o caso, a despeito das inconsistências e obliquidades que, bem vistas as coisas, compõem a entidade Why? (por essas e por outras, uma personalidade musical assim porosa nunca terá um disco genial), o disco revela ápices de encanto que dificilmente encontram paralelo noutros actos da cena artística actual. E esse mérito não pode tirar-se às paixões camaleónicas de Yoni Wolf.
The Vicious Five - Sounds Like Trouble
7/10
Edição de autor
Lisboagência
2008
Depois de um início de percurso algo titubeante - dir-se-ia que próprio de quem sorvia com alguma desordem as coordenadas da cartilha punk de predilecção - os The Vicious Five apresentam, ao terceiro disco, uma incontornável maturação de princípios. Desde os primeiros acordes de Sounds Like Trouble se percebe que, sem prejuízo da sua visceralidade intrínseca, o rock destes intrépidos lisboetas desvenda amplitudes diferentes, não só por se pautar por uma estruturação distante da urgência rudimentar do punk, mas sobretudo por arriscar as medidas do rock de massas, necessariamente musculado e com um pendor melódico ligeiramente mais angular. Para o estádio. Isso não quer dizer que a trupe de Joaquim Albergaria faça concessões a qualquer facilitismo; será, antes, evidência do natural crescimento da banda, da consequente depuração do processo criativo, da dispensa de impurezas e, no final, de uma crueza diferente. Até a voz de Albergaria aceitou esse crivo de amadurecimento e, no lugar do desenfreado brado de outrora, surge agora um registo igualmente intenso mas mais seguro e consistente, como quem percebeu que para ser insurgente não tem que se berrar por dá cá aquela palha. E não é por isso que Sounds Like Trouble deixa de ser um frenético (e suado) porta-voz de uma geração desencantada consigo mesma, mas com o sarcástico alento para fazer disso uma festa a resvalar para a imoderação. Com um sorriso de escárnio, o convite fica feito. Requisito único: saltar até moer o esqueleto...
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Edição de autor
Lisboagência
2008
Depois de um início de percurso algo titubeante - dir-se-ia que próprio de quem sorvia com alguma desordem as coordenadas da cartilha punk de predilecção - os The Vicious Five apresentam, ao terceiro disco, uma incontornável maturação de princípios. Desde os primeiros acordes de Sounds Like Trouble se percebe que, sem prejuízo da sua visceralidade intrínseca, o rock destes intrépidos lisboetas desvenda amplitudes diferentes, não só por se pautar por uma estruturação distante da urgência rudimentar do punk, mas sobretudo por arriscar as medidas do rock de massas, necessariamente musculado e com um pendor melódico ligeiramente mais angular. Para o estádio. Isso não quer dizer que a trupe de Joaquim Albergaria faça concessões a qualquer facilitismo; será, antes, evidência do natural crescimento da banda, da consequente depuração do processo criativo, da dispensa de impurezas e, no final, de uma crueza diferente. Até a voz de Albergaria aceitou esse crivo de amadurecimento e, no lugar do desenfreado brado de outrora, surge agora um registo igualmente intenso mas mais seguro e consistente, como quem percebeu que para ser insurgente não tem que se berrar por dá cá aquela palha. E não é por isso que Sounds Like Trouble deixa de ser um frenético (e suado) porta-voz de uma geração desencantada consigo mesma, mas com o sarcástico alento para fazer disso uma festa a resvalar para a imoderação. Com um sorriso de escárnio, o convite fica feito. Requisito único: saltar até moer o esqueleto...
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domingo, 23 de março de 2008
Hercules and Love Affair - Hercules and Love Affair
Se o panorama actual da música de Brooklyn se tem notabilizado pelo recrudescimento de uma impressionante colheita de novos projectos de rock independente, isso não quer dizer que, nas sombras desse movimento afirmador da vitalidade criativa da cidade, não caibam outros géneros musicais. Prova disso mesmo é o fresquíssimo entusiasmo em torno do projecto Hercules and Love Affair, de Andrew Butler. Ele é um DJ e promotor de eventos que, antes de chegar ao conhecimento de Tim Goldsworthy, um dos "patrões" da DFA, tinha já um caminho percorrido na culture club nova-iorquina. Entre inúmeras festas e mostras da sua actividade de DJ, Butler foi abrindo espaço a criações originais que, agora, chegam à forma de disco, depois de um par de singles editados. Se, inicialmente, o vinil 12" Classique #2/Roar, empoladamente lançado pela DFA, no final do ano transacto, como produto de uma estética "euphoric disco", passou praticamente despercebido aos públicos fora do orbe da música de dança, foi com "Blind", vocalizado por Antony Hegarty (ele mesmo, dos Antony and the Johnsons), que o conceito Hercules and Love Affair veio a merecer a curiosidade de mais gente. A servir de aperitivo para o álbum que agora nos chega, a canção desvendava genuínos sabores retro, com as batidas cíclicas da disco e discursos de sintetizador e um registo de Antony arrumado num cenário bem diferente daqueles que dera a conhecer antes, ou a título pessoal ou nas inúmeras parcerias que assinou nos últimos anos (Lou Reed, CocoRosie, Joan as a Police Woman, Rufus Wainwright, Current 93). Terá sido, de resto, o facto de Antony emprestar a sua voz a metade dos trechos do alinhamento da homónima estreia em disco de Hercules and Love Affair que aproximou deste disco, além dos adeptos incondicionais da música electrónica e de dança, uma falange de curiosos e habituais consumidores de outras estéticas. Depois, o pormenor do disco ser apadrinhado pela DFA, um dos mais entusiasmantes poisos de artistas da actualidade, ajudou a exponenciar curiosidades sobre as reais virtudes das criações de Andy Butler quando passadas à forma de álbum.
A esse propósito, Hercules and Love Affair não esconde fundações genéticas de clara nostalgia disco, recuperando uma moldura estética mal-amada no seu tempo mas que, fruto de fôlegos regeneradores pontuais, não só nunca deixou de contaminar as criações electrónicas de cada época, como ciclicamente renovou a sua actualidade. Percebendo a oportunidade de usar a nostalgia por essa estética e reinventá-la com um upgrade de minudências técnicas e, sobretudo, uma proveitosa inclinação pop, Butler confere ao projecto Hercules & Love Affair a ambivalente condição de juntar saudosismo e contemporaneidade. Se juntarmos a essa inesperada dinâmica, a capacidade mutante que as composições revelam (sempre no formato disco) e as mudanças de registo vocal (além de Antony, a heroína da nova soul Nomi e Kim Ann Foxman também cantam), Hercules and Love Affair tem todos os condimentos para saciar melómanos de qualquer quadrante. Mesmo aqueles que franzem o nariz aos sons disco...
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sábado, 22 de março de 2008
Devotchka - A Mad & Faithful Telling
Quem ouve a excêntrica charanga instrumental dos Devotchka pela primeira vez, dificilmente os associa aos sumptuosos cenários rochosos do Colorado, tal é a aparente incongruência estética entre a nacionalidade do quarteto e a fórmula musical que subscrevem. Seja pela versatilidade da formação musical de cada um dos integrantes do grupo - cada um deles se expressa em mais do que um instrumento - ou pelas improváveis afinidades com o folclore gitano dos Balcãs, a música eslava, a festividade mariachi, a canção grega de câmara, ou mesmo as distantes descendências da folk americana, a verdade é que a música dos Devotchka não tem rótulo único. Mediatizados sobretudo depois do convite para musicarem o filme Little Miss Sunshine (no mercado luso, Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos, de 2006), os arrojados americanos viram crescer à sua volta um mini-fenómeno de culto que, não só buscou os discos anteriormente editados (com especial enfoque no impressivo How it Ends (2004), quarto título do seu percurso), como ergueu paulatinamente uma interessante onda de expectativas face a um novo álbum. Depois de aguçarem apetites com um EP de covers (Curse Your Little Heart, de há dois anos), os Devotchka mostram-se, neste A Mad & Faithfull Telling, fiéis a si mesmos e à sua verve única. Além deles, talvez apenas Eugene Hütz e os seus burlescos Gogol Bordello, prestem, com raízes em terras americanas, tão verosímil homenagem à universalidade da música e ao interesse em deixar o acto de criação musical ser polinizado por quaisquer estímulos e afinidades, mesmo que eles venham de culturas e heranças sociais remotas.
A Mad & Faithfull Telling é, portanto, novo capítulo sem centro geográfico, tão nómada quanto a música cigana que é a sua luminária primaz, e onde as canções bebem pontualmente das influências étnicas que mais a preenchem, desde as melancolias da pop "clássica" grega, do colorido instrumental das brass bands e do klezmer do sudeste europeu, da musette francesa, do spaghetti western, da singeleza acústica dos fantasmáticos olores folk. No final, escutado mais este périplo aventureiro e sem grandes cuidados formais dos Devotchka, percebe-se que o trabalho pioneiro de gente como Ry Cooder, Peter Gabriel, Jah Wobble ou David Byrne - eles foram, afinal, dos primeiros a fazer escalas musicais noutros pontos do Globo - continua a ter seguidores e protagonistas nas novas gerações. E que as ondulações da magnífica secção de cordas e as medidas cinematográficas dos Devotchka são, hoje por hoje, uma das melhores e mais apaixonadas fontes de "música do mundo" feita nos E.U.A.. Da balada confessional ao paradoxo de uma pândega quase ébria, tudo cabe no ideário de A Mad & Faithfull Telling. Os melómanos agradecem a sinceridade.
terça-feira, 18 de março de 2008
Rita Redshoes - Golden Era
Quando se apresentou aos grandes públicos em passinhos de lã, com o interessante cartão de visita que foi "Dream On Girl", poucos se lembrariam do "estágio" de Rita Pereira nos entretanto esquecidos (e discretos) Atomic Bees e alguns tê-la-iam já visto ao piano, nos mesmos palcos de David Fonseca. Para trás estavam também anos de tirocínio artístico e um laboratório de episódicos capítulos noutros projectos musicais, a sustentaram a maturação (e consequente afirmação no espaço mediático) de uma identidade que se mostra como Rita Redshoes. Trata-se, sobretudo, de um alter-ego a que os anos de concertos e estúdios conferiram uma definição musical sem presunções nem pedantismo e onde se manifestam "deformações" académicas (o gosto pelo piano é uma delas) na hora de escrever, um cuidado no detalhe das formas (a produção é luminosa) e uma genuína assinatura de intimidade e realismo. A rematar esse compromisso de subjectividade do disco (leia-se, centragem na consciência), Rita empresta às canções uma voz que faz melodia de histórias do quotidiano e de múltiplas imagens do amor. O resto é-nos dado pela viveza das composições, melhores na musicalidade do que nas letras - a esterilidade pontual de alguns lugares comuns é um ponto em desfavor - mas essencialmente demonstrativas de um frescor pouco comum cá no burgo, um misto de candura folk feminina, fragrâncias rock, quimeras de coros pastorais e orquestras de bolso. No final, sobra um estilo pessoal que, mesmo não ficando a salvo de um ou outro cliché, estabelece Rita Redshoes como uma das mais suculentas revelações lusas para este ano. E Golden Era como um muito competente registo de debute.
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segunda-feira, 17 de março de 2008
Autechre - Quaristice
Embora nas edições mais recentes do selo Warp se encontrem alguns mediáticos desvios estéticos (!!!, Battles, Maxïmo Park ou Jamie Lidell, por exemplo) ao seu corpo editorial "tradicional" - no que pode ser visto como uma segunda página do cardápio, claramente sem o sublinhado das electrónicas - a verdade é que o grosso dos lançamentos da editora inglesa continua a abrir espaço para ousadias de experimentalismo electrónico, com o mesmo espírito pioneiro dos primeiros dias. Com quase vinte anos de ímpar afirmação junto de uma extensa legião de melómanos devotos das linguagens sintéticas mais eruditas e excêntricas, a Warp viria a tornar-se o berço desbastador da criatividade de muitos artífices que têm hoje (ou tiveram) "peso" no universo da electrónica, casos de Richard David James (Aphex Twin, AFX, GAK, Q-Chastic), Dj EASE (Nightmares on Wax), Mark Bell (LFO), Mike Golding e Steve Rutter (ambos no conceito B12), Richie Hawtin, Alex Paterson (The Orb), Andrew Weatherall (The Sabers of Paradise, Two Lone Swordsmen), Tom Jenkinson (Squarepusher), Scott Herren (Prefuse 73, Savath & Savalas), os Antipop Consortium, os Black Dog, entre muitos outros. Dessa extensa lista constam também os nomes de Rob Brown e Sean Booth, parceiros criativos da dupla Autechre (fundada em 1987), dois dos mais sonantes intérpretes da esfera IDM (Intelligent Dance Music) e da electrónica abstracta.
Quaristice, nono registo da dupla de Rochdale, encontra-os na segurança de um som apurado ao longo dos anos, assente sobretudo em estruturas rítmicas de alguma complexidade, no devaneio de alheamento sci-fi do costume e no desprendimento formal (ou desconstrução?) que os torna inconfundíveis. Sem agravo da eficácia do disco, há sombras de um saudável revivalismo, de nostalgia do tempo em que a música para mexer os neurónios pouco mais era do que um mero produto especulativo, clandestino e pessoal. Nesse particular, os Autechre guardam uma irrepreensível fidelidade à sondagem de novos limites para a experimentação electrónica (depois de uma génese essencialmente vocacionada para a techno), erguendo-se como uma das mais dinâmicas forças da electrónica para ouvir e pensar. Assim também Quaristice se faz em visitas demoradas e pausadas, pese embora a invulgar (na discografia Autechre) urgência dos trechos, poucas vezes acima dos quatro minutos, e a extensão do alinhamento (duas dezenas de faixas!). Danos na coesão? É verdade que sim, mesmo olhando à definição pouco consensual de harmonia dos Autechre. Em tudo o mais, o álbum é nervoso, agitado, convulsivo e embaraça-se, aqui e ali, em indecisões de fôlego e pulso. Aquilo que fora a mágica arte do sublime Tri-Repetae (1995), obra magna da dupla, assemelha-se aqui a um espelho de hesitações, onde se reflectem fragmentos menos magros do que parecem à primeira audição mas, ainda assim, marcados pelo desconforto de fins abruptos ou de divagações sem rumo. Mais melódicas e amplas, também menos cifradas na construção, as faixas de Quaristice deixam à produção a incumbência de disfarçar prolixidades, incertezas e desarmonias do alinhamento. E embora a coisa até saia muito bem camuflada atrás de algumas vinhetas bem urdidas ("Altibzz", "Rale" e "Tankakern" são as novas bandeiras do vanguardismo "típico" de Brown e Booth), não se chega a ouvir o disco que, vencidos três anos de silêncio, se esperava dos Autechre.
sexta-feira, 14 de março de 2008
The Kills - Midnight Boom
Se questionarmos racionalmente as potencialidades criativas que se podem extrair do trinómio voz/guitarra/máquina de beats e, sobretudo, a longevidade de uma fórmula musical que se alimenta apenas dessas substâncias, impõe-se creditar ao par anglo-americano The Kills o reconhecimento da sua persistência. Justiça lhes seja feita, então: Jamie "Hotel" Hince e Alison "VV" Mosshart não só se têm mantido fiéis a uma cartilha punk blues minimalista e de garagem, como têm sido capazes de contornar as limitações estéticas da sua própria composição instrumental ao assegurarem um substrato de originalidade e insurreição em cada disco. Em paralelo com a rebeldia demonstrada na hora de escrever canções, o duo assumiu repetidamente uma postura de confrontação face àquilo a que chamaram o corporativismo editorial e às normas "protocolares" de comportamento de um artista. Não se estranha, portanto que, ao terceiro título do seu percurso, os The Kills sejam ainda orgulhosos enfants terribles do orbe rock, pouco dados a entrevistas e ao contacto com os públicos, bem como a conflituosa convivência que vêm mantendo com a comunidade crítica, alimentado ódios de estimação e namoros pontuais.
Em termos estritamente musicais, Midnight Boom desvenda uma certa inflexão de estilo, especialmente se comparado com o seu antecessor - e mais monocromático disco da dupla - No Wow. No novo opus detecta-se, desde logo, um cuidado acrescido na produção: por detrás do habitual registo "sujo" dos The Kills, há lugar para vozes mais trabalhadas, para a introdução pontual de palmas e percussões com mais estrutura e isso empresta às composições outro corpo e, sem dúvida, um alento para experimentar órbitas estéticas novas. Na essência, ainda que Midnight Boom não perca de vista paridades com o histórico rock insurgente, sexy e visceral de VV e Hotel, acaba por decifrar prioridades distintas, onde as máquinas e os sons de síntese dobram as guitarras, sob o pano de polir. É assim, mais urbano e de sanhas domadas, que se faz o novo álbum. E nesse registo simultaneamente mais suculento (os tais pormenores da produção) e mais vocacionado para redesenhar a firmeza das canções, reside, afinal, a alma que os The Kills sempre tiveram: as afinidades com a urgência punk e os blues primários, os amores platónicos com o noise, a sedução da pista de dança (Armani XXXchange, produtor dos emergentes Spank Rock, plastifica as beats do disco) e doutrinas de hedonismo. E com altivas construções como a dançante "Cheap and Cheerful", a pop ímpia de "Tape Song", a minimalista "Black Balloon" ou a sensual "U.R.A. Fever", nem é preciso subir os dBs do amplificador para descobrir que a verve instável dos The Kills não depende da forma. Tem vida própria.
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quinta-feira, 13 de março de 2008
MGMT - Oracular Spectacular
Começa a ser motivo para teses sociológicas o aparecimento de uma linhagem contemporânea (e crescente) de músicos em Brooklyn, a maior parte dos quais fiéis a compromissos estéticos presos a coisa nenhuma e marcados, sobretudo, pela definição de novas amplitudes para a expressão indie. Centro nevrálgico de alguns dos mais estimulantes conceitos da música nova-iorquina actual (Yeasayer, Animal Collective, Vampire Weekend, Au Revoir Simone ou The Cloud Room, por exemplo), o condado de Brooklyn é também a casa "emprestada" dos MGMT (acrónimo de management), conceito artístico que Ben Goldwasser e Andrew VanWyngarden iniciaram há cerca de seis anos e que, saltou para o mediatismo, com o lançamento do EP Time to Pretend, no início de 2005. De então para cá, a afirmação dos MGMT foi imparável: concertos de abertura para os Of Montreal, contrato discográfico com a Columbia, reconhecimento de algumas das publicações mais relevantes do mundo jornalístico ligado à música, álbum de estreia - precisamente este Oracular Spectacular (lançado digitalmente no final de 2007) - generalizadamente aclamado. E o que tem o álbum destes rapazes de tão especial para gozar entronização tão súbita?
Em linha com algumas das tendências mais recentes de Nova Iorque, os MGMT demonstram vontade de não barrar, ao acto de criação musical, qualquer subterfúgio estético. Dir-se-ia que, a esse propósito, aquilo que Goldwasser e VanWyngarden tão prosaicamente embrulham no trio de palavras que dá rótulo à sua música (vide Myspace) - Surf, Jungle, Country - não é mais do que a jocosa tentativa de abreviar uma massa sonora tão deliciosamente livre e completa que dificilmente qualquer classificação deixaria de ser redutora. De facto, Oracular Spectacular começa por deliciar pela luminosidade que põe na mescla de rock espacial e psicadélico (as guitarras são o trunfo), com pitadas dos melhores momentos do glam e da pop sintética e colorida (aqui valem os sintetizadores). É aí que se centra o nervo do disco, a ele se juntando o equilíbrio das réguas da produção de Dave Fridmann, a trazer ao álbum o mesmíssimo (e igualmente imparável) caleidoscópio sinfónico que emprestara aos Flaming Lips, um meio-termo entre o devaneio futurista de infantes com ilusões megalómanas e a nostalgia retro de conhecedores. Em todo o caso, o álbum sai bem da aposta numa genética simples para as canções: melodias breves, redondas e sem complexidades, ambientes com a urgência e desconforto próprios de juvenis e espírito inventivo. Nessa tentativa de, tal como outros conterrâneos da mesma geração, desenharem uma rejuvenescida arquitectura para a pop contemporânea, os MGMT desvendam em Oracular Spectacular a dose de criatividade que pode precipitá-los para as preferências de muitos melómanos não conformistas. O começo é indiscutivelmente bom, a despeito de alguns equívocos pontuais. Esperemos que nem estes, nem o sucesso instantâneo, venham a confundi-los em próximos capítulos...
segunda-feira, 10 de março de 2008
Bauhaus - Go Away White
Chega agora aos escaparates mais uma das expressões de revivalismo que, nos últimos tempos, tomaram a orbe rock. Trata-se do regresso discográfico dos míticos Bauhaus, quase um quarto de século volvido desde o último registo de estúdio, Burning From the Inside (1983). Durante a curta primeira vida (1978-83) do colectivo liderado por Peter Murphy, a banda editou um quarteto de álbuns onde vincou decisivamente ao que vinha. Apostando em assumir uma descendência negra do glam-rock, Murphy e companhia colheram, a despeito de uma não muito pacífica relação com a crítica especializada, a simpatia de uma considerável legião de fãs de várias tribos e identidades. Dos adeptos da urgência e electricidade punk aos sorumbáticos góticos, dos devotos de Bowie aos experimentalistas do rock industrial, poucos foram aqueles que não sentiram o fim dos Bauhaus, mesmo com a ininterrupta (e discreta) actividade a solo de Peter Murphy ou dos restantes três Bauhaus (Daniel Ash, David J e Kevin Haskins), reunidos como Love & Rockets. De então para cá, com a excepção mais ou menos óbvia de Trent Reznor (Nine Inch Nails), poucos projectos musicais conseguiram somar algo ao vazio deixado pelo termo dos Bauhaus e, em última análise, isso atribuiu uma carga quase mitológica ao legado do quarteto britânico. O muito saudado segundo regresso aos palcos - depois de uma digressão pontual, há coisa de dez anos - com o alinhamento original da banda, já em 2006, fez crescer nostalgia e expectativas quanto a um novo trabalho que, nas palavras de Murphy, será o requiem definitivo dos Bauhaus, o canto do cisne.
Musicalmente, Go Away White não tem surpresas e quase soa anacrónico, tal a fidelidade com que decalca os postulados que celebrizaram a banda no passado, inspirando-se na densidade emocional de um rock cru, de essência minimalista e a invocar uma certa teatralidade lúgubre. Nesse sentido, o álbum é, mesmo com o intervalo de vinte e cinco anos, um sucessor natural de Burning From the Inside, com uma diferença muito penalizadora: a inspiração, aqui, é mínima. Tirando um ou outro momento que sacia saudades do passado, mormente nas composições mais sombrias (como a interessante "The Dog's a Vapour"), Go Away White resume-se a fórmulas gastas, mesmo cristalizadas, e poucos fôlegos cativantes. Se estas vão ser, de facto, as últimas manifestações dos Bauhaus - nestas coisas da música, um adeus nem sempre é para ser tomado como um fim - mais vale recordá-los na fase 1978-83. E deixar que a memória preencha os vazios que Go Away White não remedeia...
Stephen Malkmus & The Jicks - Real Emotional Trash
Desde a cessação dos Pavement, o californiano Stephen Malkmus protagonizou um percurso solitário em que soube erguer uma identidade própria, fazendo uso do espírito independente que herdou ao leme do colectivo mas, ao mesmo tempo, sendo capaz de demarcar-se da "pesada" sombra de um legado artístico reconhecido e, sobretudo, do perigo de se limitar ao decalque de conceitos. Três álbuns depois, Real Emotional Trash vê a luz do dia sob suspeitas de que a febre das reuniões de bandas desintegradas venha a tocar também os Pavement. E a onda especulativa parece ter contaminado a escrita de Malkmus, ou não fosse este, do quarteto de álbuns em nome próprio, aquele que mais revela proximidades com o seu próprio passado criativo. Percebe-se, tão claramente como se sentia em alguns momentos dos Pavement, o gosto em procurar órbitas fora das convenções e, assim, desenhar canções sem compromisso formal, mas com destino definido. Depois, atrás dessa liberdade (libertinagem?) criativa, vêm afinidades com o lado mais emocional do rock progressivo (o exemplo mais notório mora no tema-título) e uma predisposição para desmontar as estruturas que os primeiros acordes de cada composição anunciam. Nesse particular, Real Emotional Trash mostra um sensível desembaraço de estúdio, muitas vezes derivando para aquilo que parece mais ser o registo de uma sessão de improviso ou de um ensaio do que propriamente uma obra terminada.
Nada a opôr a essa matriz (des)construtiva, não fosse o problema de, na maior parte desses instantes, se instalar um ligeiro desgoverno que, podendo vir a deliciar adeptos de música livre, acaba por ofuscar propósitos e sentidos finais de cada peça e, no lugar destes, instalar a repetição ou, em alguns casos, a indefinição. Ainda assim, como não podia deixar de ser num disco de Malkmus, há trechos que recompensam a indulgência do ouvinte face ao enigmático psicadelismo e à flacidez do alinhamento: "Baltimore" é um alienado exercício de rock progressivo (onde se desvenda a utilíssima ajuda da nova membro dos The Jicks, Janet Weiss, voz e percussão das Sleater Kinney), "Gardenia" e "We Can't Help You" são o contraponto de luminosidade, "Dragonfly Pie" é um curioso mosaico rock. E assim se sublinham as ambivalências de Real Emotional Trash. Não espanta que ele suscite opiniões contrastantes que, goste-se ou não do resultado, certificam a autoridade de Malkmus como compositor a quem poucos ficam indiferentes.
quinta-feira, 6 de março de 2008
Vampire Weekend - Vampire Weekend
O último acontecimento musical do cada vez mais produtivo filão nova-iorquino e, antes disso, do fenómeno corrente das blog bands (foi na plataforma da blogosfera que o entusiasmo em torno da banda se sedimentou), é o quarteto Vampire Weekend. Se o final do ano passado, com um par de singles ("Cape Cod Kwassa Kwassa", primeiro, e a deliciosa "Mansard Roof" depois) de impressiva frescura pop, nos mostrou indícios primeiros de confirmação da valia que, para estes rapazes, era anunciada (e entronizada) num generalizado burburinho cibernético, o álbum homónimo de estreia está aí para pôr à prova todas as considerações. As primeiras audições do disco, além de afirmarem categoricamente a viciante sedução das canções, descodificam parcialmente o enigmático rótulo estético em que a banda se auto-arruma, com pompa de novidade: "Upper West Side Soweto". Em partes iguais, atrás dessa expressão, revelam-se afinidades indisfarçáveis com as descendências experimentais do new wave, não necessariamente nova-iorquino (os Talking Heads ou a fase "africana" de Paul Simon parecem um luminária mais ou menos presente), e uma muito curiosa proximidade com ritmos e trejeitos instrumentais africanos (a kwassa kwassa do Congo até baptiza uma das canções). Desconhecem-se as causas dessas relações de contacto dos Vampire Weekend com a música africana, mas a verdade é que a fórmula resulta muito bem, com o entusiasmo quase naïf do anúncio de uma nova descoberta. Depois, as composições, mesmo quando se refugiam em minimalismo recatado, irradiam atitude positiva: as guitarras maquilham-se de festim afro, as percussões pulsam compassos dançantes, as teclas emprestam cores e serpentinas, os arranjos enchem o ambiente de luzes multi-coloridas e a voz de Ezra Koenig é uma fulgurante chama de optimismo. No final, depois de escutado vezes sem conta, sobra a sensação de que dificilmente o debute discográfico dos Vampire Weekend poderia ser melhor. E que se trata de um registo imperdível de pop simples, tocante, melódica, sem recursos técnicos desnecessários e apaixonante. Não é a isso que se deve chamar novidade?
terça-feira, 4 de março de 2008
Evangelista - Hello, Voyager
Com um início de trajecto artístico disseminado por inúmeros projectos musicais e um sem-número de colaborações paralelas, a nova-iorquina Carla Bozulich tardou a conquistar o seu próprio lugar na convulsa cena musical americana. A comprovar os múltiplos desdobramentos e identidades da compositora, o seu primeiro registo a solo seria editado apenas em 2003 (Red Hearted Stranger), quase uma vintena de anos depois de ter experimentado os primeiros passos, na altura ao lado de Gary Kail. Defensora de uma concepção de arte que não se fecha apenas nas manifestações musicais, abrindo a verve à escrita e a casuais expressões na arte ilustrativa, Bozulich aderiu recentemente à "família" da Constellation, selo canadiano conhecido pelas sinergias entre os integrantes do seu catálogo, pelo que não se estranha o auxílio instrumental de grande parte dos Thee Silver Mt. Zion nas gravações deste Hello, Voyager. Ao deixar cair o seu próprio nome e rebaptizar o novel conceito musical (Evangelista) num formato de banda, Bozulich terá tentado estabilizar um alinhamento de músicos e, ao mesmo tempo, reconhecer a relevância do contributo de dois parceiros dos últimos anos: a baixista Tara Barnes (Eno, Business Lady) e o baterista Shahzad Ismaily (Secret Chiefs 3).
Em termos estritamente musicais, Hello, Voyager não mostra diferenças muito salientes face à tríade de álbuns atrás de si. Se estes eram marcados, sobretudo, por uma visão muito peculiar das diversas gamas e ambientes minimalistas da country-folk, quase constantemente apresentados com revestimentos de experimentalismo negro e alguma espiritualidade, o novo registo acolhe semelhante modelo estético. O disco repisa a simplicidade estrutural de outrora, apostando essencialmente na purificação emocional, ora buscando uma certa teatralidade sombria (os acrescentos de cordas são preciosos nesse particular), ora preferindo deflagrar pontualmente ruídos próximos da música industrial. Em qualquer dos casos, o pano de fundo é dado por construções melódicas pouco complexas, no limite da desconstrução (ouça-se a exemplar coda de encerramento do álbum), com a inconfundível voz cicerone de Bozulich (às vezes lembra Kristin Hersh) a levar-nos por entre abstracções de caos gótico e bizarros mantras ou confissões de catarse. Há qualquer coisa de entrópico na música da nova-iorquina e é precisamente no meio do desregramento que nasce uma lógica cativante, a sedução pelo choque, a atracção no confronto. E aí, Hello, Voyager desvenda o raro refinamento de uma linguagem que, tendo sido aperfeiçoada gradualmente, chega agora a um belíssimo equilíbrio entre a plácida melodia pastoral e a esquizofrénica experiência rock com ruídos.
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segunda-feira, 3 de março de 2008
Nick Cave & The Bad Seeds - Dig!!! Lazarus Dig!!!
Depois de alguns desvios criativos recentes, mormente com o projecto Grinderman e algumas composições para a sétima arte - a mais notada em partilha com Warren Ellis (também integrou os Grinderman) para O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford, de Andrew Dominik - Nick Cave retoma o percurso que divide com os Bad Seeds há mais de duas décadas. Se o isolado exercício homónimo dos Grinderman, editado no ano transacto, desvendava uma certa nostalgia dos ambientes poeirentos e nervosos da garagem, a recordar os tempos distantes dos Birthday Party, o novo Dig!!! Lazarus Dig!!! recupera parte desse propósito estético, não se coibindo de buscar o conforto de registos "sujos" e, ao mesmo tempo, temperá-los com uma belíssima produção e um ou outro extravio experimental (ouça-se, como exemplo, a soturna "Night of the Lotus Eaters"). Mas mais do que meramente demonstrar qualquer espécie de continuidade (nunca foi esse o cunho de Cave!), o álbum é, acima de tudo, um teste ao gozo do desassossegado australiano na escrita de música e uma revisitação às várias métricas e conceitos de uma carreira que o tempo ajudou a definir como duradoura e incontestável.
Cabem aqui as já usadas competências de explorador de profecias, mitos e crenças religiosas - a evocação do emblema bíblico da ressuscitação, Lázaro, é a mais recente adição à "colecção" - mas também os instintos idiossincráticos (e enigmáticos) de Cave, sempre sublinhados por uma refinadíssima ironia: as mulheres amantes, o hedonismo e a morte que marcha ao nosso lado. Musicalmente, Dig!!! Lazarus Dig!!! é tão vernáculo quanto pode ser um disco de Cave, necessariamente poroso (haverá certamente quem o considere pouco "coeso"), por vezes de uma simplicidade técnica desarmante (a estrutura mínima de acordes de "More News From Nowhere" ou de "Night of the Lotus Eaters" é um paradigma disso), mas sempre pontuado por poemas subversivos, bem escritos e humorados e uma verve que não cessa de efervescer. Mais uma oportuna lição do cinquentão do rock aussie...
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