Embora nas edições mais recentes do selo Warp se encontrem alguns mediáticos desvios estéticos (!!!, Battles, Maxïmo Park ou Jamie Lidell, por exemplo) ao seu corpo editorial "tradicional" - no que pode ser visto como uma segunda página do cardápio, claramente sem o sublinhado das electrónicas - a verdade é que o grosso dos lançamentos da editora inglesa continua a abrir espaço para ousadias de experimentalismo electrónico, com o mesmo espírito pioneiro dos primeiros dias. Com quase vinte anos de ímpar afirmação junto de uma extensa legião de melómanos devotos das linguagens sintéticas mais eruditas e excêntricas, a Warp viria a tornar-se o berço desbastador da criatividade de muitos artífices que têm hoje (ou tiveram) "peso" no universo da electrónica, casos de Richard David James (Aphex Twin, AFX, GAK, Q-Chastic), Dj EASE (Nightmares on Wax), Mark Bell (LFO), Mike Golding e Steve Rutter (ambos no conceito B12), Richie Hawtin, Alex Paterson (The Orb), Andrew Weatherall (The Sabers of Paradise, Two Lone Swordsmen), Tom Jenkinson (Squarepusher), Scott Herren (Prefuse 73, Savath & Savalas), os Antipop Consortium, os Black Dog, entre muitos outros. Dessa extensa lista constam também os nomes de Rob Brown e Sean Booth, parceiros criativos da dupla Autechre (fundada em 1987), dois dos mais sonantes intérpretes da esfera IDM (Intelligent Dance Music) e da electrónica abstracta.
Quaristice, nono registo da dupla de Rochdale, encontra-os na segurança de um som apurado ao longo dos anos, assente sobretudo em estruturas rítmicas de alguma complexidade, no devaneio de alheamento sci-fi do costume e no desprendimento formal (ou desconstrução?) que os torna inconfundíveis. Sem agravo da eficácia do disco, há sombras de um saudável revivalismo, de nostalgia do tempo em que a música para mexer os neurónios pouco mais era do que um mero produto especulativo, clandestino e pessoal. Nesse particular, os Autechre guardam uma irrepreensível fidelidade à sondagem de novos limites para a experimentação electrónica (depois de uma génese essencialmente vocacionada para a techno), erguendo-se como uma das mais dinâmicas forças da electrónica para ouvir e pensar. Assim também Quaristice se faz em visitas demoradas e pausadas, pese embora a invulgar (na discografia Autechre) urgência dos trechos, poucas vezes acima dos quatro minutos, e a extensão do alinhamento (duas dezenas de faixas!). Danos na coesão? É verdade que sim, mesmo olhando à definição pouco consensual de harmonia dos Autechre. Em tudo o mais, o álbum é nervoso, agitado, convulsivo e embaraça-se, aqui e ali, em indecisões de fôlego e pulso. Aquilo que fora a mágica arte do sublime Tri-Repetae (1995), obra magna da dupla, assemelha-se aqui a um espelho de hesitações, onde se reflectem fragmentos menos magros do que parecem à primeira audição mas, ainda assim, marcados pelo desconforto de fins abruptos ou de divagações sem rumo. Mais melódicas e amplas, também menos cifradas na construção, as faixas de Quaristice deixam à produção a incumbência de disfarçar prolixidades, incertezas e desarmonias do alinhamento. E embora a coisa até saia muito bem camuflada atrás de algumas vinhetas bem urdidas ("Altibzz", "Rale" e "Tankakern" são as novas bandeiras do vanguardismo "típico" de Brown e Booth), não se chega a ouvir o disco que, vencidos três anos de silêncio, se esperava dos Autechre.
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