Quem ouve a excêntrica charanga instrumental dos Devotchka pela primeira vez, dificilmente os associa aos sumptuosos cenários rochosos do Colorado, tal é a aparente incongruência estética entre a nacionalidade do quarteto e a fórmula musical que subscrevem. Seja pela versatilidade da formação musical de cada um dos integrantes do grupo - cada um deles se expressa em mais do que um instrumento - ou pelas improváveis afinidades com o folclore gitano dos Balcãs, a música eslava, a festividade mariachi, a canção grega de câmara, ou mesmo as distantes descendências da folk americana, a verdade é que a música dos Devotchka não tem rótulo único. Mediatizados sobretudo depois do convite para musicarem o filme Little Miss Sunshine (no mercado luso, Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos, de 2006), os arrojados americanos viram crescer à sua volta um mini-fenómeno de culto que, não só buscou os discos anteriormente editados (com especial enfoque no impressivo How it Ends (2004), quarto título do seu percurso), como ergueu paulatinamente uma interessante onda de expectativas face a um novo álbum. Depois de aguçarem apetites com um EP de covers (Curse Your Little Heart, de há dois anos), os Devotchka mostram-se, neste A Mad & Faithfull Telling, fiéis a si mesmos e à sua verve única. Além deles, talvez apenas Eugene Hütz e os seus burlescos Gogol Bordello, prestem, com raízes em terras americanas, tão verosímil homenagem à universalidade da música e ao interesse em deixar o acto de criação musical ser polinizado por quaisquer estímulos e afinidades, mesmo que eles venham de culturas e heranças sociais remotas.
A Mad & Faithfull Telling é, portanto, novo capítulo sem centro geográfico, tão nómada quanto a música cigana que é a sua luminária primaz, e onde as canções bebem pontualmente das influências étnicas que mais a preenchem, desde as melancolias da pop "clássica" grega, do colorido instrumental das brass bands e do klezmer do sudeste europeu, da musette francesa, do spaghetti western, da singeleza acústica dos fantasmáticos olores folk. No final, escutado mais este périplo aventureiro e sem grandes cuidados formais dos Devotchka, percebe-se que o trabalho pioneiro de gente como Ry Cooder, Peter Gabriel, Jah Wobble ou David Byrne - eles foram, afinal, dos primeiros a fazer escalas musicais noutros pontos do Globo - continua a ter seguidores e protagonistas nas novas gerações. E que as ondulações da magnífica secção de cordas e as medidas cinematográficas dos Devotchka são, hoje por hoje, uma das melhores e mais apaixonadas fontes de "música do mundo" feita nos E.U.A.. Da balada confessional ao paradoxo de uma pândega quase ébria, tudo cabe no ideário de A Mad & Faithfull Telling. Os melómanos agradecem a sinceridade.
Sem comentários:
Enviar um comentário