Com um início de trajecto artístico disseminado por inúmeros projectos musicais e um sem-número de colaborações paralelas, a nova-iorquina Carla Bozulich tardou a conquistar o seu próprio lugar na convulsa cena musical americana. A comprovar os múltiplos desdobramentos e identidades da compositora, o seu primeiro registo a solo seria editado apenas em 2003 (Red Hearted Stranger), quase uma vintena de anos depois de ter experimentado os primeiros passos, na altura ao lado de Gary Kail. Defensora de uma concepção de arte que não se fecha apenas nas manifestações musicais, abrindo a verve à escrita e a casuais expressões na arte ilustrativa, Bozulich aderiu recentemente à "família" da Constellation, selo canadiano conhecido pelas sinergias entre os integrantes do seu catálogo, pelo que não se estranha o auxílio instrumental de grande parte dos Thee Silver Mt. Zion nas gravações deste Hello, Voyager. Ao deixar cair o seu próprio nome e rebaptizar o novel conceito musical (Evangelista) num formato de banda, Bozulich terá tentado estabilizar um alinhamento de músicos e, ao mesmo tempo, reconhecer a relevância do contributo de dois parceiros dos últimos anos: a baixista Tara Barnes (Eno, Business Lady) e o baterista Shahzad Ismaily (Secret Chiefs 3).
Em termos estritamente musicais, Hello, Voyager não mostra diferenças muito salientes face à tríade de álbuns atrás de si. Se estes eram marcados, sobretudo, por uma visão muito peculiar das diversas gamas e ambientes minimalistas da country-folk, quase constantemente apresentados com revestimentos de experimentalismo negro e alguma espiritualidade, o novo registo acolhe semelhante modelo estético. O disco repisa a simplicidade estrutural de outrora, apostando essencialmente na purificação emocional, ora buscando uma certa teatralidade sombria (os acrescentos de cordas são preciosos nesse particular), ora preferindo deflagrar pontualmente ruídos próximos da música industrial. Em qualquer dos casos, o pano de fundo é dado por construções melódicas pouco complexas, no limite da desconstrução (ouça-se a exemplar coda de encerramento do álbum), com a inconfundível voz cicerone de Bozulich (às vezes lembra Kristin Hersh) a levar-nos por entre abstracções de caos gótico e bizarros mantras ou confissões de catarse. Há qualquer coisa de entrópico na música da nova-iorquina e é precisamente no meio do desregramento que nasce uma lógica cativante, a sedução pelo choque, a atracção no confronto. E aí, Hello, Voyager desvenda o raro refinamento de uma linguagem que, tendo sido aperfeiçoada gradualmente, chega agora a um belíssimo equilíbrio entre a plácida melodia pastoral e a esquizofrénica experiência rock com ruídos.
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