Embora faça com este disco o seu debute discográfico a solo, Annie Clark vem fruindo, nos últimos anos, da fertilíssima experiência de partilhar palcos (e públicos) com personagens relevantes do meio musical contemporâneo. Senão, veja-se: ela empresta habitualmente a sua guitarra ao numeroso combo dos Polyphonic Spree e, em palco, também integrou a banda de suporte das digressões do mediático Sufjan Stevens e, mais recentemente, tocou com os Arcade Fire. Dito isto, não é surpresa que este Marry Me desvende um jogo de estilos indie pop bastante diversificado, com gradações suficientemente suaves e equilibradas para não causar atropelos estéticos no alinhamento e, sobretudo, para definir uma linguagem própria. Depois, as composições, mesmo partindo de uma base acústica de construções mais ou menos "típicas" da guitarra ou do piano, estão recheadas de condimentos que as desviam das convenções, ora introduzidos pelos arranjos de cordas que envolvem os trechos, ora chamados pelo uso sensato de electrónicas em fundo. A mistura irrepreensível - suportada por uma voz harmoniosa (e elástica) como poucas, algures entre o registo colorido de Leslie Feist e as contrições de Beth Gibbons - insinua uma majestade orgânica (e instrumental) que, afinal, não pretende atingir e esse é o encanto de Marry Me. Num exercício quase tântrico, Annie Clark vai manobrando, com sapiência, meras sugestões e lampejos dessa grandeza, construindo um tomo orquestral mas intimista e com os contrastes emocionais certos para enredar o ouvinte numa teia de seduções. E fazer um disco assim, um prodígio romântico e ácido no mesmo fôlego, não é para todos.
sexta-feira, 31 de agosto de 2007
St. Vincent - Marry Me
Embora faça com este disco o seu debute discográfico a solo, Annie Clark vem fruindo, nos últimos anos, da fertilíssima experiência de partilhar palcos (e públicos) com personagens relevantes do meio musical contemporâneo. Senão, veja-se: ela empresta habitualmente a sua guitarra ao numeroso combo dos Polyphonic Spree e, em palco, também integrou a banda de suporte das digressões do mediático Sufjan Stevens e, mais recentemente, tocou com os Arcade Fire. Dito isto, não é surpresa que este Marry Me desvende um jogo de estilos indie pop bastante diversificado, com gradações suficientemente suaves e equilibradas para não causar atropelos estéticos no alinhamento e, sobretudo, para definir uma linguagem própria. Depois, as composições, mesmo partindo de uma base acústica de construções mais ou menos "típicas" da guitarra ou do piano, estão recheadas de condimentos que as desviam das convenções, ora introduzidos pelos arranjos de cordas que envolvem os trechos, ora chamados pelo uso sensato de electrónicas em fundo. A mistura irrepreensível - suportada por uma voz harmoniosa (e elástica) como poucas, algures entre o registo colorido de Leslie Feist e as contrições de Beth Gibbons - insinua uma majestade orgânica (e instrumental) que, afinal, não pretende atingir e esse é o encanto de Marry Me. Num exercício quase tântrico, Annie Clark vai manobrando, com sapiência, meras sugestões e lampejos dessa grandeza, construindo um tomo orquestral mas intimista e com os contrastes emocionais certos para enredar o ouvinte numa teia de seduções. E fazer um disco assim, um prodígio romântico e ácido no mesmo fôlego, não é para todos.
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
VHS or Beta - Bring On the Comets
Apesar de serem recorrentemente "desalinhados" (ou diminuídos) das correntes recentes de revitalização do dance-punk (onde os compatriotas !!!, Radio 4 ou The Rapture, por exemplo, são vozes dominantes) pelo facto de se colarem a estéticas próprias das vagas mainstream e pela particularidade de, um par de álbuns medianos, não ter revelado a grande canção, deles sempre se conheceu um mais ou menos anunciado fraquinho pelo lado mais dançável (ou mais funk?) do rock e da pop. De resto, essa tendência vem sendo sublimada pelo quarteto americano e parece encontrar agora, ao terceiro título, a solidez estrutural que faltou antes. Descendente natural de uma série de sons oriundos dos anos oitenta, pelo menos da cultura europeia de clube da época (The Cure e Duran Duran são luminárias reais), Bring On the Comets é um puro exercício retro, com guitarras angulares e sintetizadores a coser as texturas, refrões (tendencialmente...) orelhudos e um atractivo impulso dançante. Mas, tal como nos trabalhos anteriores, a despeito do sensível crescimento orgânico que aqui demonstram, os VHS or Beta continuam a viver de um discurso demasiado atado às suas referências e cujo alcance pouco mais faz do que esgotar-se em pastiches avulsos delas.
terça-feira, 28 de agosto de 2007
Super Furry Animals - Hey Venus!
Genuínos herdeiros da mais fina tradição do pop-rock britânico, os galeses Super Furry Animals chegam ao oitavo capítulo do seu percurso discográfico com as certezas de uma linguagem respeitada. Acatando os ensinamentos da britpop (especialmente as reminiscências sessentistas dos Beatles) e, sobretudo, não temendo expor a veia "clássica" e generalista do rock ligeiro à sua feição mais esquizofrénica, Gruff Rhys e seus pares construíram uma identidade sonora com alguma sofisticação, uma escrita cuidada e uma capacidade natural para a reinvenção a cada trecho. Não surpreende, portanto, que este Hey Venus! - alegadamente o relato musicado das sortes de uma moça em transição de uma pequena comunidade para uma grande urbe - traga a mesmíssima atitude a que eles nos habituaram, investigando os extremos formais da canção pop mais simples. E, nesse particular, onde outros resvalam para o cliché e, consequentemente, se deixam tomar por fórmulas previsíveis, a experiência dos Super Furry Animals revela-se inesperadamente profícua na simplicidade, sugerindo um espectro pop bem mais lato do que teoricamente se preveria possível. E isso é conseguido à custa dos ingredientes costumeiros do quinteto galês (ou, por extensão, do par de registos a solo de Gruff Rhys) e, ainda que em Hey Venus! eles soem menos fantasistas do que noutros momentos, há aqui argumentos estranhamente dançáveis e de apego imediato que, mesmo que não persuadam os menos partidários da pop ou aqueles que vêm à procura de revoluções no ideário, seguramente funcionam como tese de validação do méritos possíveis do género. E, pela mão dos Super Furry Animals, a pop nunca é púbere e/ou descartável.
Posto de escuta Sítio da 7digital
sábado, 25 de agosto de 2007
Caribou - Andorra
Previamente dado a conhecer ao mundo sob o epíteto Manitoba - designação de que teve de prescindir, com dois álbuns editados, depois de algumas querelas forenses à volta do pseudónimo artístico do cabecilha dos Dictators - o canadiano Dan Snaith rebaptizou, em 2004, o seu conceito musical, socorrendo-se do título de uma canção célebre dos Pixies. Rapidamente sacralizado junto do escol crítico (não tanto nas massas populares...), sobretudo depois da edição de Up in Flames (2003), segundo opus onde revelou traços essenciais de um som com afinidades jazz (ou derivações Motown?) e com queda para as electrónicas sonhadoras, bem ao jeito daquilo a que as convenções costumam chamar dream pop psicadélico, Snaith é, hoje, figura de proa da música canadiana. Cultor das melodias como esteios estruturais de qualquer esquema compositivo, é nelas que Snaith deposita a subsistência das canções deste disco. Seguindo o rasto do antecessor (The Milk of Human Kindness, de 2005), Andorra é uma confiante sinfonia de tons pop, recordando os ornamentos exuberantes de alguns dos artesanatos sonoros dos 60's ou dos tricotados krautrock dos 70's, algo bem distante das electrónicas introvertidas e irresolutas do início de carreira. Ao mesmo tempo, para além de despontar um notório acréscimo de confiança nas capacidades vocais, revela-se, por detrás de extravagantes texturas que combinam instrumentos reais e feitiçarias sintéticas, uma escrita segura nas suas fantasias, contagiante e rítmica, pejada de cores e multiforme. A mistura pode nem sempre sair bem apurada, resvalando aqui e ali para um certo enfado e inconsequência (pormenores particularmente penalizadores da coda "Niobe") que a excelência da produção e o bom senso de atalhar o disco nos nove trechos não escondem. Ainda assim, não falta em Andorra matéria para uns quantos deslumbramentos...
quinta-feira, 23 de agosto de 2007
Piana - Eternal Castle
Foi um encontro casual com Katsuhiko Maeda (mentor do projecto World's End Girlfriend), por ocasião da gravação do seu álbum Farewell Kingdom (2000), que fez o obséquio de apresentar a voz da nipónica Naoko Sasaki ao mundo melómano fora das fronteiras do Japão. De então para cá, a jovem cantora/compositora vem firmando o seu nome na povoada cena internacional da pop ambiental recorrentemente rotulada de etérea e, antes deste Eternal Castle, editou um par de registos marcados pelo desprendimento de formas das composições. Conjugando o apuro estético que herdou da formação clássica de pianista com as influências colhidas junto das melhores escolas da melodia "flutuante" (nesse particular, os instrumentais chegam a sondar ambientes de enlevo nórdico de uns Sigur Rós), Sasaki cruza elementos acústicos (pianos e cordas várias) com interferências digitais deambulantes. Depois, junta-lhes cantos de pura eufonia, com o doce acanhamento e a fragilidade de cristais de uma infância esperançosa (os trejeitos vocais são próprios de uma petiz cantora) que, com uma magnífica versatilidade, acomoda em tecidos orgânicos densos, é certo, mas leves o suficiente para tentar (e conseguir) a levitação. Cândido, onírico e apaixonante pelo fausto sensorial que deriva das construções melódicas, Eternal Castle é um álbum para escutar como um cortejo de utopias e pode muito bem ser, a despeito de um ou outro cliché tonal, o impulso derradeiro para a afirmação internacional de uma visão aprimorada (leia-se reciclagem sintética da pop clássica de câmara) do novo electro-pop japonês e de uma das suas mais insignes intérpretes. Argumentos para isso não lhe faltam.
terça-feira, 21 de agosto de 2007
M.I.A. - Kala
Tendo-se apresentado ao mundo com a surpreendente caixa de ritmos (e melodias) que fora Arular (2005), Maya Arulpragasam (vulgo M.I.A.) deu-nos um dos mais peculiares exercícios de miscigenação cultural da música contemporânea, facto devidamente consagrado nas listas de melhores registos de há dois anos. Nesse disco, a cantora britânica (nascida no Sri Lanka) dissimulou a evidente inclinação kitsch das composições (de resto, devidamente suportada na "máquina" visual que identifica o conceito M.I.A....) num saudável revestimento orgânico que conjugava coordenadas de contágio dançante com ingredientes oriundos das várias escolas funk e hip-hop e algumas frequências afro-brasileiras. A receita é a mesma neste Kala, embora a proposta vá um pouco mais além na "globalização" das matérias invocadas. Senão, veja-se: além do imprescindível funk carioca (substância preponderante no primeiro disco), há sons de Bollywood, samples disfarçados de New Order, candomblés, sons de vídeo-jogo, raps aborígenes, hip-hop nova-iorquino, reggae adulterado e muitos outros micro-sons. O busílis da mescla é que, ao contrário do que M.I.A. e Diplo (o americano é produtor) haviam conseguido no debute, ainda que seja notório o alargamento da gama de influências, não se vislumbra neste Kala o mesmo feitiço melódico que era a escora segura para a prolixidade estética do conjunto em Arular. Sendo, assim, órfão de uma vocação melódica mais convincente (o traço típico de Arular tem descendência segura em "Hussel" ou "Come Around") e de um apuramento de conceitos com outra coerência, o disco acaba por assemelhar-se mais a uma amálgama casual de ideias vindas de um mente prolífica (e desregrada) do que propriamente a um trabalho concluso. Vale como atestado de continuidade ou, se quisermos, como documento de transição para ambições de (ainda) maior eclectismo, com as permeabilidades que isso acarreta.
Posto de escuta Sítio da 7digital
segunda-feira, 20 de agosto de 2007
Prinzhorn Dance School - Prinzhorn Dance School
Dois pormenores podem acelerar conclusões precipitadas sobre este disco. O primeiro deles, e mais imediato, está no nome do par britânico feito por Tobin Prinz e Suzi Horn. De gente (e música) depositada sob o nome de "escola de dança" seria natural esperar-se um trabalho de cariz dançável e não é isso, nem por sombras, aquilo que eles se propõem fazer. A segunda particularidade que nos remeteria, ao engano, para o âmbito da música "dançável" (ainda que nas vertentes experimentalistas, e não necessariamente electrónicas na essência, que convivem de perto com outras estirpes de som), é o facto de eles serem apadrinhados pela DFA que, como sabe quem segue de perto o fenómeno musical, é o quintal editorial de James Murphy. Nesse aspecto, de resto, o conceito Prinzhorn Dance School não encontra paralelo no catálogo do selo nova-iorquino. O contraste nota-se especialmente no minimalismo estrutural da música assinada por Prinz e Horn (por oposição ao colorido orgânico de uns Black Dice ou Rapture), ao jeito de uma versão ainda mais esqueletal e despojada dos The Kills. A fórmula não é propriamente original - fraseados repetitivos e não muito elaborados de guitarra/baixo e pontuação tosca mas firme da bateria - e, a despeito de ser executada com uma dose de credulidade que suscita entusiasmos nas primeiras audições do disco, acaba por enredar as composições num irónico espartilho. Aquilo que supostamente deveria funcionar como a força motriz das peças, o seu hiperbólico minimalismo, torna-se, afinal, na mais ingénua castração das suas potencialidades.
E o disco segue assim: as vozes debitam algumas banalidades num registo próximo do spoken word protestante, incapazes de descolarem de um monocordismo alarmante; a bateria cinge-se a fazer uma escolta meramente metronómica das insinuações melódicas da guitarra, sem rasgos de exaltação; o baixo e a guitarra (mais casual) são o acontecimento relevante de Prinzhorn Dance School, especialmente o baixo de Horn, a dar o tom e a dirigir as composições para a ordenação melódica que, infelizmente, não chegam a ter. Fazem lembrar os Young Marble Giants e têm a atitude do início de carreira dos The Fall - e isso será suficiente para apaixonarem muitos e afastarem outros tantos - mas talvez lhes falte trocar a presunção minimalista por uma orgânica mais preenchida para elevarem os seus (bons) expedientes e atitude a um estrato mais consentâneo com os méritos que neles se adivinham. E a plenitude potencial destas canções é espreitada apenas de soslaio.
sábado, 18 de agosto de 2007
Portugal. The Man - Church Mouth
É mais que provável que as afinidades imediatas dos americanos Portugal. The Man com a nossa pátria lusa acabem precisamente no título de baptismo que escolheram. Reunido no Alasca no início do novo século, o trio - foi temporariamente um quarteto, por ocasião do recrutamento do percussionista Jason Sechrist, para se juntar aos co-fundadores John Gourley (guitarra/voz), Zach Catothers (baixo/voz) e Wes Hubbard (teclas/voz), até à deserção deste último - encontrou fonte de projecção no espaço cibernético, aí semeando o embrião das suas ideias musicais. Durante o ano de 2004 e aos poucos, as composições disponibilizadas na web deram azo a um calmo burburinho à volta da música do trio e a sequência de eventos culminaria com o debute discográfico Waiter: "You Vultures!". Embora o disco não tenha merecido especial atenção dos grandes mercados, talvez por estar envolvido numa certa indefinição idiomática entre diversas opções de revisitar o rock independente clássico e moldá-lo em sonoridades hodiernas (leia-se Beatles vs Black Sabbath vs. T-Rex vs. Mars Volta), já aí se desvendavam algumas das matérias essenciais de Gourley e companhia. E, nesse particular, Church Mouth abrevia indefinições, corrige alguns excessos vocais do antecessor e, en passant, mostra uma escrita vigorosa e reforçada pelo facto de encontrar pontos de equilíbrio mais consistentes e uma orientação melódica mais precisa. Mais um panfleto, este com méritos de evidente crescimento artístico dos protagonistas - quiçá a caminho de um grande disco, assim sejam eles capazes de aprimorar o pendor experimentalista - no estafado furor revivalista que despontou no orbe rock dos últimos anos.
sexta-feira, 17 de agosto de 2007
Pan Sonic - Katodivaihe
As latitudes escandinavas não são propriamente terreno muito fértil para a música electrónica mas, de entre alguns honrosos intérpretes de excepção nesse estilo, destaca-se o projecto finlandês Pan Sonic (inicialmente o nome era grafado Panasonic). Espaço criativo dividido por Mika Vainio e Ilpo Väisänen há mais de uma década, tornou-se célebre a visão expansionista com que o duo estuda as potencialidades da techno minimal em combinação com texturas importadas do universo industrial, do hardcore digital ou mesmo do noise e do glitch. Katodivaihe é mais um exercício de tons analógicos inquietantes e peças fracturadas e cíclicas, sem traços melódicos definidos (nem sequer insinuados), antes denunciando um pendor de certa austeridade orgânica, na linha de depuração estética que a extensa discografia do conceito vem demonstrando nos últimos anos. Cada vez mais próximos das órbitas IDM mais caliginosas, Vainio e Väisänen (ajudados pontualmente pelo violoncelo lúgubre de Hildur Gudnadottir) prescrevem, aqui, dois tipos de construções: as mais ritmadas e ruidosas, também mais hostis para os tímpanos (como nas galopantes repetições de "Lähetys"), e as menos sequenciais, marcadas pela dispersão das texturas ("Hertsilogia" é paradigma disso) e pelos efeitos cerebrais (ouça-se a magnífica "Hyönteisistä"). Em qualquer dos casos, o desembaraço, a experiência e o conhecimento profundo das possibilidades da música sintética são notórios, desembocando em sensações auditivas (e mentais) que, não sendo de consumo imediato nem isento de vertigens, deixam sinuosos reflexos de êxtase na mente. Algures entre o ruído quase sádico e a filigrana digital da contemplação, está o lado negro da techno.
Posto de escuta Sítio da Boomkat
quinta-feira, 16 de agosto de 2007
Night of the Brain - Wear This World Out
6/10
Station 55
Flur
2007
O chileno Cristian Vogel tem carreira feita no universo das experiências electrónicas, seja a nome próprio - foi assim que assinou as obras mais relevantes de um percurso com uma década e meia (como, a título de exemplo, Specific Momentific (1996), documento essencial das descendências de Brian Eno) - ou em parceria com Jamie Lidell no extinto projecto Super_Collider. Tendo em conta esse passado, o conceito Night of the Brain, com claríssima vocação rock (pelo menos na definição da era embrionária dos Sonic Youth), é uma transição surpreendente. Não sendo caso único neste ano - Harvey Basset, outro nome da música "de dança", já nos mostrara, num formato distinto, idêntica predisposição nos planos de Map of Africa - nem se tratando necessariamente da desistência de Vogel da identidade musical que edificou (está previsto um novo opus a solo para o final do ano), Wear This World Out é, sobretudo, a resposta natural a uma mente inquieta que, pontualmente, renova excitações noutros sabores musicais, bem distantes do techno cristalizado.
Para concretizar esse desvio, Vogel (aqui nas incumbências de guitarrista/vocalista) mudou-se para Barcelona e reuniu um quarteto prometedor de músicos: a navarra Merche Blasco, a Burbuja emergente de Espanha, mexe electrónicas e dá voz; Cristobal Massis, académico chileno do jazz empresta percussões; Mike Hermann, figura destacada do underground digital berlinense (sob o cognome Intercooler), é o baixo. Musicalmente vacilantes entre o romantismo despojado e o paranóico exercício de misantropia, as composições assentam em estruturas simples, com algumas variações rítmicas e heterogeneidade própria da interferência de músicos com "escolas" díspares. Ainda assim, a despeito das aptidões que a mescla demonstra em alguns instantes mais soltos do disco (como na quase-progressiva "Ghosts"), grande parte do alinhamento perde verosimilhança enquanto aplicação rock, em razão da indeterminação estética do disco e, acima disso, da conotação com fraseados melódicos e texturas mais próprias da música electrónica (como na curiosa "Connecting Changes" ou, ainda mais, no trip-hop de "Winter Wine").
Station 55
Flur
2007
O chileno Cristian Vogel tem carreira feita no universo das experiências electrónicas, seja a nome próprio - foi assim que assinou as obras mais relevantes de um percurso com uma década e meia (como, a título de exemplo, Specific Momentific (1996), documento essencial das descendências de Brian Eno) - ou em parceria com Jamie Lidell no extinto projecto Super_Collider. Tendo em conta esse passado, o conceito Night of the Brain, com claríssima vocação rock (pelo menos na definição da era embrionária dos Sonic Youth), é uma transição surpreendente. Não sendo caso único neste ano - Harvey Basset, outro nome da música "de dança", já nos mostrara, num formato distinto, idêntica predisposição nos planos de Map of Africa - nem se tratando necessariamente da desistência de Vogel da identidade musical que edificou (está previsto um novo opus a solo para o final do ano), Wear This World Out é, sobretudo, a resposta natural a uma mente inquieta que, pontualmente, renova excitações noutros sabores musicais, bem distantes do techno cristalizado.
Para concretizar esse desvio, Vogel (aqui nas incumbências de guitarrista/vocalista) mudou-se para Barcelona e reuniu um quarteto prometedor de músicos: a navarra Merche Blasco, a Burbuja emergente de Espanha, mexe electrónicas e dá voz; Cristobal Massis, académico chileno do jazz empresta percussões; Mike Hermann, figura destacada do underground digital berlinense (sob o cognome Intercooler), é o baixo. Musicalmente vacilantes entre o romantismo despojado e o paranóico exercício de misantropia, as composições assentam em estruturas simples, com algumas variações rítmicas e heterogeneidade própria da interferência de músicos com "escolas" díspares. Ainda assim, a despeito das aptidões que a mescla demonstra em alguns instantes mais soltos do disco (como na quase-progressiva "Ghosts"), grande parte do alinhamento perde verosimilhança enquanto aplicação rock, em razão da indeterminação estética do disco e, acima disso, da conotação com fraseados melódicos e texturas mais próprias da música electrónica (como na curiosa "Connecting Changes" ou, ainda mais, no trip-hop de "Winter Wine").
terça-feira, 14 de agosto de 2007
Architecture in Helsinki - Places Like This
Surgindo depois do lançamento de uma versão remisturada do álbum anterior a este (por gente como DAT Politics, DJ Mehdi, Isan ou Hot Chip) que prenunciava um certo desígnio de redimensionamento das electrónicas mínimas do início de carreira para escalas mais ambiciosas, o terceiro registo de originais dos Architecture in Helsinki vem confirmar o propósito expansionista que o octeto (agora sexteto) australiano já tentara no segundo opus. A manobra encerraria sempre o risco de hipotecar parte significativa do charme pop-sinfónico do grupo, ou não fossem precisamente a intimidade e a prudência das texturas as mais-valias primárias do seu som. E se In Case We Die demonstrou ser possível franquear o universo melódico a amplitudes de optimismo mais largo, sem se perder a honestidade da proposta, este Places Like This soa algo forçado nesse intento. A insistência em sublinhados psicadélicos (mimetismo desvirtuado dos Flaming Lips?) menos congruentes do que no passado e, sobretudo, o pendor sistémico das canções para se abeirarem de convenções pop mainstream (o disco chega a trazer à memória os B52's, especialmente na primeira metade) e de um conformismo instrumental não conhecido na banda, são as fendas por onde se somem energias desaproveitadas. Um passo atrás.
segunda-feira, 13 de agosto de 2007
Original Silence - The First Original Silence
8/10
Smalltown Superjazz
Trem Azul
2007
Quando se usa o epíteto de "super-banda" para caracterizar um colectivo de músicos ilustres, invariavelmente o peso da adjectivação deriva mais da majestade individual de cada um dos protagonistas de per si do que propriamente da expressão ou perduração do conjunto. E, as mais das vezes, como comprovou a história recente do fenómeno musical, esses sacralizados colectivos são de vigência curta, raramente durando além de um ou outro episódio discográfico pontual e um punhado de actuações quase casuais. The First Original Silence é outra achega para a lista das constelações notáveis - ver-se-à depois se vem para durar. O rol de músicos é maiúsculo e reúne figuras de proa do orbe rock experimental com sumas gentes do universo jazz vanguardista. Senão, veja-se quem eles são: Thurston Moore, guitarra sobrevivente dos Sonic Youth, Jim O'Rourke, prolífico guru da cena indie (aqui ao comando das electrónicas), Mats Gustafsson e Paal Nilssen-Love, compinchas (saxofone e bateria, respectivamente) nos imponentes The Thing, Massimo Pupillo, guitarrista dos italianos Zu e Terrie Ex, libertino punk dos The Ex.
De militantes tão dedicados às feições free da música não seria de esperar outra coisa que não o que se escuta aqui, uma sessão (dividida em duas peças) de incansável e agitado improviso, onde é possível sentir a interacção e a dinâmica entre os músicos e um soberbo sentido de coesão estética. De facto, ainda que sendo um exercício de pura especulação (o encontro dos músicos aconteceu num festival italiano e sem ensaios ou composições prévias) e, nessa condição, se perceba a propensão desregrada de cada um dos discursos individuais envolvidos, The First Original Silence desvenda um idioma uno, a aproximar-se da bizarra liquidez da cacofonia e, sobretudo, segurando o interesse do ouvinte no suspenso efeito-surpresa. Sem qualquer compromisso melódico - jamais a melodia poderia subsistir na colisão espasmódica entre o noise rock e o jazz livre - o disco é arquitectado essencialmente na tensa concatenação de ideias, com os zénites e sinergias a aparecerem no momento certo e sem ponta de estagnação, mesmo naqueles instantes em que a placidez toma conta do festim. Em suma, um assombroso exemplo das virtudes da música improvisada (suplantando o bom trabalho que Moore, O'Rourke e Gustafsson fizeram com o Diskaholics Anonymous Trio e antes da estreia em disco dos OffOnOff, com a outra metade-trio dos Original Silence, lá para o Outono) e um registo autêntico de músicos que não se ficam pelos ajustes na hora de inventar sem regulamento e sem pauta. Venha de lá o encore...
Smalltown Superjazz
Trem Azul
2007
Quando se usa o epíteto de "super-banda" para caracterizar um colectivo de músicos ilustres, invariavelmente o peso da adjectivação deriva mais da majestade individual de cada um dos protagonistas de per si do que propriamente da expressão ou perduração do conjunto. E, as mais das vezes, como comprovou a história recente do fenómeno musical, esses sacralizados colectivos são de vigência curta, raramente durando além de um ou outro episódio discográfico pontual e um punhado de actuações quase casuais. The First Original Silence é outra achega para a lista das constelações notáveis - ver-se-à depois se vem para durar. O rol de músicos é maiúsculo e reúne figuras de proa do orbe rock experimental com sumas gentes do universo jazz vanguardista. Senão, veja-se quem eles são: Thurston Moore, guitarra sobrevivente dos Sonic Youth, Jim O'Rourke, prolífico guru da cena indie (aqui ao comando das electrónicas), Mats Gustafsson e Paal Nilssen-Love, compinchas (saxofone e bateria, respectivamente) nos imponentes The Thing, Massimo Pupillo, guitarrista dos italianos Zu e Terrie Ex, libertino punk dos The Ex.
De militantes tão dedicados às feições free da música não seria de esperar outra coisa que não o que se escuta aqui, uma sessão (dividida em duas peças) de incansável e agitado improviso, onde é possível sentir a interacção e a dinâmica entre os músicos e um soberbo sentido de coesão estética. De facto, ainda que sendo um exercício de pura especulação (o encontro dos músicos aconteceu num festival italiano e sem ensaios ou composições prévias) e, nessa condição, se perceba a propensão desregrada de cada um dos discursos individuais envolvidos, The First Original Silence desvenda um idioma uno, a aproximar-se da bizarra liquidez da cacofonia e, sobretudo, segurando o interesse do ouvinte no suspenso efeito-surpresa. Sem qualquer compromisso melódico - jamais a melodia poderia subsistir na colisão espasmódica entre o noise rock e o jazz livre - o disco é arquitectado essencialmente na tensa concatenação de ideias, com os zénites e sinergias a aparecerem no momento certo e sem ponta de estagnação, mesmo naqueles instantes em que a placidez toma conta do festim. Em suma, um assombroso exemplo das virtudes da música improvisada (suplantando o bom trabalho que Moore, O'Rourke e Gustafsson fizeram com o Diskaholics Anonymous Trio e antes da estreia em disco dos OffOnOff, com a outra metade-trio dos Original Silence, lá para o Outono) e um registo autêntico de músicos que não se ficam pelos ajustes na hora de inventar sem regulamento e sem pauta. Venha de lá o encore...
domingo, 12 de agosto de 2007
Chuchurumel - Posta Restante
Concebido como se fosse uma colecção de cartas musicadas com destinatários escolhidos entre um rol de entidades (pessoas e estímulos) que, de uma forma ou de outra, marcaram o percurso do conceito Chuchurumel, o segundo álbum imaginado pelos guardenses César Prata e Julieta Silva retoma algumas das pistas sugeridas pelo trabalho de estreia. Não é difícil descodificar a fórmula musical desvendada por Posta Restante; ela é, sobretudo, alicerçada no conhecimento profundo das mais arreigadas tradições musicais lusas - onde, de resto, a dupla recolhe algumas das substâncias cruas mais valiosas do seu som (os fraseados melódicos da concertina, da sanfona, da ocarina ou da gaita-de-foles são exemplos) - e na competentíssima integração dessas matérias nos reflexos de modernidade das programações e dos sons processados. Embora não seja fácil domar uma linguagem assim atemporal, com os olhos a venerar o passado e as mãos a esculpir o presente de amanhã, o novo opus dá mostras, não havendo abrandamento da cisma experimentalista que se conhecera no debute, da afinação do discurso (por comparação com No Castelo de Chuchurumel). Com efeito, o pacto do tradicional com o contemporâneo é muito mais espontâneo e eloquente, produzindo uma obra de consistência assinalável e em que as fragrâncias de modernidade já não parecem furos no manto de memórias. Organicamente fértil e construído com uma sensibilidade rara, Posta Restante é um dos mais sólidos argumentos que a música tradicional viu serem escritos em seu favor nos últimos anos. E, ironia suprema dos talentos de César Prata e Julieta Silva, a melhor defesa dos ensinamentos etnográficos e da imprescindível fecundidade da tradição é, afinal, servida em revestimentos da mais fina modernidade. (Bons) sinais dos tempos...
quinta-feira, 9 de agosto de 2007
Guitar - Dealin With Signal and Noise
Mesmo não merecendo créditos nas listas de melhores discos dos últimos anos, o germânico Michael Lückner vem construindo, em passinhos de lã, uma entidade musical consistente sob o nome Guitar. Apesar de, em determinados momentos do seu trajecto, essa solidez estética ter sido razoavelmente posta em cheque, em razão de uma ou outra digressão pontual por paisagens de sons diferentes, é hoje claro que, usando a guitarra como ferramenta condutora e sempre com um fundo orgânico de electrónicas várias e ruído, Lückner encontrou o seu equilíbrio num registo melancólico e algo resignado, com um punhado de referências estruturais importadas do shoegaze. Sem guardar imprevistos na estrutura, a surpresa deste Dealin With Signal and Noise chega na versão (algo vacilante) da celebérrima "Just Like Honey", dos Jesus and Mary Chain (ironicamente, a faixa aparece creditada a Lückner no disco...). No resto, nada de especialmente novo: repetem-se os favores vocais da japonesa Ayako Akashiba (o contraponto para a certa insipidez verbal de Peter Marchese, a outra voz do álbum) e as melodias mergulhadas em ruído, as malhas de guitarra - ouçam-se a interessante fantasia de feedback de "Ballad of the Tremoloser" e a construção melódica minimalista de "Live at Hotel Palestine" - e as ondulantes presenças do ruído. Mesmo assim, não obstante o conforto de uma ou outra peça bem conseguida, Dealin With Signal and Noise pouco acrescenta ao dote já conhecido de Lückner.
terça-feira, 7 de agosto de 2007
Zita Swoon - Big City
O belga Stef Kamil Carlens, o guru-fundador dos Zita Swoon e antigo baixista dos dEUS, não é homem de lugares estacionários. Para ele, a música é fecunda enquanto linguagem-reflexo de vários estímulos e influências e, nessa condição, deve ser um produto dinâmico e livre de formatações. Comummente catalogada como parte da comuna pop belga, em boa verdade há na música dos Zita Swoon numerosas referências estéticas além dessa, ora colhidas junto da folk americana (até mesmo da escola blues), ora repescados da fina tradição da chanson française e da soul music ou mesmo de planos vários do funk e do reggae. Big City, quarto registo do grupo (com o nome Zita Swoon), confirma a lhaneza do discurso acústico que se conhecera nos capítulos antecessores, ainda que surja envolto numa aura mais positiva do que A Song About a Girls (2005) e, sobretudo, numa paleta de géneros um pouco mais larga. Feito de canções de recato e sem cosméticas supérfluas (como, de resto, é o timbre dos Zita Swoon), o disco desvenda uma concentração mais consistente das inúmeras ideias por detrás da escrita e é, nesse sentido, a mais recta colecção de canções de Carlens. Não obstante a uniformidade estética que, a espaços, pode aqui confundir-se com alguma monotonia - pela omissão de contrastes - Big City deixa uma certeza: Stef Kamil Carlens é um escritor de elegias a merecer vivas de outros públicos.
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
Thomas Fehlmann - Honigpumpe
Não obstante o facto de o seu nome estar ligado a alguns dos epicentros marcantes da electrónica europeia dos últimos trinta anos (mormente os injustamente subvalorizados Palais Schaumburg), o suiço Thomas Fehlmann apenas despontou para o mediatismo com o projecto The Orb, já na década de 90. Foi aí que, ao lado de gente como Alex Paterson, assinou trabalhos pioneiros na área do house medido para ambientes after-party. Na substância, o conceito produziu um punhado de álbuns dados a descobrir virtudes atmosféricas na música dançável, baixando-lhes o ritmo, introduzindo-lhes estruturas rítmicas próximas do dub e adicionando-lhes ensinamentos importados dos universos escapistas de Brian Eno. Honigpumpe (traduz-se "bomba de mel") completa uma tríade de álbuns a solo do produtor helvético e retoma as causas dos Orb. É um disco magnetizante na forma como desenha atmosferas com uma curiosa tensão melódica entre a volatilidade dos ambientes e a densidade dos pedaços mais dançáveis. Essa ambivalência estética, aqui sopesada com um equilíbrio notável (créditos à produção!), é o garante da fluidez de um disco que, lançando mão de camadas repetitivas de som (a lógica 4/4 é a regra), não chega a soar iterativo. E, afinal, Fehlmann mostra-nos, com a sapiência de um mestre sabido, que é entre a evocação nostálgica de paisagens sonoras e o nervo hipnótico da dança que se acham alguns dos lugares mais estimulantes da música electrónica.
domingo, 5 de agosto de 2007
Alog - Amateur
Foi precisamente há dois anos que, sem grande aparato mediático e com a edição de um álbum (o premiado Miniatures) verdadeiramente definidor de uma linguagem musical singular, Esper Sommer Eide e Dad-Are Haughan saltaram do anonimato dos cenários frios da Noruega. Nesse disco, o terceiro do percurso sob a designação Alog, apresentaram as premissas de uma forma curiosa de pensar a música electrónica, sem amarras estéticas e, acima de tudo, ensaiando a dinâmica de um exercício improvisado sob mosaicos de sonho de criança. Ao lado das mais variadas infusões de sons pouco "musicais", surgiam arquitecturas digitais de excelente efeito e elementos acústicos sem objectivos perfeccionistas. A combinação é retomada neste Amateur, onde se sublinha a natureza "amadora" do universo Alog, pelo menos no carácter amorfo (desprovido de forma) e quase tosco com que se juntam as variadíssimas fontes de som, muitas vezes com sabores de improviso (como no delírio de percussão de "A Throne For the Common Man") ou, noutros casos, pejadas de assimetrias melódicas. As vozes, raras mas quase sempre em corais pastoris, têm o condão de dimensionar a música para uma quimera incerta, suportada, de resto, por intervenções mais pontuais da electrónica (por comparação com trabalhos prévios). No fundo, Amateur, sendo um exercício mais especulativo - e menos melódico - do que o antecessor, é, também, mais um capricho de ingénua (porque exploratória) composição electro-acústica do que propriamente uma obra digital ultimada (aqui, a electrónica é ferramenta de filtro para os sons originais, não é matéria de base) e, nesse aspecto, destaca-se da restante obra do catálogo Alog. E, como é habitual nos discos de Eide & Haughan, partilham o mesmo alinhamento instantes de pura magia experimentalista ("Son of King" ou "The Future of Norwegian Wood" são dois bons exemplos) com despautérios despropositados (veja-se o quase-silêncio de "Sleeping Instruments). Sinais de inconsistência que, mesmo penalizando o desempenho do álbum como peça inteira, não deslustram a marca diferencial do universo Alog.
Laub - Deinetwegen
Sediados em Berlim, e portanto rodeados por uma das mais estimulantes escolas da electrónica europeia, dificilmente Jürgen Kühn e Antye Greie-Fuchs (também assina, a solo, como AGF) não cederiam ao impulso da música digital. As primeiras expressões artísticas de um percurso que conta mais de uma década de actividade como Laub, já mostravam apetites pelo experimentalismo em volta de entrechos electrónicos. Se, nos discos anteriores, o minimalismo (ou austeridade) estrutural das composições desvendava afinidades com a pop electrónica, sobretudo na forma como a voz convertia as peças a convenções não percebidas na porção orgânica, este Deinetwegen evidencia uma depuração diferente. Sem recorrer a samples, o duo germânico propõe-nos uma desconstrução da estética blues. A adição de inúmeros apontamentos de guitarra - como se imporia em qualquer trabalho gravitando nessa órbita - não só acrescenta afectividade às texturas como, acima disso, desvia os exercícios vocais de Greie-Fuchs do torpor do costume, levando-a para um registo mais emotivo (escute-se, a título de exemplo, a sublime "Sommer 2006"). Não sendo os blues, pelo seu poroso espiritualismo, a mais natural fonte de sinergias com os tecidos frios da dupla alemã, a verdade é que a combinação se revela, a espaços, uma surpresa aprazível e, a despeito de uma outra peça desfocada, vale a pena espreitar.
Posto de escuta Sítio Oficial de Deinetwegen
quinta-feira, 2 de agosto de 2007
Tomahawk - Anonymous
Embora o nome de Mike Patton roube a quase totalidade do protagonismo do projecto Tomahawk, não fosse ele um das personagens mais prolíficas e um dos ícones da cena rock actual (apesar da débâcle recente da identidade Peeping Tom), a verdade é que o mentor da ideia é Duane Denison, guitarrista que ganhou notoriedade nos Jesus Lizard. Foi, de resto, uma digressão de Denison, ao lado de Hank Williams III, que o expôs ao lado "conformista" da tradição musical norte-americana (leia-se música country e diversas variantes da folk) e o motivou a procurar energias nativas mais rebeldes e espontâneas. Anonymous é precisamente o fruto das inspirações colhidas por Denison no contacto com os sons de alguns rituais e celebrações tribais. Academicamente, este tipo de (re)interpretações/adaptações/fusões de sons autóctones não é uma originalidade - ainda que esteticamente díspar, tem paralelo, por exemplo, no trabalho dos Sepultura com as tribos Xavantes para o seminal Roots - e normalmente resulta numa obra de coesão forçada, seja pela dispersão das fontes ou pelo presumível antagonismo entre linguagens antigas e perspectivas artísticas correntes. No caso de Anonymous, essa desarmonia estrutural é notória também na formatação das composições, umas mais próximas da tensão frenética típica dos Tomahawk, psicadélicas e libertinas, outras abeirando-se de um registo brando e próprio de praxes meditativas. Em qualquer dos casos, Denison, Stanier (é uma das forças vivas dos Battles) e Patton propõem-nos uma transfiguração da banda, decididamente menos eléctrica e à procura de pontos de equilíbrio entre os estímulos da tradição índia e o experimentalismo abstracto da marca Tomahawk. Na mescla, apesar do muito razoável alcance de alguns momentos, acabam por perder-se virtudes de ambos.
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