Tendo-se apresentado ao mundo com a surpreendente caixa de ritmos (e melodias) que fora Arular (2005), Maya Arulpragasam (vulgo M.I.A.) deu-nos um dos mais peculiares exercícios de miscigenação cultural da música contemporânea, facto devidamente consagrado nas listas de melhores registos de há dois anos. Nesse disco, a cantora britânica (nascida no Sri Lanka) dissimulou a evidente inclinação kitsch das composições (de resto, devidamente suportada na "máquina" visual que identifica o conceito M.I.A....) num saudável revestimento orgânico que conjugava coordenadas de contágio dançante com ingredientes oriundos das várias escolas funk e hip-hop e algumas frequências afro-brasileiras. A receita é a mesma neste Kala, embora a proposta vá um pouco mais além na "globalização" das matérias invocadas. Senão, veja-se: além do imprescindível funk carioca (substância preponderante no primeiro disco), há sons de Bollywood, samples disfarçados de New Order, candomblés, sons de vídeo-jogo, raps aborígenes, hip-hop nova-iorquino, reggae adulterado e muitos outros micro-sons. O busílis da mescla é que, ao contrário do que M.I.A. e Diplo (o americano é produtor) haviam conseguido no debute, ainda que seja notório o alargamento da gama de influências, não se vislumbra neste Kala o mesmo feitiço melódico que era a escora segura para a prolixidade estética do conjunto em Arular. Sendo, assim, órfão de uma vocação melódica mais convincente (o traço típico de Arular tem descendência segura em "Hussel" ou "Come Around") e de um apuramento de conceitos com outra coerência, o disco acaba por assemelhar-se mais a uma amálgama casual de ideias vindas de um mente prolífica (e desregrada) do que propriamente a um trabalho concluso. Vale como atestado de continuidade ou, se quisermos, como documento de transição para ambições de (ainda) maior eclectismo, com as permeabilidades que isso acarreta.
Posto de escuta Sítio da 7digital
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