segunda-feira, 31 de julho de 2006

Magneta Lane - Dancing With Daggers

Apreciação final: 6/10
Edição: Paper Bag, Abril 2006
Género: Indie Rock/Punk Rock
Sítio Oficial: www.magnetalane.com








Um trio de canadianas que faz um rock com a receita The Pretenders (especialmente na potência vocal) sob efeito de ácidos. A definição pode ser tosca e repete-se na generalidade da imprensa especializada mas faz luz sobre o ideário rock de Lexi Valentine (voz/guitarra), Nadia King (bateria) e French (baixo), em estreia no formato longa-duração. Para esta apresentação às multidões melómanas, as Magneta Lane chamaram a dupla MSTRKRFT (o baixista dos Death From Above 1979, Jesse F. Keeler, e Al-P), servidora da catálise das fusões energéticas do trio. E faísca é coisa que não falta em Dancing With Daggers, ainda que os coriscos saiam refreados em favor das recreações melódicas, fechando o pujante fluido da música em rasgos curtos. A sonda não é o forte das Magneta Lane, elas não querem dar novos mundo ao mundo, ao invés devotam-se ao apuramento de estruturas rock de galope punk e rebeldia q.b. que, não obstante a ligeira moléstia de alguma previsibilidade, recuperam a mítica fórmula do power trio. Com girl power, a fazer lembrar as proverbiais Sleater-Kinney. A voz sobrevive, sem ofegar, mesmo imersa na torrente eléctrica e suja da guitarra; o amparo da bateria é frenético, possante, dá corpo aos floreios harmónicos das composições; o baixo espia e segue, sustém os ímpetos e sorri (em graves contracções), sardónico de si mesmo.

O léxico das Magneta Lane é puro feminismo rock. A provar que elas podem ser tão rock como eles. E esse testemunho nem precisa socorrer-se de clichés nem estereótipos. Brevidade e alma aguçada são predicados que assentam neste trio canadiano e que se arrumam, com encanto, nos momentos altos do disco ("Broken Plates" ou "22") mas que se tornam redundantes noutros trechos. Esse embaraço é particularmente perceptível na segunda metade de Dancing With Daggers. Afinal, um baile com punhais é dança de risco e, à conta do receio em se ferirem, as Magneta Lane não investem na variação, decidem-se antes pela comodidade da aliteração. Ainda assim, o álbum é um simpático ajuntamento de canções rock competentes de uma banda que, tendo assinatura própria, não deixa de parecer-se com uma versão feminina dos Strokes.

sábado, 29 de julho de 2006

Ellen Allien & Apparat - Orchestra of Bubbles

Apreciação final: 8/10
Edição: Bpitch Control, Maio 2006
Género: Electrónica/IDM/Techno Experimental
Sítio Oficial: www.ellenallien.de
www.apparat.net








Não sendo desconhecido dos amantes da electrónica europeia recente, o projecto Apparat (saído da mente de Sascha Ring) é parte de um espaço devoto da abstracção e do minimalismo, tendo concorrido para dar outros diâmetros à moderna electrónica berlinense de cariz minucioso. Mentor de universos musicais virtuais que contestam os clichés da mecânica da música digital, Ring é destro a manobrar atmosferas que tomam o temperamento da techno e da IDM, mesclando-o com elegias emocionalmente cerradas, em encadeamentos quase maquinais, frios e duradouros. Se a ele se junta outra artesã categorizada da seminal escola de Berlim, Ellen Allien, estrela ascendente da techno vocalizada e abono certo de infusões pró-eróticas em cadências electro, parecem colar-se desígnios opostos. De um lado, os preciosismos técnicos e a percepção cirúrgica de Apparat, do outro, a fartura sensual e os rasgos de Allien. A erudição pragmática de Berlim faz o improvável, fomentando uma química de assimilação entre o farto chafariz de subversões de Allien e a urgência de penso-rápido Ring, infalível a conciliar os nacos do disco. A simetria das matérias não tem mácula e apura uma acção simbiótica menos expectável, não se limitando a sobrepor os discursos individuais dos músicos, antes, munindo cada um com novas alavancas e renovada propulsão. À sobriedade torta de Apparat é adicionado um desprendimento sensorial, um novo oxigénio que lhe alarga as vistas; do mesmo jeito, em sentido inverso, à megalomania imoderada de Allien é ministrada a posologia certa de sedativos. O som é o desenlace óbvio da terapêutica: de pulsação nocturna, feito de transparências, luzes trémulas e cores diáfanas, a cansar as leis gravitacionais de Newton, imaterial e borbulhante. A genuína orquestra de bolhas.

Orchestra of Bubbles não é música de reacções absolutas, é dança subtilmente feita pudor, executada ao canto da sala de estar (a pista de dança é apetite ambicioso de mais?) ou de phones no ouvido. Grata é a descoberta de que os músicos não se confinam às usuais impressões iconoclastas, aceitam a aposição de ideias e arquitecam um edifício sonoro que, mesmo carregado de experiências e intuições diferentes, não tem partículas saturadas. Em especulação por planos quase virgens da electrónica, a dupla Allien/Ring vai no encalço de futuros alternativos para a música de dança. Orchestra of Bubbles, exercício magno de cooperação entre ícones da electrónica minimalista, faz o primado do instrumento digital e é obrigatório para seguidores de Allien e/ou Apparat. Para os restantes, o álbum é uma dádiva da melhor electrónica que se (ou)viu no corrente ano.

Posto de escutaTurbo DreamsRetinaJet

quinta-feira, 27 de julho de 2006

Burial - Burial

Apreciação final: 8/10
Edição: Hyperdub, Junho 2006
Género: Electrónica Vanguardista/Dub Alternativo/Trip Hop
Sítio Oficial: www.hyperdub.net/burial.html








Com morada fixa na cena underground dos clubes de dança de Londres, o obscuro Burial apresenta-se. Primeiro disco de um projecto musical de que pouco mais se sabe além das origens londrinas, Burial é uma colecção de electrónica perturbante, a primeira edição de uma pragmática sonora quase clandestina a crescer além da órbita de clubes restritos da capital inglesa. O rótulo é recente, chamam-lhe dubstep, degeneração sintética essencialmente instrumental e combustível de inquietações, por força da evocação de ambientes negros, ao jeito de máquinas sobrenaturais. O jogo de Burial é mecânico e faz agitar as ilhargas do ouvinte, à custa de lhe acirrar o espírito, com sombras musicadas e hologramas de ondas sonoras. Sons reais e sons adivinhados, coisas que se insinuam e sorrateiramente arrombam os vales do silêncio, ecoando no ar como suspiros do desconhecido, aceitando a trepidação de percussões vendedoras de ilusões. Há na música de Burial uma cólera reprimida, um alento rave que se enreda numa improvável e dócil confissão, aceitando o motim emocional e fazendo dele discurso. Minimais, por vezes, e de dinâmica industrial, noutros instantes, as meditações musicadas de Burial comprometem-se com uma deriva indecisa entre o frémito do drum'n'bass (escola inicial de Burial), o torpor progressivo do dub e os arrepios do trip-hop.

Burial é o requiem taciturno dos arcanos pós-apocalípticos de uma cidade futurista. Urbano e complexo, o álbum tem músculo e tem alma. E sangue frio que esquenta em lumes brandos. Trechos fracturados, com as elipses de uns Autechre em união de facto com a alquimia Massive Attack. Capaz de suscitar estados de espírito contrastantes, é nos ápices com samples vocais que o disco atinge píncaros, mesmo quando é redundante, como na incorpórea "Forgive", ou na assimétrica pièce de resistance "U Hurt Me". Esquecendo alguma inconsistência do conjunto que é descendência própria da anarquia conceptual do underground, Burial é peça essencial da electrónica menos convencional. Beats programadas, samples e preciosismos técnicos ao serviço do intelecto: as gloriosas máquinas cogitabundas de Burial.

Posto de escutaBoomkat

terça-feira, 25 de julho de 2006

Camera Obscura - Let's Get Out of This Country

Apreciação final: 7/10
Edição: Merge, Junho 2006
Género: Indie Pop
Sítio Oficial: www.camera-obscura.net








Se até aqui os Camera Obscura eram mais reconhecidos entre portas do que no exterior da Escócia, Let's Get Out of This Country é disco para lhes dar o impulso certeiro além-fronteiras. Oriundo da mesma Glasgow que viu nascer os celebérrimos padrinhos Belle & Sebastian, de quem perfilha as praxes musicais, o sexteto sublimou as formas das suas peças, tirou-lhes o desconchavo lamecha de outros momentos e, sem se privar de escrever canções consagradoras dos amores (e desamores) da existência humana, apresenta-nos um registo abarrotado de sentimento. Nesse propósito, além da componente instrumental mais próxima da melancolia country, superiormente expandida pela produção de Jari Haapalainen (o homem dos Concretes faz acento tónico nos arranjos e nos acrescentos de cordas), a voz de Tracyanne Campbell (agora o único serviço vocal do ensemble, desde a partida de John Henderson) faz maravilhas, melíflua, afectuosa e angelical como poucas, a avivar o sentido harmónico do disco. As melodias são, de resto, a trave-mestra do álbum, sempre joviais, e sem pejo de pedir emprestada a verbosidade da pop-soul 70's dos The Mamas and the Papas ou das The Supremes, de lhe somar as fábulas romanescas dos Belle & Sebastian e o cunho pessoal de Campbell, mais desembaraçada e interessada em assinar a definitiva obra de emancipação do grupo.

Como intróito ao tomo, e a servir de primeiro single, a canção "Lloyd, I'm Ready to Be Heartbroken" mostra ao que vêm os Camera Obscura. Para os mais esquecidos, uma sinopse histórica prévia. Em 1984, Lloyd Cole fechava o álbum Rattlesnakes com uma exortação, em jeito de pergunta: "Are you ready to be heartbroken?". Vinte e dois anos depois, Campbell ousa a réplica a Cole e, com isso, sintetiza brilhantemente o fundo emocional de Let's Get Out of This Country. Canções com confissões de coração partido. Feitas com cautela pristina e devoção à sensibilidade, coisas capazes de nos virarem para trás e lembrar lugares e pessoas, puxando à memória as referências mentais de histórias guardadas nos arquivos da vida. E assim perceber, pelas dezena de trechos de Let's Get Out of This Country, que mais relevante do que recolher os cacos do coração quebrado à conta de apetites sentimentais passados, é deixarmo-nos apaixonar pelas confissões solipsistas de Campbell. E pela bela música dos Camera Obscura.

segunda-feira, 24 de julho de 2006

Drums & Tuba - Battles Olé

Apreciação final: 7/10
Edição: Righteous Babe, Setembro 2005
Género: Rock Experimental/Pós-Rock/Fusão
Sítio Oficial: www.drumsandtuba.com








Os trio texano Drums & Tuba é adestrado em malabarismos com a tradição. Talvez por isso, a pronúncia do som de Anthony Nozero (percussão e electrónica), Neal McKeeby (guitarra) e Brian Wolff (sopros) recolha, ao mesmo tempo, mensagens de correntes musicais anacrónicas e uma feição experimental contemporânea. Das observações do passado, sobressaem os costumes do antigo jazz negro de New Orleans, declaração emancipadora dos instrumentos de sopro (especialmente da tuba, aqui em falas graves de baixo) ao serviço de marchas militares, aqui empregues como subsidiários, ao jeito de um subliminal e ébrio espectro de "When the Saints Go Marchin' In". Ao lado dos sopros, erro fantasmático, os Drums & Tuba espargem percussões e tempos africanos, qual rito de paganismo tribal convertido a sessão espírita hodierna, com embalo funk e seguidora dos manuais rock. Distinguem-se vestígios de praxes progressivas que não chegam a tomar o posto de um rock antes feito de preciosismos e de ângulos matemáticos, os serventes últimos de construções desembaraçadas, quase pós-punk, por aceitarem a irreverência formal. A voz pica o ponto pela primeira vez nos costumes no grupo, descaminhando a atenção do ouvinte da excelência instrumental, mas isso nada deduz aos ambientes vulcânicos do disco. Essa tensão arrasante é comum à meia-dúzia de peças de Battles Olé e é ministrada sem prazo, com recurso aos motivos idiossincrásicos da compleição do trio: o groove nervoso da tuba, as acrobacias improváveis da guitarra e a firmeza pulsante da bateria.

Battles Olé é um assalto pouco pacífico aos tímpanos, não pelo estrondo mas pelo gentil constrangimento provocado pela densidade das substâncias. E pela inconstância dos repentes que dão ao disco um sabor de improviso. A mímica contorcionista dos músicos é prova de uma competência técnica acima da média, algo que o trio utiliza para encenar orbes psicadélicas, com o carácter de intrigas escuras e desafios sónicos de coordenadas fora do alcance. Com um pouquinho mais de zelo na melodia, Battles Olé podia ter sido proeza sem par, assim fica-se pela façanha de mostrar a generosa arte dos Drums & Tuba àqueles a quem, não conhecendo o património da banda, apeteça testar alfabetos alternativos de um universo habitado por criaturas - tuba (e parentes), guitarra e bateria - que poucas vezes casam com tanta propriedade.

sábado, 22 de julho de 2006

Islands - Return to the Sea

Apreciação final: 8/10
Edição: Rough Trade, Abril 2006
Género: Indie Pop-Rock
Sítio Oficial: www.islandsareforever.com








O Canadá não cessa de trazer-nos boas novas. Depois dos Arcade Fire, dos Broken Social Scene, dos Clap Your Hands Say Yeah, dos New Pornographers, dos Wolf Parade, dos The Stills e do projecto Destroyer (Dan Bejar), em estilos distintos, se terem afirmado além-fronteiras nos tempos mais recentes, chegou agora a vez do ensemble Islands tentar, pela mão da Rough Trade, aliciar os mercados exteriores. Com ascendência no extinto e saudoso trio The Unicorns, projecto de onde procedem a guitarra/voz de Nick Diamonds e a bateria de J'aime Tambeur, o recorte da música dos Islands é uma alucinação imposta. Com raízes em estrofes pop efusivas e padrões psicadélicos, cada composição da dupla canadiana é um caleidoscópio quase imaterial, um abismo de vigores confluentes que especulam sobre uma orgânica instrumental com poliglotismo musical. O ambiente denso dos trechos é uma mescla de pop erudita, de country presumido, de electrónica subserviente, até de um miúdo trejeito hip-hop e muitas outras operações que se pressentem, não fazem discurso directo, antes se passeiam nos bastidores, ao jeito de arranjos. São elas: um sensível embalo pastoral, uma ficção honky-tonk, um tropicalismo com saudade, um adágio jazz e tudo o que mais se adivinha nos tecidos de Return to the Sea. Tudo arrumado com uma produção soberba e sem excessos, a facilitar o acesso do ouvinte a música de alcance ilimitado. Uns furos acima do pudor e do ruído dos Unicorns.

Return to the Sea não é disco para canais auditivos preguiçosos que se deleitam com a pop aprumada e recta. Esse não é o tabuleiro de jogo de Diamonds e Tambeur. Eles gostam de jogar inocentemente com as virtudes do som, de o puxar às proporções máximas do coração indie e, com isso, multiplicar melodias pomposas. No limbo entre o génio e néscio, Return to the Sea é uma incitação dúbia ao ouvinte: ou se deixa contagiar pelos dons destas canções e se abeira da genialidade, ou se mete a bordo de uma nau imbecil e descobre que, por detrás de um mágico trecho musical, há um imaginário delirante e absurdas quimeras. Em qualquer dos casos, os Islands estão no seu melhor. Resta-nos deixá-los voltar ao mar. A genialidade já a têm. E que levem consigo a matéria de que se fazem canções pop do melhor que se viu neste ano.

sexta-feira, 21 de julho de 2006

Sunset Rubdown - Shut Up I Am Dreaming

Apreciação final: 8/10
Edição: Absolutely Kosher, Maio 2006
Género: Indie Pop-Rock
Sítio Oficial: www.absolutelykosher.com








O projecto Sunset Rubdown é um dos filões paralelos do teclista/voz dos canadianos Wolf Parade, Spencer Krug. Além deste side-project, ele também faz uma perninha nos eléctricos Frog Eyes, mas foi ao serviço dos WP que conquistou notoriedade, especialmente depois do distinto debute, com o justamente aclamado Apologies to Queen Mary (2005). Neste Shut Up I Am Dreaming, a afinidade com a pop artística é uma constante, seja pelo empréstimo das bizarrias dos conterrâneos Arcade Fire, seja pelos vectores oníricos das camadas de som e do variado arsenal instrumental que enche os ambientes do disco. Teclas de famílias diversas, xilofones errantes, guitarras e batidas processadas ajudam à formação de fantasias musicais multicor que, piscando o olho ao balanço de canções para adormecer criancinhas, nunca chegam a soar pueris. Vistas bem as coisas, o conceito Sunset Rubdown é rival dos Wolf Parade porque, além de trazer o mesmo líder criativo, ameaça, no mínimo, equiparar-se-lhe nos predicados. Não bastasse isso e, entre os créditos do disco, se descobre o voluntarismo de produtor de um padrinho de luxo. Isaac Brock (Modest Mouse), nada menos. Meta-se tudo no mesmo cântaro, baralhe-se com o cânone vanguardista de Bowie no final da década de 70, algumas insinuações barrocas e andamentos de danças de câmara ébrias, a luz do teatro de sonhos de Krug e arranjos quase-sinfónicos e eis um vislumbre do novo Sunset Rubdown. Meritórios os balões de ar (leia-se, retoques esmerados) que arredam o tomo do risco de se despenhar nos abismos da hipérbole e entregam esta dezena de eufonias à causa própria.

Shut Up I Am Dreaming faz arte da subtileza. Krug é daqueles artesãos que não armam peças vãs; as suas composições reproduzem fielmente um cosmos de sons matizados e cores garridas, o triunfo das doces torções infantis e preciosismos estilísticos de uma fita de Burton. Real vs. imaginário. Nesse universo dual, Krug sobrevive sem a matilha com quem partilhou os palcos da fama no ano transacto, sem contudo se desatar do peripatetismo dos puzzles da parada de lobos. Mas em Shut Up I Am Dreaming os enigmas de Krug são outros. Afinal, depois de tamanha pândega como a que dispunha Apologies to Queen Mary, era de esperar que o rapaz tirasse um tempo para o descanso. Não façamos barulho, deixemos Krug dormir e sonhar. E sondemos, de mansinho, o seu mundo de fantasias. Porque sonhos como Shut Up I Am Dreaming não acontecem todos os dias.

quinta-feira, 20 de julho de 2006

Secret Machines - Ten Silver Drops


Apreciação final: 6/10
Edição: Reprise, Abril 2006
Género: Pop-Rock Alternativo/Space Rock/Progressivo
Sítio Oficial: www.thesecretmachines.com








Caídos no goto de David Bowie, depois dos flirts do britânico com os Yeah Yeah Yeahs, os Arcade Fire ou TV on the Radio, os texanos Secret Machines dão o corpo às balas no segundo longa-duração. Se Now Here is Nowhere, editado há um par de anos, era um tomo de tirocínio experimental, registando a admiração do grupo pelos andamentos e amplitude do rock progressivo, pelo psicadelismo nas formas e pela busca de ambientes sonoros em espiral, o sucessor é brando. Decididamente mais poupado no arrojo e centrado na precisão dos pormenores, Ten Silver Drops retém na mira a produção de atmosferas sonoras ambiciosas e de sopro inebriante - o magnetismo dos fósseis Pink Floyd e do krautrock é uma constante - e junta-lhes especiarias das tendências hodiernas, mormente nas tentativas (nem sempre bem sucedidas) de colecta do entusiasmo Arcade Fire e/ou da exuberância Flaming Lips. Ainda que eloquentemente urdida e sem defeitos técnicos, a pop escura dos Secret Machines, mais do que parecer uma obra terminada, se afigura um esboço da maturação identitária de um colectivo a tentar expurgar o seu som. Redimidos os excessos criativos do primeiro disco, Ten Silver Drops é, no melhor e no pior, mais rigoroso a condensar a pilha de ideias dos Secret Machines num punhado de canções mais terrenas.

A adrenalina do debute foi-se, a massa energética dissipou-se, a repetição tomou-lhes o posto, confundindo os contornos da música dos texanos. Umas vezes a tocar de leve o brilhantismo (como nos esplêndidos trechos "Daddy's in the Doldrums" e "Faded Lines"), outras na raia do enfado, Ten Silver Drops fica aquém de ser o épico-dos-pequeninos que se propunha ser. E os Secret Machines adiam uma consagração proporcional à mestria técnica que possuem. No fundo, o emaranhado de formatos baralhados na concepção do álbum têm o epílogo esperável: não chega ao entendimento do ouvinte se Ten Silver Drops é progressivo, se é kraut, se é psicadélico, se é electro-rock, se é rock de arena. À cata de convocarem tantas doutrinas, estas oito canções acabam por trazer uma pronúncia esquisita, irrepreensível em termos técnicos, é certo, mas com pouco suco. Acima de tudo, Ten Silver Drops é um alento razoável de sobrevivência de um trio de músicos à procura da emancipação, num universo pop lotado e nada amigo de experiências.

terça-feira, 18 de julho de 2006

segunda-feira, 17 de julho de 2006

Figurines - Skeleton

Apreciação final: 7/10
Edição: Control Group/TCG, Março 2006
Género: Indie Rock/Lo-Fi
Sítio Oficial: www.figurines.dk








Dinamarquês de origem, o quarteto Figurines foi mencionado em alguns artigos de opinião como o equivalente nórdico do trio norte-americano Modest Mouse. Se as parecenças são claras de mais para seguirem sem ser notadas, há no som destes escandinavos algo mais do que mera mímica. A voz nervosa e nasalada de Christian Hjelm empoleira-se em canções vigorosas, com traços de produção lo-fi e encadeamentos de guitarra, algo que já tinha sido tentado no muito razoável registo de estreia, Shake a Mountain (2003). Aí, as valências desta trupe escandinava apontavam a um tom pop de bons princípios (uns pozinhos Sonic Youth...) e refrões amistosos mas algo difuso. Tal vício é menos evidente em Skeleton, as canções são objectivas e condensam com jeito as regras prolixas do debute. Com isso, a vocação contagiante dos trechos sai reforçada, sem redundar e, mais do que isso, sem descambar para a comodidade da linguagem mainstream. Popular, não tem que ser popularucho. O parâmetro base é, portanto, a busca de melodias e hooks aliciantes, como é da praxe de qualquer banda indie-rock que se preze. Nesse particular, Skeleton desvia-se da superficialidade, surpreende mais do que era previsto, é harmonicamente convincente e recreativo. Mesmo assinando um discurso de inferior originalidade, os Figurines imprimem animação às canções, exectuando lances de esplêndido recorte e postura arrebitada.

Skeleton é sinónimo de um disco indie-rock by the book. Não sendo um registo formulista - a multiplicação de conceitos não o permite - são acatados cânones forçosos neste género: riffs de guitarra melodiosos, estruturas precisas, protagonismo vocal, amplitude teatral, tempos volúveis e refrões autocolantes no ouvido. Sinais de um colectivo com espírito agudo e faculdades suficientes para atrair sobre si o aplauso da comunidade melómana, se não pela singularidade do som, ao menos pela incontestável capacidade para fazer de cada trecho musical uma circunstância próspera. O príncipe Hamlet face às revelações do tétrico fantasma do defunto pai, num texto shakespeariano, proferiu a célebre citação: "Há algo de podre no Reino da Dinamarca". Com o advento dos Figurines, talvez as coisas fiquem um pedacinho melhores para o indie-rock na terra natal e, por justa extensão, à escala do globo terrestre.

sábado, 15 de julho de 2006

Asobi Seksu - Citrus

Apreciação final: 7/10
Edição: Friendly Fire, Maio 2006
Género: Shoegaze/Pop-Rock Alternativo
Sítio Oficial: www.asobiseksu.com








Os ventos nova-iorquinos não deixaram morrer o shoegaze. Toneladas de efeitos na guitarra, a voz afundada em texturas musicais de volume bem alto e carradas de feedback, reverb e outras adulterações de estúdio, assim se faz o género, assim o começaram a desenhar os irlandeses My Blood Valentine, referência incontornável da família, mormente na segunda metade da década de 80. Com eles, o noise tornou-se filho adoptivo de uma pop pouco formatada e exuberante, de várias dimensões e atmosferas. Os Asobi Seksu (ao que parece o título é japonês para sexo entretido...), no segundo longa-duração, resgatam o imaginário do shoegaze, como se ele ainda fosse moda. E com boas canções, que importa se estas ideias estão em desuso? Yuki Chikudate é a nipónica que lidera o quarteto nova-iorquino e é senhora de uma carismática voz de medidas tonais largas, ora em inglês ora em japonês; James Hanna é o homem do leme instrumental, o sublime encantador de serpentes, o fazedor de harmonias e muros de som lavrados por guitarras em hipérbole, densas, vibrantes e astrais; o baixo de Haji é metrónomo e a percussão de Mitch Spivak ajuda ao remoinho sónico do álbum. Como na capa de Citrus, também a música dos Asobi Seksu enreda Yuki num turbilhão melódico, a voz distante presa numa teia de rebuliços eléctricos, de ênfase instrumental e muita substância.

Resumir o modus operandi dos Asobi Seksu às parábolas do shoegaze não lhes faz justiça. As alusões a outras bandas (os My Bloody Valentine e Lush no topo) vagueam por Citrus é certo, mas nada soa datado ou plagiado, graças ao recurso inteligente a uma paleta de truques genuínos, à dinâmica alternante das composições e a um pragmatismo sofisticado na hora de polir o som. Citrus é pop-rock anti-gravidade e para sonhar. Não fosse um ou outro lance menos inspirado e o novo dos Asobi Seksu tomaria um lugar no panteão do shoegaze. Ainda assim, trechos magníficos como "New Years", "Thursday", "Strings" e "Red Sea" confirmam que esse movimento merece uma segunda vaga. E que os Asobi Seksu vão na crista da onda.

sexta-feira, 14 de julho de 2006

Regina Spektor - Begin to Hope

Apreciação final: 7/10
Edição: Sire, Junho 2006
Género: Cantautora/Folk-Pop/Pop Alternativa
Sítio Oficial: www.reginaspektor.com








A moscovita Regina Spektor é americana adoptiva. Com a tenra idade de nove anos, na ressaca das reformas da Perestroika, mudou-se com a família para o Bronx, famoso subúrbio de Nova Iorque que lhe aviou porções massivas da cultura underground americana. Daí ao traço tradicional da música de Joni Mitchell, de Patti Smith, de Tori Amos ou Billie Holliday, uma minúscula distância. Tão ilustres influências são notórias em Begin to Hope, terceiro longa-duração de Spektor, sem embargo de uma produção mais requintada e arranjos minuciosos, ora recorrendo a instrumentos reais, ora aceitando a interferência das máquinas. O som é mais denso, sem ser pesado de mais para os ouvidos, e a voz (sem impurezas) encontra outras coordenadas de confiança. O piano é o servente primaz, elemento crucial da formação musical da cantautora e promotor fundamental do corpo harmónico do disco. Nas rendilhas do piano pousam os demais orgãos sónicos das paródias musicadas de Spektor. Em paradoxo, ela é uma estroina responsável, usa a seu bel-prazer os cânones da folk, subverte-os ao ponto de lhes expôr o avesso e as costuras, torce-os e desvia-os do centro para, de chofre, arrumar a burlesca zomba, qual conjunto de peças de lego, numa canção inteira. As truanices (aqui, mais sóbrias) de Spektor são coisa séria; o que parece uma recreação leviana é, afinal, um exercício da mais inocente irreverência musical, uma farsa no palco decadente da humanidade.

Título de estreia de Spektor numa major, Begin to Hope é comedido na extravagância (examinado em paralelo com os antecessores) e, em consequência, ministra trechos musicais de digestão mais ligeira. Nem por isso se deforma o experimentalismo, propriamente tonificado num registo vocal que, sem ecoar com originalidade, materializa a pulsação das composições e oscila, com semelhante primor, entre a doçura confessional e a tirada jocosa. Audíveis sem recurso a manual de instruções, as peças de Spektor são tão cerebrais e criativas quanto chistosas e cómicas. Como se Pasternak re-escrevesse a história do poeta Yuri Zhivago num cabaret do Bronx. Ou se Regina Spektor, sentada defronte de um Steinway & Sons desonrado com tags a graffiti, e com o ar tomado pelo fumo de um Marlboro, ensaiasse uma kalinka tradicional. E Tori Amos a sorrir. Begin to Hope é tudo isso.

quinta-feira, 13 de julho de 2006

TV on the Radio - Return to Cookie Mountain

Apreciação final: 8/10
Edição: 4AD, Julho 2006
Género: Pop-Rock Experimental/Pós-Rock
Sítio Oficial: www.tvontheradio.com








Depois do prolixo (e consequentemente difuso...) Desperate Youth, Blood Thirsty Babes (2004), aguardava-se com alguma expectativa o novo capítulo dos americanos TV on the Radio. O álbum de debute firmou os predicados imprevistos do colectivo de Brooklyn, aventando uma estética plena de urbanidade e eclectismo, na linha das tendências mais recentes da música independente, mas a que faltava arrumação e enlace. Desta vez, ao invés de expelirem as (boas) ideias sem controlo, os rapazes depuraram a sua identidade musical e, não hipotecando o encanto experimental e a ambição do som, condensam princípios e pulem melodias. Comparando com o antecessor, Return to Cookie Mountain é mais lacónico, também mais preciso, e isso, no caso destes talentosos artífices, é uma mais-valia porque encaminha a excentricidade (e os desvios) de cada composição para planos mais concretos. O abstraccionismo instrumental - o garante da diversidade do disco - não sai aviltado da proximidade estrutural com a pop, antes reforça o sopro psicadélico dos trechos musicais. Ter sumo pop não é sinónimo de leveza, as composições são espessas e carregadas de alma, com vocalizações afectadas de tribalismo, umas vezes, e de trejeito alucinados à Bowie (além de fã dos nova-iorquinos, até é convidado de honra na faixa "Province") ou Beach Boys, outras vezes, e um corpo musical que funde astutamente a cultura negra, o improviso, a folk, a pop veraneante e os dribles electrónicos.

Mais do que ser o prolongamento lógico de Desperate Youth, Blood Thirsty Babes, o novo álbum é a evolução natural dos TV on the Radio. Superado o custoso exame do sempre difícil segundo disco, aguardam-se outras etapas de um dos mais excitantes ensembles da indie actual. Sejam eles capazes de rebuscar as máximas do seu som, como tão bem ensaiaram neste Return to Cookie Mountain, e reserva-lhes o futuro algo de prodigioso. Enquanto não chega essa obra magna, cabe-nos desvelar pacientemente a atmosfera espiritual única desta colecção de canções. E, com isso, perceber que música genuína como esta impressiona, não por se vender a rótulos, nem por se fechar em estilos, mas por aglutinar a percepção artística com os vários semblantes da incongruência humana.

domingo, 9 de julho de 2006

Cult of Luna - Somewhere Along the Highway

Apreciação final: 8/10
Edição: Earache Records, Junho 2006
Género: Metal Alternativo/Gótico/Pós-Rock
Sítio Oficial: www.cultofluna.com








Oriundos de um dos mais fecundos feudos do metal europeu, os suecos Cult of Luna são exploradores. A vasculhar as entranhas das sonoridades de feição gótica há cerca de oito anos, o pico do percurso destes nórdicos foi atingido com o áspero Salvation, editado há um par de anos. Experimental e progressivo, o disco ajudou a anichar os nórdicos na mesma família musical dos americanos Neurosis ou Isis, puxando-os para a dianteira do movimento doom. É nessa onda de afirmação que surge o quarto longa-duração, um álbum que, perseguindo o espectro costumeiro do colectivo sueco, apresenta credenciais de uma identidade reformada. Não é que o ensemble liderado por Klas Rydberg tenha relegado os vectores básicos da sua sonoridade, ao invés as descargas de intenso vigor manifestam agora uma aproximação aos entrechos harmónicos do pós-rock. As melodias seguem gradações não muito rígidas, apurando o recorte instrumental e o estímulo sensorial das peças, mais celestiais e menos matemáticas do que no antecessor. Somewhere Along the Highway é, em consequência, cicerone de paisagens sonoras menos fulminantes mas de contornos soturnos e que, se não agitam com a electricidade de Salvation, induzem hipnoses artificiais que fazem render-se o mais empedernido dos ouvintes à sensibilidade corrosiva das composições. Mais do que um ácido tardo, a última viagem dos Cult of Luna é pendular, feita de emoções sujas que derivam indefinidas num além escuro e sopram apaixonadas interrogações em surdina.

Somewhere Along the Highway é um registo pós-apocalíptico de força e coração que confirma a evolução dos Cult of Luna, justapondo quimeras meditativas e obscuras camadas do mais refinado metal. Mais do que isso, o último trabalho do septeto escandinavo é a sublimação do seu monstro sónico, demarcando-se decisivamente da esfera de influências e dispondo a plenitude da expressão dos Cult of Luna. Densidade nos detalhes, arritmias no pulso, técnica instrumental e sensações envolventes são predicados ímpares do metal atmosférico de Somewhere Along the Highway, o tomo de viragem dos suecos rumo ao vago éden do dia depois de amanhã. Nesse jardim proibido, a fúria retém-se, a noite rouba a luz ao dia e a desesperança do isolamento converte-se num abismo sónico. Como numa plácida e inquietante escultura de sons.

quinta-feira, 6 de julho de 2006

Peeping Tom - Peeping Tom

Apreciação final: 6/10
Edição: Ipecac/Sabotage, Maio 2006
Género: Pop Experimental/Trip-Hop/Rock
Sítio Oficial: www.ipecac.com








Há já algum tempo que o mundo melómano aguardava o anunciado projecto pop de Mike Patton. Com o lançamento retardado pelo envolvimento do músico em diversos projectos paralelos (Tomahawk e Fantômas, entre outros) e pelas dissenções com as grandes editoras, apenas agora chega aos escaparates o seu mais acessível trabalho desde os tempos dos Faith No More. A vizinhança de Peeping Tom às proporções da antiga banda de Patton é coisa intuída, sentia-se por antecipação antes de escutar o disco. Ao ouvi-lo, percebem-se essas e outras passadas. Mais do que se fechar numa redoma de facilitismo pop, Patton repesca o vulto rock dos Faith No More, variável que não se despega das composições, ainda que apenas se assome como uma sugestão da dialéctica do compositor. Traços indeléveis da cartilha rock de Patton: a dinâmica alternante das peças, a ensaiar o revezamento baixo/alto que tão bem se orquestrava nos Faith No More, as vocalizações delirantes (plagiadas por muito boa gente que por aí anda...), os refrões de veemência agreste. Depois, além de seguir o manual de instruções rock, o disco tem balanço trip-hop e alma de gueto. Se isto é pop, não é pop de rádio. Patton e convenções não rimam.

Com um extenso rol de interferências que inclui Dan the Automator e Kid Koala (parceiros de Patton no conceito Lovage), Rahzel (dos The Roots), os compinchas Anticon (Jel, Doseone e Odd Nosdam), os Massive Attack, o mago electro Amon Tobin e as menos prováveis Bebel Gilberto e Norah Jones, cada um creditado com um espaço próprio no disco, esperava-se um corpo musical menos previsível. A granel, Patton embrulha as faixas num híbrido trip-hop/rap/rock que não faz jus ao eclectismo das ajudas. A despeito de alguns instantes plenos de charme, Peeping Tom fica-se pelas promessas interrompidas sem conclusão. Faltam os pontos finais ao underground pop de Patton. Omissão natural num projecto musical que rouba o nome a um filme apologista do voyeurismo? Afinal, um voyeur genuíno é criatura bizarra que nem sequer tem namorada...

quarta-feira, 5 de julho de 2006

Six Organs of Admittance - The Sun Awakens

Apreciação final: 7/10
Edição: Drag City/AnAnAnA, Junho 2006
Género: Pós-Rock/Folk Experimental
Sítio Oficial: www.sixorgansofadmittance.com








O vínculo de Ben Chasny aos Comets On Fire, projecto paralelo que faz parte dos seus empregos regulares, nunca chegou a imiscuir-se tanto no trabalho a solo do músico como neste The Sun Awakens. Ao conceito folk minimalista que tem sido doutrina de Chasny, normalmente assente no casamento dialogante entre uma guitarra solitária e uma voz subliminal, somam-se neste trabalho dimensões psíquicas do som, à procura do embrulho psicadélico para a pertinência dos elementos acústicos. O som é, por isso, mais vago e ondulante e orienta-se intencionalmente para paisagens sonoras ambíguas, ora em quietude desarmante, ora em insubmissa subversão. Depois, há a voz fantasma. Cativante, apurada e com corpo, o registo vocal, ainda que raro, é uma premissa lógica. Se nos anteriores álbuns do conceito Six Organs of Admittance, as vocalizações eram metade (evidente ou presumida) das harmonias, neste, embora não usufruam de mais espaço, são um veículo para a força espiritual do disco, impondo-se em cores mutantes com a dinâmica de um caleidoscópio. Pontos nos i's. Viscerais como nunca. A aura de The Sun Awakens é escura, é latejante e roça uma inquietação não adivinhada antes nos Six Organs of Admittance. Ao oitavo disco, Chasny confronta os seus demónios?

Estrato sobre estrato, a produção de Tim Green é soberba, reinventando as medidas da folk perturbada de Chasny, rumo a um som sem escola, discurso dominante da nova América esquisita. A folk do tio Sam não é já a mesma, paz à alma dos gloriosos trovadores de banjo e guitarra. Hoje, o púlpito é dos freaks. Gente com cabeça lotada de ideias e talento para lhes dar corpo musical. Sem temor do laboratório. Como na transcendente mantra de 24 minutos que encerra o disco ("River of Transfiguration"). Retiro escapista de Chasny ou (de)composição instrumental urdida com ímans espirituais, a peça é um raro instante zen, a redenção esotérica de Chasny. O busílis: não dá para camuflar a clivagem sonora entre a espiral mística desta faixa e o conformismo das restantes com o costumeiro manual de Chasny, ligado, aqui e ali, à voltagem das tomadas. Dois mundos. Um negro e espiritual, o outro, a casa do costume, apenas mais eléctrica. Em qualquer dos casos, como nas palavras de Octavio Paz que baptizam o disco, o sol desperta. Só mudam as cores da aurora.

domingo, 2 de julho de 2006

sUBMARINE - The Next Album

Apreciação final: 6/10
Edição: TAVM, Junho 2006
Género: Electro-Pop/Electro-Rock
Sítio Oficial: www.submarine.pt.vu








V.N. de Famalicão foi posta no mapa da electro-pop-rock nacional. Os obreiros da façanha são os sUBMARINE que, contando cinco anos de maturação em cima do palco e algumas edições avulsas, se entregaram à gravação do segundo longa-duração, depois do esquecido Spaces & Places (2004), trocando a experimentação de ambientes lounge pelo subliminal estímulo do sangue rock. A permutação de afinidades, contudo, não apaga da ementa sonora do grupo o padrão electrónico, antes o redimensiona no tempo; o upgrade do som é uma evidência, sublinhada pela produção precisa (a cargo do próprio quinteto famalicense) e pelo abeiramento às escalas contemporâneas do electro-pop-rock. Jargão em inglês para uma sonoridade feita de cumplicidades com as tendências mais frescas da electrónica ligeira, do new wave e da funk a adornar o propósito pop das composições. Depois, a preciosa piscadela de olhos aos 80's (andar em frente a olhar para trás...) favorece a definição de um som fluido e de perspicácia cosmopolita, cruzando referências temporais para chegar a um corpo de canções mais dançável, acelerado e menos meditativo. Nisso, The Next Album ganha aos pontos e comprova o esboço evolutivo dos sUBMARINE.

Produto versado para mexer o corpo mais do que volver a mente, o último trabalho dos sUBMARINE é leve como a um disco pop se pede que seja. O quinteto famalicense não sente urgência de crescer depressa, nem idealiza motins contra regras. Certinho do princípio ao fim, com pouco arrojo na produção e diminuta amplitude vocal, The Next Album não quebra o gelo, traz algumas boas ideias mas fica-se pelo serviço pop mínimo o que, se há-de vir a encher de admiração uns quantos teenagers a descobrirem os primeiros impulsos dançantes (a cortesia dos sUBMARINE está em "Teenage Pop Song 2006"), não deslumbra melómanos sabedores, daqueles que não estimam o atalho dos lugares comuns para fazer canções amigas do tímpano. Porque delas é feito The Next Album. Pop de estação.