sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Foxygen - We Are the 21st Century Ambassadors of Peace & Magic


8,6/10
Jagjaguwar, 2013

Albergar o trabalho musical do último ano e pico sob o epíteto de embaixadores da paz e da magia para o século XXI é coisa para merecer interpretações várias. Puxar a si um protagonismo tão pomposo tem algo de absurdo porque, ao mesmo tempo, redobra expectativas sobre o disco  - o terceiro de um percurso até aqui praticamente despercebido - e, mais do que isso, anuncia um exercício de regeneração que reporta à saudosa era do make love not war. Não é pouco, de facto. Os co-signatários da proposta dão pelos nomes de Sam France e Jonathan Rado, dois descomplexados californianos que já se conheciam de petizes e que se uniram nesta causa de repescar sons de outros tempos. Estamos a falar do refinamento de uma fórmula que vem trabalhando em cima do fulgor alucinado do rock psicadélico dos 70's, se quisermos das derivações barrocas da pop de então, mas que não havia ainda conseguido espicaçar os círculos de opinião e os melómanos. We Are the 21st Century Ambassadors of Peace & Magic promete tornar-se o pilar decisivo para mudar o percurso do par americano e seus companheiros de estrada. A partir daqui, nada será igual. E é justo que assim seja, ou não estivéssemos em presença de um disco que consegue fito raro: ser uma manifestação genuinamente vintage e, em simultâneo, soar fresco e actual.

É claro que o referencial estético tem feição de erro cronológico, mas as canções são tão deliciosamente inspiradas que se assemelham a uma colecção de clássicos. Da escrita de Rado e France já se conheciam valências inatacáveis que alguns descuidos (ou desproporções) na produção - assumida pelos próprios Foxygen - deprimiram repetidamente noutras gravações. Desta vez, honras a Richard Swift, outro californiano de renome, que assumiu as rédeas da produção e emprestou rumos pertinentes ao som destes neo-hippies; a engenharia de sons é magnífica e arruma as inúmeras texturas com sentido de detalhe, elegância e proporção, bem longe dos desvarios dos discos anteriores. Retro servido assim, com canções que podiam ter sido resgatadas dos baús da excelência clássica, é do mais moderno a que se pode almejar. Oxímoro trendy, é o que é, e são muito bem-vindos, senhores embaixadores!

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O Quarto Fantasma - A Sombra


7,4/10
Raging Planet, 2013

Não obstante se arrumar orgulhosamente na marginalidade de uma cena musical portuguesa ainda pouca aberta ao experimentalismo ou ao desatino formal, vem-se firmando cá no burgo, aos soluços, um movimento de apóstolos do rock instrumental. Saúdam-se as vontades destes espíritos intrépidos que se insurgem contra o conformismo tipicamente luso e, ao mesmo tempo, se aventuram em quintais sonoros quase virgens e normalmente olhados de lado. O primeiro longa-duração do trio O Quarto Fantasma é outro machado erguido nesta "guerra" de conquista de espaço e, mais do que ser uma mera apresentação circunstancial, promete firmar peugadas para outros seguirem. Claro que esta missão de desbravar terreno é um pau de dois bicos: ou se toca um zénite criativo e não sobrará espaço para as unhas da crítica ou se desbaratam referências e se perde o pé. Neste A Sombra, a corda bamba deixa os lisboetas mais perto da primeira hipótese, segurados numa produção que expurga o melhor das duas guitarras e bateria (sim, é um trio sem baixo), que lhes junta pontualmente algumas impurezas bem-vindas (vozes ou teclas, por exemplo). É, de resto, no curioso jogo de imparidades tonais (leia-se grave vs. agudo) entre as duas guitarras - sublinhado pela ansiedade da bateria - que se acha o leitmotiv sónico do disco: uma digressão suja, densa e vibrante (como se supõe num produto de semente rock) aos esconderijos emocionais mais negros de nós. Dessa divagação introspectiva, dividida em onze episódios, sobram as reverberações próprias de peças em crescendo - o mister pós-rock é isto mesmo - e cujo clímax anunciado se deflagra faustosamente nos trechos mais longos, por oposição àqueles que, com mais urgência, ao tentarem meter o Rossio na Betesga, acabam por soar apressados. E, se essa impaciência penaliza ligeiramente as belíssimas perturbações emocionais que A Sombra hospeda, não é menos verdade que estamos em presença de um documento congruente e de bom recorte. Não apetece acender a luz.

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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Deafheaven - Sunbather


8,4/10
Deathwish, 2013

É um facto que uma fatia significativa dos seguidores do fenómeno musical alternativo continua refém de preconceitos mais ou menos assumidos e que se fecham repetidamente a qualquer manifestação oriunda do universo metal, nas suas milhentas ramificações. Trata-se de um sectarismo instalado - e que também se estende a parte da crítica especializada - e que raramente abre brechas para dar visibilidade a um produto discográfico dessas origens tidas como menores. E se é certo que um quinhão importante desse divisionismo se deve também à natureza de nicho de sonoridades que são vocacionadas para públicos muito específicos e neles se esgotam, não é menos verdade que existem inúmeros exemplos de protagonistas do metal com vistas mais largas e capazes de produzir música que galga essas barreiras conceptuais. O exemplo do segundo álbum dos americanos Deafheaven é paradigmático de duas coisas: o crescimento do conceito estético da banda e, depois, o reconhecimento generalizado (de crítica e público) da fórmula experimentalista com que se recreiam nos ambientes do dark metal. Relativamente ao segundo aspecto, a banalização deste Sunbather nas listas de final de ano será uma certeza.

Quanto ao desenvolvimento artístico da banda, usando a referência do debute (quase incógnito) de há dois anos, mantém-se a curiosa mistura, sem discrepâncias: belíssimas texturas de guitarra pejadas de ambientalismo pós-rock, com acelerações rítmicas importadas do dark metal, as aparições (oportuníssimas) das blastbeats e a erosão agonizante da voz de George Clark. Até aqui, tudo igual, na elegante alternância entre os momentos tétricos, necessariamente carregados de negrura e acidez, e a maravilhosa contraparte de lugares mais serenos, de casta contemplação. A ampliação de Sunbather relativamente ao antecessor prende-se com um cuidado acrescido a tricotar os instrumentais, com uma produção mais refinada (e potenciadora dos contrastes ambientais do disco) e, acima de tudo, um vigor reforçado nas energias emocionais postas em cada peça. Nesse sentido, é um registo mais volumoso e intenso. A ciência oculta dos Deafheaven redimensiona-se na sua própria ambivalência e que Clarke resumiu na mouche em recente entrevista: "é o nosso trabalho mais negro e mais luminoso". E é exactamente isso que dá a este disco a imunidade a qualquer preconceito estético.

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terça-feira, 22 de outubro de 2013

Márcia - Casulo


7,6/10
EMI, 2013

Não é preciso dedicar muitos minutos à audição deste Casulo para perceber que algo mudou nos horizontes musicais de Márcia Santos. Depois de e sobretudo do muito mediatizado dueto com JP Simões em "A Pele que Há em Mim", a lisboeta saltou para o primeiro plano da música nacional e logo lhe colaram rótulos toscos (alguns pejorativos), todos em volta do conceito de miúda indie e do facto de cantar em português, como se esses fossem universos incompatíveis e sem lugar no burgo. Parecia que, de repente, cantar (bem) sem recorrer ao pragmatismo da pop orelhuda se convertia num qualquer pecadilho que urgia atalhar com venenos. Felizmente, a tal "miúda indie" não só não se deixou contaminar por isso, como soube operar esses contextos em seu favor, pagando-lhes a mais justa indiferença e centrando-se nas coisas essenciais a si (foi mãe durante a idealização do álbum) e à sua música. E a ironia suprema é que, mantendo as premissas estéticas que notabilizaram Márcia no último par de anos, Casulo soa mais maduro, mais equilibrado e não é mera resposta às expectativas. Claro que o núcleo basilar continua a ser o binómio voz/guitarra, mas há oportuníssimas interferências que redimensionam a sobriedade melódica de Márcia, sem somar desordem nem espalhafato, apenas ajudando a desenhar os cenários emocionais das canções. E que belas (e muito charmosas) canções moram aqui.  

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Four Tet - Beautiful Rewind


7,7/10
Text, 2013

Apesar de ser um dos mais seguidos protagonistas do orbe electrónico, Kieran Hebden conseguiu uma coisa rara para os dias de hoje: lançar um compacto novo sem que ninguém o antevisse. Com efeito, Beautiful Rewind apareceu em surdina e logo motivou - sobretudo por força do single "Kool FM" - um (aturdido) tropel de opiniões e curiosidades, como seria expectável quando se trata, como é o caso, de alguém com uma discografia muito sólida e urdida em torno de uma linguagem musical culta na gestão de samples e no experimentalismo electrónico. Além disso, o facto de o primeiro avanço do álbum se apossar do nome da mítica estação de rádio londrina (à data, pirata) que, no começo da década de 90, deu expressão ao movimento jungle, lançou pistas sobre uma incursão Four Tet a esse legado musical. Em teoria, qualquer matéria dançável "encaixa" na inspiração empirista de Hebden e nem as mais anacrónicas ficam fora de órbita. Com efeito, o resgate de fórmulas aparentemente estafadas (veja-se o caso dos Disclosure, por exemplo) parece ter-se tornado moda recente. Old is the new New. Restaria saber como o ordenamento jungle baralharia a ética musical Four Tet, ao trazer-lhe a persistência em breakbeats orgânicos (feitos de manipulações de som real) por oposição às induções sintéticas tão caras a Hebden, ao secundarizar a melodia e, mais do que isso, ao sugerir o discurso hirto dos MC's da época.

A redundância nunca foi problema para Hebden, pelo que conceptualmente não há conflito de interesses, ou não fosse ele um dos artesãos mais hábeis no jogo de samples. O recurso às batidas sampladas também não é elemento crítico; pelo contrário, até se revela um recurso utilíssimo para emprestar uma palpitação diferente ao som Four Tet. É precisamente aí, na veemência da pontuação rítmica, também nas interferências vocais de algumas faixas, que Beautiful Rewind nos desvia do universo pastoral do costume, tornando este o disco mais tenso de Hebden. Os seguidores indefectíveis do londrino podem não ficar rendidos, nem o registo terá a coesão do costume, mas não deixa de ser um tomo de boa música.

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segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A Gaiola Dourada


7,2/10
2013

Ao fazer da emigração portuguesa a matéria principal da sua primeira longa-metragem, o realizador Ruben Alves fez um sincero exercício de introspecção, ou não fosse ele próprio descendente de portugueses radicado em Paris e, portanto, profundo conhecedor de uma realidade que, embora conheça agora um fôlego diferente, teve, sobretudo nos anos oitenta, uma expressão social muito significativa. A trama deste A Gaiola Dourada assenta num núcleo familiar que, como qualquer outro da época, arrastava consigo uma panóplia simbológica típica dos portugueses (o fado, o futebol, o bacalhau) e que veio a favorecer, ano após ano, a construção de estereótipos nem sempre positivos. É também desses preconceitos e das complexidades suburbanas da comunidade lusa que versa o filme, com o olhar imparcial (e necessariamente mais distante) de alguém que, sendo descendente da falange emigrante, soube interpretar as peculiaridades do esforço de integração e - numa das notas mais interessantes do filme - perceber que grande parte da imagem estereotipada foi fomentada por uma certa autoproscrição (inconsciente) da própria comunidade portuguesa, muito fechada em si mesma e apegada às suas crenças, valores e comportamentos. Ruben Alves capta habilmente essa dimensão e fá-lo sem indulgências, apenas insinuando uma curiosa conclusão sociológica, pouco comum numa comédia de costumes: a integração do emigrante português é sempre incompleta. Além disso, a fita promove uma homenagem à perseverança daqueles que partiram de Portugal em busca de conforto material e que, para isso, se sujeitaram a ofícios duros e ao desdém - também ele pousado nos estereótipos - dos privilegiados autóctones que vieram a servir.

Com um bom punhado de representações (Rita Blanco está cada vez mais majestosa), um guião competente e uma interessante cenografia, A Gaiola Dourada é um filme leve, equilibrado e marcado por um humor subtil, com pontes mais ou menos manifestas com a tradição da comédia francesa e os "antigos" clássicos portugueses e sem concessões à caricatura do lugar-comum.

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sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Vampire Weekend - Modern Vampires of the City


8,0/10
XL, 2013

Não é fácil sobreviver aos arrastões do hype mediático sobretudo porque a mesma voragem acelerada que entroniza (atrapalhadamente) qualquer candidato a next big thing é a que, depois, retira o tapete com proporcional indiferença e cínico desdém. Os nova-iorquinos Vampire Weekend - que alegadamente "nasceram" enquanto fenómeno na blogosfera - vieram a tornar-se uma das evidências mais surpreendentes desse tipo de ascensão imparável, confirmada não só no primeiro registo discográfico (em 2008), mas também na capacidade revelada para superar bem a fasquia crítica do segundo álbum. Agora que chegam ao terceiro registo, estão perfeitamente cientes do êxito e da sua proporção e expõem-se a novo momento de escrutínio, alargando a paleta de cores de uma fórmula que, desde o início, deixou pistas de raro senso de criatividade, de frescura e de percepção das vantagens no cruzamento de géneros. O amadurecimento dessas propensões é o diapasão deste Modern Vampires of the City, um tomo com as mesmíssimas matérias-primas que fizeram dos VW um caso: simplicidade na escrita pop (com tiques africanos) e arranjos/produção de excelência.

As canções são despretensiosas e vêm adornadas com a extensa panóplia de truques orgânicos da banda. É daí que parte a sensação de estarmos em presença de um disco dos VW em discurso directo. E que só podia ser feito por eles. Depois, as canções oscilam entre o latejo e a placidez, a pressa e a contemplação, sempre servidas com conteúdos líricos a que vale a pena atentar. Modern Vampires of the City encerra uma tríade de álbuns que, com altos e baixos, confirmam os Vampire Weekend na incumbência de um dos ensembles mais importantes da cena musical contemporânea, não apenas por terem um discurso espontâneo, vivo e extraordinariamente dinâmico, mas por nos mostrarem que a pop também pode ser elegância, pormenor e pedigree. Essa coisa pejorativa de os considerar um fenómeno descartável da internet já lá vai, estes rapazes são músicos a sério!

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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

The Field - Cupid's Head


7,9/10
Kompakt, 2013

Ao escrever sobre o projecto The Field, alcunha artística do produtor sueco Axel Willner, impõe-se um exercício de incontornável reverência por uma obra que vem progressivamente erguendo uma linguagem electrónica de suprema elegância e consistência, num ciclo que conta já meia dúzia de anos e completa agora um quarteto de compactos. Nesse percurso, muito foi escrito sobre a densidade da sua música, o sentido monolítico de uma estética que, apesar de fechada a concessões, não deixa de ser muito consequente e o carácter magnetizante dos seus trechos. É, de resto, na dualidade entre o domínio das técnicas próprias dos universos IDM mais esfíngicos e a sensibilidade para introduzir invulgaridades "melódicas" nas redundâncias rítmicas que reside a mais-valia que fez de Willner um dos mais bem sucedidos artesãos electrónicos da sua geração.

Nesse particular, Cupid's Head define posições: é simultaneamente o menos melódico (a fazer lembrar outros laboratórios de Willner como Black Fog ou Loops of Your Heart) e o mais tenso dos registos The Field. A coincidência desses factos, a ausência de colaborações instrumentais (que estiveram presentes antes) e a deriva por ambientes negros (a troca do branco pelo preto no artwork não é inocente...) que pauta o álbum fazem dele uma descoberta menos consensual do que outros trabalhos de Willner, a despeito da excelência de algumas composições ("They Won't See Me" ou "No. No...", à cabeça). A escrupulosa feitiçaria de Willner está mais obscura e impenetrável, mas continua apelativa. Sem dúvida, vai longe o tempo em que este homem imaginou uma cover dos The Korgis.


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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Moby - Innocents


6,7/10
Mute, 2013

Talvez por ser um dos mais fleumáticos protagonistas da cena musical, poucos se apercebam que Moby conta já mais de duas décadas de percurso. Os holofotes do mainstream confluíram para ele com Play, opus magno de uma discografia que, depois desse inspirado (e muito rentável) momento de 1999, deu sinais de alguma desorientação estética, seja pelas derivações ostensivamente pop, seja pelas sucessivas tentativas (falhadas) de recuperar o som que o ergueu então a patamares ímpares de sucesso. Em ambas as circunstâncias, a atracção pelo espaço mainstream - que parece, afinal, avesso às matérias essências do som Moby -, veio a depreciar o legado de Play e deixou um lastro de álbuns menos iluminados. Este Innocents, não sendo um registo de suprema elevação criativa, tem tudo para interromper a derrapagem de carreira e crescer como o melhor trabalho do nova-iorquino desde Play. Desde logo, uma das premissas do disco demonstra a consciência autocrítica de Moby, o reconhecimento de que urgia acrescentar à sua fórmula musical alguma matéria diferente: é a primeira vez no seu percurso que acolhe a co-produção de outrem, no caso do britânico Mark "Spike" Spent, notabilizado em trabalhos com Depeche Mode, Muse, Massive Attack, Madonna, Björk, entre muitos outros. Depois, para emprestar diversidade às composições, Moby chamou até si uma insígne trupe de vocalistas: Mark Lanegan, Wayne Coyne  (Flaming Lips), Damien Jurado, Cold Specks, Skylar Grey e Inyang Bassey.

Em termos orgânicos, os ambientes convocados por Innocents não são particularmente originais no cancioneiro Moby, mas parecem arrumados com coerência acrescida, em redor do minimalismo melancólico de outras ocasiões, das cadências arrastadas e da grandiosidade nos arranjos de cordas simulados no sintetizador. Juntando-lhes o dinamismo dos diferentes aportes vocais completa-se o lote de ganhos de substância de um disco que, a despeito de alguns instantes de bom recorte que seguram o cunho Moby, não disfarça a mediania das composições.

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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Anna Calvi - One Breath


7,6/10
Domino Records, 2013

Quando se tem um debute discográfico com a amplitude mediática que Anna Calvi conseguiu há dois anos, então merecendo consagração generalizada (e justa) como uma das melhores vozes emergentes da cena musical britânica, não há como evitar a elevação de expectativas para o sempre difícil exercício de urdir um segundo disco à altura da estreia. Essa barreira psicológica onde encalham muitos projectos musicais é também, por norma, elemento separador de águas e revelador de aptidões para futuro. No caso de Calvi, este One Breath mostra-nos ambientes sonoros familiares, conservando grande parte das premissas do antecessor, sobretudo na elegância de uma visão pop sem concessões facilitistas e construída essencialmente à volta de dois argumentos muito valiosos: a voz e a guitarra.

Não obstante a inevitável continuidade desse par no núcleo orgânico das composições - afinal, são matéria quintessencial a Calvi -, da audição do novo trabalho ressalta uma acrescida ambição nas composições e nos arranjos, seja pela adição de outros conteúdos instrumentais, seja pela incursão óbvia em planos de escrita mais extravagantes. E se a aposta resulta em grande parte do disco, dando uma imagem inventiva de Calvi que é óptimo enquadramento para emprestar outra dinâmica ao seu cancioneiro, não é menos verdade que o excesso de ambição acaba por pontualmente tocar extremos desalinhados do seu ideário estético (a fazerem lembrar as agudizações da americana St. Vincent) e a pedirem uma escrita mais solícita.

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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

10 000 Russos - S/T (EP)


8,4/10
Edição de autor, 2013

Nascidos no improvável berço que se tornou o ex-centro comercial Stop no Porto - hoje convertido em viveiro de projectos musicais - e fruto do conhecimento mútuo de competências, Pedro Pestana (o solitário que dá corpo ao excelente laboratório de sons Tren Go! Soundsystem) e João Pimenta (vocalista de ocasião nos ALTO! e nos Green Machine) juntam criatividades sob o epíteto 10 000 Russos, alegadamente sugerido nas divagações de uma noite de copos com amigos. Pondo de parte as esdrúxulas considerações histórico-biográficas com que se apresentam (vale a pena ler o delirante descritivo), anunciam-se ironicamente como "a banda sonora da decadência europeia" e essa alcunha talvez assente na música que professam neste EP de debute. E é bom que se aceite o rótulo dos próprios músicos porque a proposta sonora deles tem tanto de inclassificável como de sedutora.

O que mora nas quatro peças do EP homónimo é um intratável assalto sónico de psicadelismo rock, urdido numa malha alienada e que cruza evocações espíritas dos Spacemen 3, verve experimentalista, percussões cirurgicamente maquinais (mesmo que executadas manualmente), preces distorcidas e um imparável puzzle de corta-e-cola sons, sem destino ou forma definidos. A combinação é um prodigioso ritual tântrico do primeiro ao último segundo: alucina, insinua desvarios, agita, corta a respiração (e, por instantes, parece que os pulsos também...), fere os tímpanos e, depois, serena como um drunfo, dissipa-se deixando no ar uma ressonância inquietante. O que foi isto? Abram alas a esta invasão russa!

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Ty Segall - Sleeper


8,3/10
Drag City, 2013

Para um homem com a raríssima (e desgastante) prolificidade de Ty Segall, há-de haver momentos em que, ao invés de empilhar gravações nos inúmeros projectos e divagar pelo mundo - literalmente, com as extensas digressões europeia e americana de 2012 -, é o mundo que choca com ele, com a veemência circunstancial daqueles factos que alertam para a condição efémera da humanidade. O desaparecimento do pai adoptivo e a ruptura da relação com a mãe coincidiram no tempo e motivaram a confessada necessidade de purga mental que fez nascer este Sleeper. Nesse sentido, e para melhor servir o propósito de depuração emocional, Ty Segall entendeu confinar a sua linguagem musical à contenção de um formato essencialmente acústico, algo que circunscreve a natureza poluída do seu cancioneiro garage rock à medula, dispensando distorções e outros psicadelismos (mesmo vocais). E, pese embora essa redução intimista, as composições conservam o inconfundível cunho Segall, mesmo sem o músculo, o nervo ou a urgência de outros instantes.

Sleeper é um disco que convoca a redenção do descanso, do retiro, como se Ty Segall precisasse de um refúgio da sua própria extravagância rock para encontrar a catarse dos conflitos emocionais interiores. Nesse sentido, é também  um álbum cujos tons de rendição (e de comoção) servem de plataforma regeneradora. Como um belo sonho acústico que põe Segall olhos nos olhos com o desassossego. E de que ele há-de acordar tão eléctrico como antes.

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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Darkside - Psychic


8,4/10
Matador/Other People, 2013

Ele move-se na sombra do mediatismo mais pomposo, mas o que é certo é que poucos artesãos da electrónica terão tido agenda mais preenchida do que Nicolas Jaar, seja na promoção da sua própria música, seja nos inúmeros serviços paralelos que levou a cabo nos últimos anos. Esse voluntarismo permitiu-lhe o contacto com músicos de origens várias, entre eles o guitarrista Dave Harrington com quem formou o conceito Darkside, inaugurado em EP, há sensivelmente dois anos. Já este ano, a parelha - pontualmente rebaptizada Daftside - remisturou (apressadamente) o álbum Random Access Memories, dos Daft Punk, num exercício de puro hedonismo electrónico que passou quase despercebido, mergulhado nas suas próprias bizarrias, mas que lançou premissas conceptuais para o que haveria de seguir-se. Psychic, a verdadeira estreia no formato longa-duração, é a sequência criativa mais ou menos lógica da convergência de ideias entre dois músicos de universos aparentemente díspares.

De um lado, está o sentido melódico levitante de Jaar, feito de notas esparsas e percussões tímidas, em tangências com a electrónica ambiental minimalista; do outro, a orgânica jazz-blues de Harrington e a presença fantasmática da ciência do rock clássico. Talvez por isso, numa declaração recente, Jaar tenha dito que este é o seu disco rock'n'roll. A afirmação é naturalmente hiperbólica: Jaar não é e jamais será um músico rock'n'roll, conquanto se faça óbvia a ingerência rock na habitual texturação minuciosa dos trechos, sobretudo pelos astutos pontilhados de guitarra. Em rigor, são esses inputs que revigoram o exotismo espacial (futurista?) de Jaar, somando-lhe o risco da mundanidade para "prender" o ouvinte. A subtileza da mistura anuncia alguma estranheza no primeiro contacto, é certo, mas acaba por revelar-se, atrás da complexidade orgânica, uma experiência de tensos ambientes nocturnais e de exploração cósmica, um magnífico mutante de sons flutuantes. Psíquico, sem dúvida.

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terça-feira, 8 de outubro de 2013

Oneohtrix Point Never - R Plus Seven


7,7/10
Warp, 2013

Não obstante já andar nestas lides há cerca de seis anos, apenas há dois Daniel Loupatin (o homem atrás do alter ego Oneohtrix Point Never) despontou manifestamente para a primeira linha da música experimental, sobretudo graças à rendição mais ou menos generalizada de crítica e público ao muito discutido Replica, o seu quarto longa-duração. Migrando da Massachussets natal para uma Brooklyn que é cada vez mais um esdrúxulo centro de criatividades musicais sem paralelo nos EUA, aí encontrou o contexto adequado para uma fórmula musical que conjuga, como poucas, o pendor ambiental, a profundidade da electrónica "clássica" (leia-se krautrock) e uma disposição formal verdadeiramente melancólica, servida em redundâncias e acalmia rítmica. De resto, este preceituado foi maturando em cada incursão ao estúdio de gravação, a ponto de subliminarmente ir acolhendo aportes vários e de consolidar, no topo dessa cadeia de experiências, uma relação de afinidade com o ruído que seria matéria decisiva no sucesso de Replica. Esse êxito conceptual converteu-se, no fundo, num ónus para este R Plus Seven, desde logo pela sua condição de sucessor da obra mais impactante de Loupatin, mas também por inaugurar a ligação contratual com a Warp.

A comparação terá tanto de injusta como de inevitável, em face de uma onda de expectativas que, depois do portento criativo que foi Replica, criou uma ânsia gigante de continuação. Separem-se já as águas: R Plus Seven não é segunda parte do seu antecessor, nem tencionou sê-lo. De permeio das sonoridades sombrias e fracturadas que se conheciam (e são menos patentes), até da justaposição obtusa de samples, convocam-se agora as primícias da música digital, matéria tão cara à obra de Loupatin. Nesse sentido, R Plus Seven repesca o experimentalismo progressivo do norte-americano sobre matérias oitentistas que, sendo datadas, encontram aqui reencarnação válida mas que, também por isso, soam mais a experiência de estudo, com a consequente parcimónia, do que propriamente a um exercício especulativo sintonizado com o filão dourado de Replica. Não o desprestigia, é certo, mas fica irremediavelmente aquém.

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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Scout Niblett - It's Up to Emma


7,6/10
Drag City, 2013

O desfile lírico do novo álbum de Scout Niblett não deixa espaço para segundas interpretações: mora nestas entrelinhas uma história de amor corrompido e as suas incontornáveis ondas de choque emocional. Pouco importam as causas e se o agente corruptor é o tempo, as circunstâncias, os momentos ou os delitos de carácter, o que sobra é uma desolação que ensaia, depois, várias formas de catarse, ora vingativa, ora indulgente. Da reunião dessas energias, nasceu um dos mais pessoais registos de Niblett, também um dos mais viscerais e, por isso mesmo, servido sem adornos estéticos, antes laconicamente resumido à guitarra isolada de sempre, com pontuais aparições da percussão a sublinharem a aspereza e a gravidade do discurso. 

Não é facto novo esta confessada inaptidão de Niblett para os relacionamentos emocionais, ela tem feito disso a matéria-prima de um cancioneiro que subscreve, sem se fechar nela, uma noção de canção saudosa do grunge mais depressivo. Nesse particular, embora cáusticas e tensas como antes, as canções de It's Up to Emma são produto de um conforto maior na mágoa, daquela habituação à desilusão a que as convenções sociais chamam envelhecimento. Aos 40 anos, Niblett já somou muitos quilómetros na estrada da vida e a redenção, não obstante continuar a fomentar ilusões, não é já uma obsessão.

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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Linda Martini - Turbo Lento


7,9/10
Universal, 2013

Fez-se senso comum que o "salto" de um músico do circuito perifério das pequenas editoras para uma major, com as exigências mercantis do alargamento da distribuição, tende a tingir-lhe a integridade. A recente migração dos Linda Martini para o catálogo da Universal, companhia magna do espectro editorial, relançou esse debate por antecipação, muito antes da chegada deste Turbo Lento, terceiro longa-duração dos lisboetas. Além da mudança de selo e da natural especulação sobre eventuais ingerências no processo criativo, o álbum tem também sobre si o ónus de suceder a Casa Ocupada que, há três anos, firmou definitivamente a marca do grupo como um dos mais inventivos ensembles do rock alternativo nacional.

Independentemente de considerações comparativas, Turbo Lento é uma catatónica exposição de estados de espírito,  um quadro de pinceladas grossas com rumos esquizofrénicos entre o turbo (a urgência importada do punk) e o lento (a tela pós-rock que serve de base), o sufoco e a placidez. Nesse sentido, o álbum é um puro desassossego Linda Martini, a consequência natural de dez anos de um percurso sereno, sem delírios de grandeza e com a certeza de um código musical que, passadas as hesitações da partida, encontra a derradeira emancipação, sem ter saído da garagem. O mesmo palco de motins que concentra a ferocidade latejante de sempre, o vigor que a regenera e o rescaldo pulsante, em busca de apaziguar. Mas, afinal, é lá que dormem os ratos.

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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Justin Timberlake - The 20/20 Complete Experience


7,4/10
20/20 Experience 1 of 2 8,3
20/20 Experience 2 of 2 6,5
RCA, 2013

Depois de um hiato temporal em que investiu essencialmente na carreira cinematográfica, o regresso discográfico de Justin Timberlake foi tão mediático quanto podia esperar-se de uma figura de proa da cena musical contemporânea, sobretudo depois do anúncio de que esse retorno assumiria a forma ambiciosa de díptico. 20/20 Experience conheceu, assim, primeiro momento em Março e é agora concluído, com o lançamento da segunda parte. Enquanto intérprete e compositor, Timberlake continua a ser um dos mais proeminentes fidalgos da pop, aqui inteligentemente a não almejar a (impossível) réplica do antecessor de há seis anos, antes procurando firmar conceitos de uma filosofia sonora muito própria e sem paralelo. A procura de espaços de convergência entre a pop, o R&B ou o hip-hop, mesclados com raro discernimento, é o pedestal da charada musical de Timberlake, novamente ajudado pelo companheiro de longa data Timbaland. É inconfundível a assinatura da alquimia de um Timbo à procura de regenerar-se, depois de uma muito desgastante omnipresença em quase tudo o que era disco. É certo que a produção pode não soar tão fresca como antes, sobretudo se (injustamente) comparada com o inovador FutureSex/LoveSounds. Mas a escrita de canções está muito acima da média que se encontra nesta família de sons, entre a veneração retro dos clássicos e a modernidade orgânica.

Com Justin Timberlake a pop não é música a  viver na ansiedade do next big hit, nem tem que ser construída nos bacocos preceitos do mainstream radiofónico/televisivo. De resto, o norte-americano manteve sempre uma inteligentíssima relação com os media, cativando-os o suficiente para ter presença assídua e o oportuno destaque da sua música, sem embarcar em qualquer forma de subserviência. 20/20 Experience é mais uma evidência dessa postura e de uma forma de consagrar a música pela música, sem concessões, com respeito pelas raízes e com uma apurada noção de fazer bem. Pena é que a segunda parte do díptico tenha ficado muito aquém da primeira, reforçando assim uma noção de superfluidade que perpassa o alinhamento da proposta mais recente. Vale a excelência do primeiro tomo.

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terça-feira, 1 de outubro de 2013

Tiago Sousa - Samsara


7,8/10
Immune, 2013

A alma musical de Tiago Sousa esteve sempre dividida entre o improviso próprio de um artífice autodidacta, de rédeas livres, e o pragmatismo técnico de um executante culto nos ideários eruditos. Algures entre esses pólos, mora uma linguagem singular, não no sentido de ser particularmente inovadora ou excêntrica, mas sobretudo por revelar um contagiante desassossego, a que não é estranha a tal dicotomia entre técnica e devaneio. Nessa linha, a música de Tiago Sousa tornou-se, com as derivações formais conhecidas (aqui em exercício puramente individual), um veículo das suas próprias convulsões emocionais, vertidas habilmente num discurso de notas pesadas e, por isso mesmo, pejadas de espiritualidade. Era assim também nos trabalhos coadjuvados por outros músicos, mas faz-se mais evidente neste Samsara, um álbum inspirado no esoterismo "importado" da filosofia das migrações das almas das religiões orientais. Essa espiritualidade é uma evidência transversal às quatro peças do disco. O quarteto de composições partilha um vago sentido melódico, assente na já conhecida atonalidade de Tiago Sousa, a mesmíssima matéria de que ele se socorreu noutros trabalhos para nos levar a deflexões melódicas inesperadas e com que, agora, nos volta a aliciar irremediavelmente para um escapismo despojado, contemplativo e só. É de solidão que se trata, a do piano e a nossa, a das notas depositadas minuciosamente no silêncio, em progressão lenta, à procura de livrarem-se da tensão tétrica que as assombra. A luz é uma centelha distante. 

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