sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O Quarto Fantasma - A Sombra


7,4/10
Raging Planet, 2013

Não obstante se arrumar orgulhosamente na marginalidade de uma cena musical portuguesa ainda pouca aberta ao experimentalismo ou ao desatino formal, vem-se firmando cá no burgo, aos soluços, um movimento de apóstolos do rock instrumental. Saúdam-se as vontades destes espíritos intrépidos que se insurgem contra o conformismo tipicamente luso e, ao mesmo tempo, se aventuram em quintais sonoros quase virgens e normalmente olhados de lado. O primeiro longa-duração do trio O Quarto Fantasma é outro machado erguido nesta "guerra" de conquista de espaço e, mais do que ser uma mera apresentação circunstancial, promete firmar peugadas para outros seguirem. Claro que esta missão de desbravar terreno é um pau de dois bicos: ou se toca um zénite criativo e não sobrará espaço para as unhas da crítica ou se desbaratam referências e se perde o pé. Neste A Sombra, a corda bamba deixa os lisboetas mais perto da primeira hipótese, segurados numa produção que expurga o melhor das duas guitarras e bateria (sim, é um trio sem baixo), que lhes junta pontualmente algumas impurezas bem-vindas (vozes ou teclas, por exemplo). É, de resto, no curioso jogo de imparidades tonais (leia-se grave vs. agudo) entre as duas guitarras - sublinhado pela ansiedade da bateria - que se acha o leitmotiv sónico do disco: uma digressão suja, densa e vibrante (como se supõe num produto de semente rock) aos esconderijos emocionais mais negros de nós. Dessa divagação introspectiva, dividida em onze episódios, sobram as reverberações próprias de peças em crescendo - o mister pós-rock é isto mesmo - e cujo clímax anunciado se deflagra faustosamente nos trechos mais longos, por oposição àqueles que, com mais urgência, ao tentarem meter o Rossio na Betesga, acabam por soar apressados. E, se essa impaciência penaliza ligeiramente as belíssimas perturbações emocionais que A Sombra hospeda, não é menos verdade que estamos em presença de um documento congruente e de bom recorte. Não apetece acender a luz.

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