quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

These New Puritans - Beat Pyramid




O ano transacto trouxe-nos, com impacto mediático mais ou menos generalizado, uma nova geração de descendentes britânicos dos movimentos rave do final da década de oitenta, com os londrinos Klaxons a assumirem o protagonismo liderante desse fôlego renovador, então dando azo ao rótulo de nu-rave (alegadamente, a expressão terá sido mesmo sugerida por Jamie Reynolds, alma criativa dos Klaxons). Embora não esteja ainda afastada a hipótese dessa nova corrente não corresponder a mais do que uma moda conjuntural e, consequentemente, a um passageiro frenesim de edições, continuam a surgir novas filiações. Os membros mais recentes da família nu-rave são os These New Puritans, bizarro quarteto de Southend que, além do citado enquadramento contemporâneo, se fazem às heranças dos saudosos The Fall, por exemplo, e as mesclam com finos recortes de electrónica de embalo dançante. Beat Pyramid, debute discográfico produzido por James Ford (dos Simian Mobile Disco), é definitivamente um trabalho enraizado também nas tendências pós-punk, com um interessantíssimo jogo de anti-melodias (aí quase trazem à memória coisas dos Joy Division) e uma postura irreverente e experimental, por vezes a roçar um pretensiosismo que, a bem da banda, se deve confundir com alguma ingenuidade artística. Em todo o caso, a fórmula aparentemente ainda descoordenada e algo excêntrica com que abordam a tarefa de compor música acaba por produzir alguns momentos de bom efeito ("Numerology aka Numbers", "Swords of Truth", "Infinity Ytinifni" ou "Elvis") a despeito da super-abundância de ideias que, aqui e ali, parece perturbar a afirmação de um discurso mais objectivo. Mesmo assim, uma estreia bastante interessante de uma banda a ter debaixo de olho para o futuro. Se os conceitos algo "brutos" (no sentido de púberes) que aqui desvendam conhecerem a maturação natural que é de esperar com o crescimento do colectivo, podemos estar em presença de uma banda cuja ambição desmedida pode encontrar feitos proporcionais. Por enquanto, ficam as boas indicações.

Posto de escuta MySpace

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Sons & Daughters - This Gift




A curta carreira dos escoceses Sons & Daughters, se ainda não permite ilações muito extensas sobre os feitos a que este quarteto poderá almejar no futuro, abre espaço para uma interessante inferência: há nesta banda um vigor curioso e, seguramente, uma energia que os afasta de familiaridades com outros conterrâneos (como os plácidos Belle & Sebastian). Decisiva para esse distanciamento, é a voz (e a postura) de Adele Bethel, descendente mais ou menos assumida das linhagens poeirentas de riot girls, com aquele jeito próprio de quem, com a mesma genuinidade, adoça fantasias e crava garras. Nesse particular, depois do interessante Repulsion Box com que debutaram nos mercados internacionais pela mão da Domino, notam-se agora sinais de depuração de fórmulas, tanto no domínio das energias difusas da voz de Adele - claramente mais ajustadas às composições - como na maturação da matriz pop eléctrica que o grupo subscreve. E é de pop que se trata aqui, sem cosméticas desnecessárias, sem desperdícios e, sobretudo, com um contagiante impulso dançante que, à partida, não pareceria casar muito bem com texturas eléctricas e pouco polidas. A verdade é que, não sendo uma obra magna, o disco acaba por revelar méritos escondidos nas primeiras audições e torna-se uma interessante audição, a despeito da aparente (e, em alguns casos, real) previsibilidade que envolve algumas faixas do alinhamento. Assim os Sons & Daughters sejam capazes de alinhar pelas sugestões do suculento avanço "Guilt Complex" e, certamente, teremos banda para "rebentar" proximamente.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

British Sea Power - Do You Like Rock Music?

7/10
Rough Trade
2008
www.britishseapower.co.uk



Subscritores de um tipo de rock de subliminar excentricidade e, sobretudo, com medidas largas na amplitude, coisa a que as convenções costumam chamar de "orquestral" - não pela dimensão instrumental proposta mas pela projecção que o composto música/arranjos insinua (aí, chegam a merecer comparações distantes com os Arcade Fire) - os ingleses British Sea Power chegam ao terceiro registo da sua carreira seguros dos ensinamentos dos capítulos anteriores. Não é que o som deles seja uma novidade extasiante. Não o é, de facto, mas ressalta de Do You Like Rock Music? uma tendência já conhecida deste intrépido quarteto: a predisposição para cerrar fileiras em volta de um ideário próprio e, ao que parece, cada vez mais imune a modas passageiras e manifestações de conjuntura. Além dessa (muito) salutar vontade de afirmar, aos poucos, um discurso pessoal (e intransmissível), os British Sea Power dão, aqui, uma belíssima demonstração do apuro a que essa linguagem própria chegou em matéria de composição. Se já lhes eram reconhecidos méritos de espontaneidade e melodismo, mesmo que em feições muitas vezes pouco convencionais, parece agora clara a aposta num rock mais pujante e enérgico, a recordar a herança tensa dos Echo & The Bunnymen (talvez a referência mais notória) que, retendo o genoma melódico do grupo, abre espaço para renovar a personalidade das vocalizações (e das canções) e, com isso, erguer peças mais vigorosas e com outra pompa. E, depois de escutar Do You Like Rock Music? não parece apenas retórica a pergunta que os quatro de Brighton escolheram para baptizar o disco. Afinal, o próprio álbum é uma cabal resposta do que pode valer o rock contemporâneo, marcando nítida clivagem com muitas das coisas que se vão fazendo hoje e, com isso, mostrando que é de gente como os British Sea Power que nasce um rock genuíno, sem compromissos de época e talentoso.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Black Mountain - In the Future

7/10
Jagjaguwar
2008
www.blackmountainarmy.com



Depois de um debute discográfico pouco mais do que discreto há três anos (com álbum homónimo), então desvendando claríssima propensão nostálgica do rock canónico dos anos setenta, sobretudo uma libertina admiração pelos psicadelismos Led Zeppelin e suas descendências, os Black Mountain estão de volta. Se o primeiro opus funcionara como anúncio de um propósito estético da (então) dupla canadiana (Stephen McBean e Amber Webber) - embora os outros poisos de McBean (Pink Mountaintops, Jerk With a Bomb) pudessem servir de referência prévia - este In the Future parece somar outras cambiantes e andamentos ao cardápio Black Mountain. Ao invés de meramente dar seguimento às sugestões previsíveis e a um certo laconismo conceptual que marcava o antecessor, o novo trabalho eleva a fasquia técnica, ao sublinhar renovadas ambições progressivas (chegando, inclusivamente, a trazer à memória o brilho virgem com que os sintetizadores tomaram o rock dos 70's) e, depois, manifesta um muito saudável sentido apocalíptico de ritmo e estilo. As sucessivas gradações do alinhamento (e mesmo em cada faixa) de momentos timidamente crepitantes e íntimos para as detonações e/ou ambientes mais expansivos não só confirmam a consistência do disco como o tornam bastante apelativo. E com um dinamismo que não existia no primeiro álbum. Mais do que isso, mesmo com um ou outro desvio na inspiração, percebe-se agora que a nostalgia do primeiro registo não era mais do que um imprescindível tirocínio para desenhar um futuro próprio que começa agora. E que vai numa firme passada de crescimento.

A corrida aos Óscares começou...

Num ano em que a sétima arte e suas manifestações paralelas vivem uma crise sem precedentes face à greve de argumentistas, foi ontem anunciada a lista oficial de nomeações para os Óscares. Se a habitual antecâmara dos Globos de Ouro - com os vencedores anunciados no passado dia 13 de Janeiro - levantou um pouco o véu, estreitando espaços para grandes surpresas, o rol de nomeações impõe, ainda assim, algumas reflexões curiosas. Desde logo, nas categorias de representação, uma nota de destaque para Tommy Lee Jones, cuja performance como veterano da guerra do Vietname Hank Deerfield lhe rendeu a primeira nomeação como actor principal, depois de duas nomeações em papéis de suporte (em JFK, de 1991, e em O Fugitivo, de 1993; o segundo foi distinguido com a estatueta). Ainda nessa categoria, a personificação de Michael Clayton valeu a George Clooney também a primeira nomeação como actor principal, depois da vitória do ano transacto, como secundário, em Syriana. Johnny Depp terá a sua terceira oportunidade, depois das nomeações de 2003 (Piratas das Caraíbas) e 2004 (À Procura da Terra do Nunca), com a brilhante interpretação do barbeiro vingativo no novo musical de Tim Burton, Sweeney Todd. Outro estreante nestas andanças dos Óscares é o nova-iorquino Viggo Mortensen que viu a Academia distinguir o insensível Nikolai de Promessas Perigosas. No topo das apostas para levar a estatueta para casa, depois da consagração nos Globos de Ouro na classe dramática, está o já premiado Daniel Day-Lewis (vencedor em 1989 em O Meu Pé Esquerdo e nomeado em 1993, Em Nome do Pai e 2002, Gangs de Nova Iorque), pela reprodução de Daniel Plainview, o magnata do petróleo de Haverá Sangue, de P.T. Anderson.

Em funções de suporte, ao lado das previsíveis nomeações de Javier Bardem (vencedor do Globo de Ouro, em Este País Não é Para Velhos, já nomeado em 2000 como actor principal), Casey Affleck (O Assassínio de Jesse James pelo Cobarde Robert Ford), Phillp Seymour Hoffman (Jogos de Poder, vencedor em 2005 como actor principal em Capote) e Tom Wilkinson (Michael Clayton, nomeado em 2001 como actor principal), surge a surpresa de Hal Holbrook, em O Lado Selvagem, de Sean Penn.

Nas senhoras, a australiana Cate Blanchett confirma as recentes predilecções da Academia e, depois de uma estatueta (actriz de suporte em O Aviador, de 2004) e duas nomeações (Elizabeth, 1998, e Diário de Um Escândalo, de 2006), repete dupla nomeação: papel principal em Elizabeth - A Idade do Ouro e de suporte em I'm Not There, a representar Bob Dylan. A veterana Julie Christie, já laureada pela Academia, conhece novo fôlego mediático como Fiona, uma doente de Alzheimer no drama Away From Her, de Sarah Polley. Entre essas duas deve decidir-se a atribuição da estatueta, embora não deva ser desconsiderado o trio de outsiders: Laura Linney em The Savages, Marion Cotillard, a Edith Piaf de La Vie en Rose (ganhou o globo de ouro para papéis principais em musicais) e da jovem Ellen Page, a mãe adolescente de Juno.

Na categoria secundária, além da super-favorita Cate Blanchett, as já esperadas distinções das debutantes Saoirse Ronan (Expiação), Amy Ryan (Gone Baby Gone), Tilda Swinton (Michael Clayton) e a menos consensual presença de Ruby Dee (Gangster Americano) que, aos oitenta e três anos, merece primeira atenção da Academia e terá, in extremis, superado Julia Roberts (Jogos de Poder) na corrida para a nomeação.

Para o título de melhor filme de 2007, a surpresa foi a inclusão de Juno, a par com um quarteto de nomeações mais do que esperadas: Michael Clayton, Haverá Sangue, Este País Não é Para Velhos e Expiação. O burburinho dos bastidores prevê um duelo taco-a-taco entre os três últimos. Essa peleja deve também repetir-se, apenas a dois, no Óscar para a Melhor Realização entre P.T. Anderson (Haverá Sangue) e os irmãos Coen (Este País Não é Para Velhos). A correr "por fora", estarão Tony Gilroy (Michael Clayton), Jason Reitman (Juno) e Julian Schnabel (O Escafandro e a Borboleta).

As decisões finais serão anunciadas a 24 de Fevereiro.
A lista integral de nomeações, pode ser consultada aqui.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Cat Power - Jukebox

5/10
Matador
Popstock
2008
www.myspace.com/
catpower



O formato de revisão de canções assinadas por outros já não é estranho à americana Chan Marshall que, com este segundo exercício nesse estilo (depois de The Covers Record, de há oito anos atrás), parece confirmar tendência para pontualmente prestar homenagem a canções e protagonistas que marcaram o seu percurso e integram as suas afinidades musicais enquanto na pele da persona Cat Power. Para este trabalho, além de um alinhamento que contempla originais celebrizados por Bob Dylan, Frank Sinatra, Hank Williams, James Brown, Joni Mitchell, Billie Holliday ou Janis Joplin, a cantautora fez-se acompanhar do quarteto The Dirty Delta Blues, propositadamente reunido para as últimas actuações em solo americano e que junta Jim White (baterista dos Dirty Three), Gregg Foreman (teclista dos Delta 72), Erik Paparozzi (baixista dos Lizard Music) e Judah Bauer (guitarrista dos Blues Explosion). Com semelhante trupe de músicos, não espantam os paladares blues que dirigem grande parte do disco, mesmo quando, num ou noutro instante, Cat Power se refugia num registo formalmente mais recatado e intimista e, também por isso, mais distante das coordenadas originais. De resto, por comparação com o primeiro disco de versões de Marshall, este Jukebox dá mostras de um critério mais largo na hora de a priori escolher referências; essa circunstância, todavia, acaba por revelar-se a posteriori uma falha irónica, em função da mediania e monocordismo da maior parte das versões, mesmo aquelas que, na forma original, são estruturalmente bem distintas. Mas "Silver Stallion" (dos The Highwaymen, o super-grupo de Johnny Cash, Waylon Jennings, Willie Nelson e Kris Kristofferson) ou "Lost Someone" (de James Brown) salvam o dia...

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Macacos do Chinês - Plutão (EP)




Eles estão sediados na Amadora, tendo despontado na parte final do ano transacto com algumas actuações ao vivo muito meritórias (ficou célebre a presença no Super-Mercado II, série de concertos no Santiago Alquimista, em Lisboa, ou a presença no Atlantic Waves, organizado pela Fundação Calouste Gulbenkian no Cargo, de Londres, em Novembro), então chamando a atenção para uma fórmula sonora pouco comum entre portas na pátria lusa e que esquadrinha habilmente algumas das coordenadas do grime londrino. Nesse domínio, além de marcarem distâncias para o habitual "conformismo" de muitos dos projectos nascidos das cartilhas hip-hop cá no burgo, Miguel Pité (assina como Skillaz), André Pinheiro, Pedro Silva, (Apache), Alexandre Talhinhas (Al:x - conhecemo-lo dos Cooltrain Crew) e Tiago Morna propõem um interessantíssimo híbrido de sons, pleno de expressividade urbana e conjugando inúmeras nuances técnicas. Assim, neste EP de apresentação, com apenas três temas, sobressai a ponderação com que as palavras se apõem sobre as texturas rítmicas, quase sempre dominadas (como não podia deixar de ser) pela cadência de beats robustas e precisos condimentos cénicos. O resultado é uma fresca fusão (onde até cabe, em "Inspiração", um curioso sample de Tchaikovsky), vem embalado para o mediatismo pela imparável afirmação e trabalho desbastador de consciências de gente como os (agora consagrados) Buraka Som Sistema, e que deixa sólidas pistas para uma afirmação mais completa, em álbum a editar brevemente. E este som genuinamente mestiço - que a própria banda chistosamente apelida de "cozinhado no meio de um caldo Knorr, sabor a cachupa com cozido à portuguesa e caril" - promete conquistar muitos tímpanos. Iguarias destas e tão bem aprontadas, ainda por cima com um nome de poda fina como Macacos do Chinês, não aparecem em qualquer menu. Deguste-se Plutão, pois então...

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Vampiros inofensivos..

Está aí à porta o debute discográfico dos nova-iorquinos Vampire Weekend e, enquanto não chega o disco - o lançamento nacional está agendado para o próximo mês - recorda-se aqui a canção de apresentação. Chama-se "Mansard Roof", foi editado em formato single no final de 2007 pela XL, e desvenda uma linguagem pop fresca, com um traço muito oportuno de irreverência (quase a fazer lembrar alguns momentos do percurso de Paul Simon) e, sobretudo, um genuíno sabor a simplicidade. Vale a pena escutar e esperar o álbum homónimo. E, sem confusões, coisas vampirescas aqui só mesmo no nome que baptizou o quarteto.

Sia - Some People Have Real Problems

7/10
Hear Music
2008
www.siamusic.net



Mesmo tendo um percurso reconhecido durante alguns anos na sua Austrália natal como vocalista do colectivo Crisp, foi apenas com a partida para Londres que Sia Furler ganhou espaço na cena musical europeia. Uma vez fixada na capital britânica no final da década de noventa, Sia privou com protagonistas de escol do país, mormente como voz de suporte de Jamiroquai e, já depois de primeiras (e discretas) tentativas a solo, emprestando a sua voz a colaborações com William Orbit, os Massive Attack e, com impacto mediático acrescido, nos três últimos registos dos Zero 7. Não é surpresa, portanto, que o terceiro título de estúdio em nome próprio - editado pela Hear Music, subsidiária discográfica da cadeia de lojas Starbucks (depois dos lançamentos de Paul McCartney e Joni Mitchell) - dê mostras do significativo crescimento da sua música. Neste Some People Have Real Problems, fazem-se mais óbvias as afinidades vocais de Sia com os cânones clássicos da soul que desde sempre foram padrão inspirador, ainda que (bem) temperadas pela dose certa de urbanidade e rebeldia que, em paralelo com Amy Winehouse, a distinguem de muitas cantoras da nova geração. Ao mesmo tempo, o disco desvenda intenções pop mais transparentes, diga-se que com as mesmas coordenadas de Regina Spektor ou Leslie Feist, e estruturalmente algo distantes do pragmatismo electrónico dos álbuns anteriores. Texturalmente mais ricas e, sobretudo, servidas por magníficos arranjos, as novas canções representam o salto qualitativo mais adequado aos méritos que se anteviam nas suas composições e, seguramente, elevam Sia a um patamar não atingido antes. Nesse sentido, a despeito de uma capa manifestamente desconforme do ditame musical que o disco encerra (a frivolidade gráfica não tem correspondência no conteúdo musical), Some People Have Real Problems é, de longe, o melhor (e mais íntegro) exercício da carreira de Sia. E isso quer dizer que, finalmente, temos canções (e produção) na medida certa para uma das intérpretes mais competentes e imaginativas da música contemporânea.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Matt Costa - Unfamiliar Faces

6/10
Brushfire
2007
www.mattcosta.com



Tendo granjeado espaço mediático ao abrir os concertos da digressão de 2005 de Jack Johnson e, mais recentemente, numa edição radiofónica da BBC ao lado do amigo, o ex-skater Matt Costa chega agora à segunda edição discográfica com expressão nos principais canais de distribuição, depois do discreto debute, no ano transacto com Songs We Sing. O novo opus recalca os argumentos acústicos do antecessor e, por arrastamento, revela sensivelmente o mesmo embaraço estético que nele se identificava, mormente na dificuldade em definir uma linguagem una, algures entre uma miríade de influências que vão dos Beatles a Belle & Sebastian ou de Stephen Malkmus aos Fleetwood Mac ou, luzes mais distantes, dos Decemberists a Paul Simon (não deixa de ser curioso que um compositor californiano vá buscar algumas coordenadas de inspiração ao Reino Unido!). Apostando sobretudo na guitarra acústica como o substrato dominante das composições, aí revelando proximidades formais com Jack Johnson e com as feições mais luminosas da pop, ainda assim Unfamiliar Faces desvenda um código musical mais coeso do que Songs We Sing e a bem-vinda predisposição para, aos poucos, emancipar uma assinatura própria de entre as inúmeras referências. E combinações tão bem urdidas quanto as radio-friendly "Mr. Pitiful" e "Unfamiliar Faces" ou, num registo diferente, "Trying To Lose My Mind" ou "Bound" são sinais de um artífice capaz de erguer belas canções. Aguardemos, pois, os desenvolvimentos naturais.

Posto de escuta Sítio da 7Digital

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

The Magnetic Fields - Distortion

6/10
Nonesuch
2008
www.houseoftomorrow.com



Quando o mundo acordou para a música de Stephen Merritt (ele é, de facto, o esteio criativo dos Magnetic Fields) e seus pares, mais propriamente no final da década de noventa - com a seminal tríade de 69 Love Songs - já eles contavam cerca de uma década de actividade a mostrar-nos competentes fórmulas de pop independente, discreta e hábil no acolhimento de ensinamentos da cartilha Jesus and Mary Chain/Joy Division e das subliminares influências do mosaico electrónico dos 80's. Nesse particular, embora com um ritmo de edições tornado inconstante pelo recorrente envolvimento de Merritt noutros projectos, os Magnetic Fields souberam fazer-se descendentes "naturais" desse legado originário do outro lado do Atlântico, então somando-lhe outros substratos e, sobretudo, a curiosa ambivalência de mesclar o lado esperançoso do romance e o seu equivalente fatalista. O auge desse processo construtivo foi precisamente a ambiciosa colecção 69 Love Songs, de 1999, onde se desvendava uma escrita algo subversiva, híbrida no jogo de emoções e, acima de tudo, cativante no enlace entre elementos acústicos e orgânicos, aí relembrando o despojo e o negrume reverberante do shoegaze e a melhor das dimensões orquestrais que a pop pode ter.

Distortion aparece, como o nome anuncia, com o desafio de distorcer um pouco mais a matriz, não só na acepção literal de sublinhar a intensidade das distorções - nesse sentido, o disco pode muito bem ser considerado o mais "eléctrico" dos Magnetic Fields (instrumentalmente díspar da pop de câmara do antecessor i) - mas também no sentido de hiperbolizar a subversão da melodia que Merritt tanto aprecia. Se poucas dúvidas restariam da generosidade e da eficácia da sua escrita, Distortion desvenda arestas com uma encriptação mais fechada, essencialmente na forma como se desfia a porção instrumental das canções, envolta em manobras cosméticas que, se subtraem pureza acústica, acabam por emprestar-lhes um tom mais negro e ruidoso. Erguido sob o confesso propósito de personificar algo que "soe mais a Jesus and Mary Chain do que eles próprios" (as palavras são de Merritt...), Distortion revela-se, afinal, obra com valências além do mero pastiche, sugerindo, aqui e ali, paralelismos cacofónicos com qualquer coisa de art rock. Envolto numa nuvem de ruído e claramente mais "sujo" do que qualquer dos exercícios prévios de Stephen Merrit, o oitavo disco dos Magnetic Fields está subjacente a um conceito interessante e, a despeito de uma ou outra canção com méritos, fica na sombra de instantes mais inspirados. Ainda assim, não deixa de ser curioso perceber que a verve do prolífico Stephen Merritt se mantém activa e com uma bitola acima da mediania.

Posto de escuta MySpace

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Six Organs of Admittance - Shelter From the Ash

7/10
Drag City
AnAnAnA
2007
www.sixorgans.com



Embora tenha ganho visibilidade como segundo guitarrista dos neo-psicadélicos californianos Comets on Fire, colectivo a que se juntou em 2003, Ben Chasny já antes tinha instituído o bem mais plácido projecto Six Organs of Admittance, aí prestando tributo a inegáveis afinidades com o lado acústico da folk de feição mais progressiva, na linha das inesquecíveis excentricidades dos trovantes da Takoma, desde o mágico fingerpicking de John Fahey, ao virtuosismo técnico de Leo Kottke e às eufonias pastorais de Robbie Basho. Aos ensinamentos dessa trindade "clássica" da folk americana, sobretudo na propensão para colocar a experimentação técnica e as construções progressivas de melodia ao serviço das dimensões mais ambientais da música acústica, Chasny foi sendo capaz de adicionar um misticismo próprio, as mais das vezes alinhando, com a imaterialidade acústica de um som de vocação algo "atmosférica", um paganismo vocal muito próximo da espiritualidade de oração. Aprimorada essa fórmula no antecedente The Sun Awakens, de 2005, por muitos considerada a obra magna do catálogo Six Organs of Admittance, o décimo registo continua a gravitar na mesma órbita, embora desvende uma lógica textural mais polida no psicadelismo e, acima disso, uma ou outra incursão mais apaixonada pelo vanguardismo e, em paralelo, pela afirmação mais eléctrica das guitarras (a esse pormenor não será estranha a recente colaboração com os génios do drone Om). Nesse particular, Shelter From the Ash encerra riscos maiores na composição, essencialmente na definição das porções eléctricas como substrato pendular dos trechos e como elemento crucial para a matriz de crescendo das melodias. E a verdade é que, mesmo sem chegar ao deslumbre que, aqui e ali, se adivinharia, Shelter From the Ash se revela mais uma oportuníssima construção de Ben Chasny e seus pares.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Mary J. Blige - Growing Pains

6/10
Geffen
2007
www.mjblige.com



O conturbado percurso de vida de Mary J. Blige antes de ascender ao estatuto de estrela planetária, hoje visto como o turbilhão emocional alimentador da sanha que marcou os primeiros registos discográficos, de resto em linha com muitos outros protagonistas da cena r&b, acabou por ter um efeito dúbio na carreira da cantora do Bronx. Se, numa fase inicial, a crítica se rendeu à música de Blige enquanto catalisador oportuno desse passado descaroável, apressadamente a entronizando (e pelas piores razões possíveis) como principal figura da então "nova vaga" de cantoras soul com poiso no hip hop, não foi menos rápida a fazê-la tombar do pedestal onde precipitadamente a tinha colocado, assim que alegadamente se percebeu que a "guerreira" negra de cabelos loiros, ícone híbrido da cultura de rua e da mulher urbana, estava curada das drogas e cicatrizara feridas de amores falidos. Em paralelo, além dessa regeneração de equilíbrios na vida privada, a música de Mary J. Blige dava paulatinamente sinais de um desprendimento subliminar face às raízes hip hop e de (saudável) deriva por saberes vizinhos da soul ou da pop que, em termos mediáticos, conheceu apogeu na regravação, com os U2, do clássico "One" da banda irlandesa (incluída no álbum The Breakthrough, de 2005).

Chegada ao oitavo registo de estúdio, com uma renovada segurança na sua vida pessoal - e decididamente muito longe da personalidade tortuosa que expunha com arrepiante sinceridade em What's the 411?, de 1992 - e a firmeza vocal que sempre a fez especial, Growing Pains mostra Mary J. Blige a aprofundar as vizinhanças pop do álbum antecessor, mas não fechando os ambientes do disco a outros sabores que, afinal, sempre estiveram no seu cardápio. Assim, convivem serenamente e dão o toque de destrinça, num alinhamento dominado pela placidez pop-soul (também por isso mais circunscrito do que outros trabalhos), o beat de rua de "Work That", fiel às modernas escalas do som urbano que também servem "Grown Woman" (com Ludacris) ou "Roses". Como que a dizer que a emendada estrela mundial está mais segura de si e menos depressiva, mas as raízes não estão esquecidas. E se há diva na R&B capaz de mostrar o romantismo introspectivo e, ainda assim, manter íntima consciência do músculo da urbanidade e dos cultos de rua, ela é Mary J. Blige. Mesmo quando a inspiração não está nos píncaros.

Jazkamer & Smegma - Endless Coast

7/10
No Fun
AnAnAnA
2007
www.myspace.com/
smegmatheoriginal



Quem acompanhou mais de perto as manifestações recentes do muito efervescente nicho do free jazz vanguardista americano, terá certamente ouvido falar do colectivo Smegma, cujas origens remontam à década de setenta e às fundações da mítica Los Angeles Free Music Society, o espaço de excelência para a afirmação de estetas mais radicais e voltados, sobretudo, para a especulação e/ou o improviso. A banda viria a mudar-se de armas e bagagens para Portland, já na década seguinte, mas, não tendo renegado minimamente o traço genético de experimentalismo e ousadia criativa das suas origens, sobreviveu às recorrentes contaminações que envolveram alguns dos seus parceiros "geracionais" e é, hoje, uma das poucas vozes subsistentes do movimento pioneiro da LAFMS. Orgulhosamente (auto?) proscritos de qualquer demanda de protagonismo mediático ou sequer de qualquer interferência estética exterior aos seus próprios postulados de incondicional libertinagem de estilos e formas, os Smegma foram acumulando uma sólida discografia de confrontação, em casos pontuais aceitando convergências criativas com outros artífices do noise ou da música livre (os casos mais sonantes são os do nipónico Merzbow, dos compatriotas Wolf Eyes ou do emblema do bizarro zappiano Wild Man Fischer).

Não é estranha, portanto, a aproximação ao trio norueguês Jazkamer que, com cerca de uma década de existência a recriar conceitos do noise mais extremista (aí erguendo pontes com alguns padrões estéticos mais próximos dos cânones metal), fez transbordar a expressão das suas competências além da esfera escandinava e é, presentemente, um dos bastiões com mais substância na cena experimentalista europeia. Da joint-venture absolutamente disforme (ou amorfa, se preferirmos) de Endless Coast, nasce um quinteto de peças sem qualquer pejo em prescindir de regras, ainda que partindo de uma essência mais ou menos importada do free jazz - o que é o mesmo que dizer que a única premissa é não haver premissa nenhuma - e marcadamente desafiante. Embora conceptualmente o trabalho não diste muito do património passado dos Smegma - aí ficando esclarecido o papel de regência neste processo - a interferência dos Jazkamer revela-se uma suculenta adição, sobretudo na forma como se interligam texturas instrumentais e ruídos de ocasião ou quando, coisa menos frequente, o disco deriva para ambientes mais "pesados" e concisos. Nada melhor, para rematar o dadaísmo especulativo dos Smegma (nisso eles lideram o escol), do que o glacial determinismo dos Jazkamer. O desfecho é entrópico, é vândalo como não podia deixar de ser, e só peca por, em certos instantes, não desatar irremediavelmente o caos. Mas, vistas bem as coisas, às tantas a explosão não estava nos planos...

Posto de escuta Sítio da Boomkat