Quando o mundo acordou para a música de Stephen Merritt (ele é, de facto, o esteio criativo dos Magnetic Fields) e seus pares, mais propriamente no final da década de noventa - com a seminal tríade de 69 Love Songs - já eles contavam cerca de uma década de actividade a mostrar-nos competentes fórmulas de pop independente, discreta e hábil no acolhimento de ensinamentos da cartilha Jesus and Mary Chain/Joy Division e das subliminares influências do mosaico electrónico dos 80's. Nesse particular, embora com um ritmo de edições tornado inconstante pelo recorrente envolvimento de Merritt noutros projectos, os Magnetic Fields souberam fazer-se descendentes "naturais" desse legado originário do outro lado do Atlântico, então somando-lhe outros substratos e, sobretudo, a curiosa ambivalência de mesclar o lado esperançoso do romance e o seu equivalente fatalista. O auge desse processo construtivo foi precisamente a ambiciosa colecção 69 Love Songs, de 1999, onde se desvendava uma escrita algo subversiva, híbrida no jogo de emoções e, acima de tudo, cativante no enlace entre elementos acústicos e orgânicos, aí relembrando o despojo e o negrume reverberante do shoegaze e a melhor das dimensões orquestrais que a pop pode ter.
Distortion aparece, como o nome anuncia, com o desafio de distorcer um pouco mais a matriz, não só na acepção literal de sublinhar a intensidade das distorções - nesse sentido, o disco pode muito bem ser considerado o mais "eléctrico" dos Magnetic Fields (instrumentalmente díspar da pop de câmara do antecessor i) - mas também no sentido de hiperbolizar a subversão da melodia que Merritt tanto aprecia. Se poucas dúvidas restariam da generosidade e da eficácia da sua escrita, Distortion desvenda arestas com uma encriptação mais fechada, essencialmente na forma como se desfia a porção instrumental das canções, envolta em manobras cosméticas que, se subtraem pureza acústica, acabam por emprestar-lhes um tom mais negro e ruidoso. Erguido sob o confesso propósito de personificar algo que "soe mais a Jesus and Mary Chain do que eles próprios" (as palavras são de Merritt...), Distortion revela-se, afinal, obra com valências além do mero pastiche, sugerindo, aqui e ali, paralelismos cacofónicos com qualquer coisa de art rock. Envolto numa nuvem de ruído e claramente mais "sujo" do que qualquer dos exercícios prévios de Stephen Merrit, o oitavo disco dos Magnetic Fields está subjacente a um conceito interessante e, a despeito de uma ou outra canção com méritos, fica na sombra de instantes mais inspirados. Ainda assim, não deixa de ser curioso perceber que a verve do prolífico Stephen Merritt se mantém activa e com uma bitola acima da mediania.
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