Quando o universo musical de grande escala se deu conta da existência do texano Devendra Banhart já ele estava "destinado" a assumir-se como um dos espíritos mais astutos da new weird America e daquilo a que as convenções decidiram chamar de freak folk. Essa espécie de corrente regeneradora de parte dos legados tradicionais da folk americana, marcada pelas afinidades com a ousadia nas formas e por um amplo conhecimento das várias possibilidades estéticas da música acústica, encontrou em Banhart o melhor reflexo de um mensageiro. Conhecedor (e admirador) da obra de gente importante na história recente da música do seu país - como Tim Buckley, Warren Zevon ou Marc Bolan - ou fora dele - Syd Barrett, Joni Mitchell, Nick Drake ou The Who - e adepto do experimentalismo em torno desses ensinamentos, Banhart corporizou a mais atávica das réplicas aos anseios de uma comunidade melómana nostálgica da era áurea da folk.
Uma voz única, um talento inato para melodizar magicamente uma simples sequência de acordes e um ímpeto quase esquizofrénico para dar às melodias uma certa aleatoriedade formal foram os atributos que convenceram, já lá vão sete anos, Michael Gira a editar Oh Me, Oh My..., compilação casual de pedaços de música rusticamente gravados no quarto de Banhart. A amostra convenceu críticos e melómanos e inaugurou uma discografia que, nos capítulos seguintes, deu mostras de um efectivo crescimento, não apenas no apuramento de um modelo idiossincrático de som (a assinatura Banhart é, hoje, uma realidade insofismável) mas, sobretudo, na forma como o texano foi capaz de adequar o seu espírito inquieto a esse padrão. Cripple Crow, editado há dois anos, foi ainda mais longe, trazendo a ambição de fazer vingar a sua música com uma dimensão instrumental mais "orquestral". E que dizer deste Smokey Rolls Down Thunder Canyon? Riquíssimo e saborosamente intrigante nas variações de estilo - o que alguns eventualmente verão como sinónimo de incongruência - o disco é bastante ambicioso nos propósitos e não menos bem sucedido nos resultados. Banhart faz-nos acreditar que a grandeza é uma coisa espontânea (se calhar, no caso dele, é mesmo...). Que não restem dúvidas: estamos perante uma das personalidades musicais da década e este Smokey Rolls Down Thunder Canyon, com pérolas como "Cristobal", "Seahorse" (com Vashti Bunyan), "Shabop Shalom" ou "Rosa" (com Rodrigo Amarante dos Los Hermanos) é um dos supremos testemunhos dessa certeza.
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