O solitário e bonacheirão Cleveland Heep (Paul Giamatti), supervisor do pacato complexo residencial The Cove, avista uma desconhecida na piscina do condomínio. Story (Bryce Dallas Howard), a bela estranha, é afinal uma narf perseguida por medonhas entidades, uma ninfa desencaminhada do mundo de um conto para crianças, em demanda do retorno a casa. Este é o enredo central da mais fresca proposta de suspense de M. Night Shyamalan, o desembaraçado e talentoso cineasta que nos deu O Sexto Sentido (1999), reconhecidamente considerada a sua obra maior. A Senhora da Água, quinto trabalho do realizador indiano, baseado numa história do próprio Shyamalan originalmente destinada a mera edição livreira, não é mais do que uma fábula infantil redimensionada ao estatuto de thriller clássico, condimentado com uma atmosfera próxima do cinema fantástico.
Para servir o interesse a franqueza na construção dos diversos caracteres do filme, Shyamalan justapõe o universo real e a fantasia, arquitectando um mosaico de personalidades pacatas (cada uma com traços idiossincráticos propícios ao remate do enredo, como é regra em Shyamalan), as certezas da sua vivência efectiva, as respectivas aspirações e frustrações, a conformação com as vicissitudes da ordem universal e a esfera prometida do sonho. E de ambições contingentes se fazem as pitorecas personagens do filme, como se todos aguardassem uma marca do destino que lhes servisse de rumo. Essa solenidade de oráculo é projectada gradualmente em Story, a fada da água que, com a candura e fragilidade do seu pedido de ajuda, se tornará a salvadora das gentes daquele bloco de apartamentos. Da briosa união de esforços para remir Story, há-de abrolhar a recompensa de cada um deles, como se aquele tranquilo complexo habitacional subitamente se tornasse o centro do mundo, ou um retrato de fragmentos dele. Talvez, por isso, se possa dizer que esta fita de Shyamalan consegue o feito improvável de, sendo o mais fantasioso dos seus exercícios, nos remeter para uma mensagem plena de mundanidade. Nisso, a aposta do realizador é sustentada, a despeito da necessária inverosimilhança dos factos, como teria de convir a uma história para crianças.
Tecnicamente, A Senhora da Água deixa imensas pontas soltas, mormente na ligeireza na definição das personagens e na pouca fluidez narrativa, fonte assídua de dúvidas à medida que os sofismas (ou reflexos menos ponderados) do enredo se tentam explicar a si mesmos, fechando repetidamente o espaço ao suspense e frustrando o ensaio de parodiar as convenções hollywoodianas para produtos deste género. O desempenho de Giamatti, emblema magno da arte de representação por estes dias, livra o filme da derrocada mas não é avanço suficiente para contornar a convicção de que se trata do filme menos conseguido de Shyamalan. Aparentemente, os decisores da Disney que rejeitaram esta película, conduzindo o cineasta a um compromisso com a Warner, acertaram na prognose de que este seria um recurso dispensável da sétima arte. Agora que chegou até nós, A Senhora da Água ratifica claramente os trambolhões criativos e o desgoverno do ego inflado de um escritor-realizador-produtor-actor que, há um punhado de anos, prometia lançar novas aragens na atmosfera de Hollywood.
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Para servir o interesse a franqueza na construção dos diversos caracteres do filme, Shyamalan justapõe o universo real e a fantasia, arquitectando um mosaico de personalidades pacatas (cada uma com traços idiossincráticos propícios ao remate do enredo, como é regra em Shyamalan), as certezas da sua vivência efectiva, as respectivas aspirações e frustrações, a conformação com as vicissitudes da ordem universal e a esfera prometida do sonho. E de ambições contingentes se fazem as pitorecas personagens do filme, como se todos aguardassem uma marca do destino que lhes servisse de rumo. Essa solenidade de oráculo é projectada gradualmente em Story, a fada da água que, com a candura e fragilidade do seu pedido de ajuda, se tornará a salvadora das gentes daquele bloco de apartamentos. Da briosa união de esforços para remir Story, há-de abrolhar a recompensa de cada um deles, como se aquele tranquilo complexo habitacional subitamente se tornasse o centro do mundo, ou um retrato de fragmentos dele. Talvez, por isso, se possa dizer que esta fita de Shyamalan consegue o feito improvável de, sendo o mais fantasioso dos seus exercícios, nos remeter para uma mensagem plena de mundanidade. Nisso, a aposta do realizador é sustentada, a despeito da necessária inverosimilhança dos factos, como teria de convir a uma história para crianças.
Tecnicamente, A Senhora da Água deixa imensas pontas soltas, mormente na ligeireza na definição das personagens e na pouca fluidez narrativa, fonte assídua de dúvidas à medida que os sofismas (ou reflexos menos ponderados) do enredo se tentam explicar a si mesmos, fechando repetidamente o espaço ao suspense e frustrando o ensaio de parodiar as convenções hollywoodianas para produtos deste género. O desempenho de Giamatti, emblema magno da arte de representação por estes dias, livra o filme da derrocada mas não é avanço suficiente para contornar a convicção de que se trata do filme menos conseguido de Shyamalan. Aparentemente, os decisores da Disney que rejeitaram esta película, conduzindo o cineasta a um compromisso com a Warner, acertaram na prognose de que este seria um recurso dispensável da sétima arte. Agora que chegou até nós, A Senhora da Água ratifica claramente os trambolhões criativos e o desgoverno do ego inflado de um escritor-realizador-produtor-actor que, há um punhado de anos, prometia lançar novas aragens na atmosfera de Hollywood.
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1 comentário:
Concordo totalmente.
Desde O Sexto Sentido tem sido sempre a descer, na minha opinião.
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