quinta-feira, 19 de outubro de 2006

Sunn O))) & Boris - Altar

Apreciação final: 8/10
Edição: Southern Lord, Outubro 2006
Género: Drone Metal/Doom/Pós-Rock
Sítio Oficial: www.southernlord.com








Os americanos Sunn O))) fizeram do drone monocórdico e de baixa frequência um proveito gregário, estendendo os seus tardos compassos a públicos mais latos e provando, com sabedoria religiosa (de culto negro, entenda-se), que a música lenta é também degustável. E que, acima disso, o metal não é refém de galopes rápidos. Afinal, um acorde áspero repetido vezes sem conta, na cadência demorada dos passos de um lúgubre gigante, pode ter usos além do mero esqueleto criativo e, nesse minimal sacerdócio, os Sunn O))) são uma das mais aptas conjecturas de sombras e ambientes espectrais. As cirurgias do par americano não são meigas, a distorção amplificada é subsídio certo, a palavra é silenciada e cede lugar a colossais missas negras, de matérias sinistras e inquietantes. É rigorosamente nesses timbres fantasmáticos que se acham porções de identidade com os argumentos dos nipónicos Boris, mormente com as primeiras obras, mais próximas dos compêndios drone. Só que, na inversa dos Sunn O))), os Boris não fecham as suas frequências aí, antes disputam substâncias de outras escolas rock, ora abeirando-se do stoner maciço ora dos padrões punk, mas com orifícios experimentalistas o suficiente para evasões oportunas com o nervo do psicadelismo ou a prudência minimalista. Com ruído, muito ruído. Inscrever o nome Boris num catálogo musical não é coisa simples, tão monolítica e destra é a mescla de géneros, normalmente apurados num delírio colectivo, frenesim típico do desassossegado colectivo japonês. Bipolaridade maníaco-depressiva é a patologia deles, diagnóstico comprovado pelo confronto entre o ruidoso Vein, lunático lançamento para 2006 e o seu antecessor, Pink (2005).

Feito o obséquio introdutório, dêmos o ouvido à meia dúzia de peças de Altar, título que regista a primeira cooperação em estúdio dos dois projectos. "Etna", faixa de abertura e o mais tradicional dos trechos, é uma massa de estratos drone, componente idiossincrático dos Sunn O))) a que, paulatinamente, se junta uma bateria alucinada, que ao invés de parecer uma intrusão ao protocolo, acrescenta a dose certa de improvisação. Da surpresa, depois completada com outras guitarras em rapina do espaço remanescente, sobram razões para ponderar o acerto de um futuro com bateria nos Sunn O))). Contas de outro rosário. Segue-se a curta hipnose de "N. L. T.", labirinto sonoro feito de dissonâncias e agudos, de feedbacks e reverberações gravitantes, ao jeito de uma quadrilha de corvos fantasma à cata do assalto aos últimos fragmentos de silêncio. Depois da quietude vencer os corvos, o acontecimento majestoso de Altar: "The Sinking Belle (Blue Sheep)". Jesse Sykes, voz que antes se ouvira apenas no romantismo country, é o sublime canto de anjo negro de uma imprevista composição pós-rock. Belíssimas sinergias instrumentais entre ecos de guitarra (sem o peso drone) e esparsas gotas de piano formam um corpo musical extático e que cuida de tentar a catarse na evocação da placidez, autenticando uma bem conseguida evolução dos músicos para um registo distante do usual. Prova de talento. Como no feitiço de "Akuma No Kuma". Cheia de pingentes e cosméticos experimentais, a composição recreia-se num ápice de suspense, volvendo-o repetidamente do avesso, devolvendo-o à forma original depois de lhe somar estímulos sensoriais e fantasias de bateria. O ilustre Joe Preston (Melvins, Earth, High on Fire, Thrones) é a voz robotizada. A quinta peça, "Fried Eagle Mind", é uma oração de caverna, de humidade fria e arrepiante, de sustos e avantesmas errantes. Resta "Blood Swamp, segmento terminal do disco, coda em crescendo rumo a um remoto apocalipse drone, com a guitarra cicerone (e indecifrável) do saudoso Kim Thayil (ex-Soundgarden) a pontuar o código de negritude Sunn O))), dando-lhe ângulos de um idioma agudo.

Não obstante a prodigiosa natureza da colaboração - impulso que há-de obrigar os adeptos da etiquetagem a uma redefinição do género drone - há em Altar um ou outro rasgo necessitado de uma detonação mais forte. Minudência essa que, todavia, não impede que o disco, menos recomendado a tímpanos convencionais, se torne uma escuta imprescindível e um dos auges criativos do ano musical.

Sem comentários: