terça-feira, 19 de setembro de 2006

Silversun Pickups - Carnavas

Apreciação final: 7/10
Edição: Dangerbir Records, Julho 2006
Género: Indie Pop-Rock/Shoegaze
Sítio Oficial: www.silversunpickups.com








Desde os primeiros acordes de Carnavas, debute discográfico deste quarteto californiano, somos levados a uma objecção geográfica: isto não é música típica de americanos. Em boa verdade, os múltiplos sedimentos de distorções e efeitos, a disfunção quase esquizofrénica das texturas sonoras, o subliminar noise, a intuição melódica e a atitude introspectiva dos trechos de pop envergonhada encaminham-nos para as memórias do shoegazing britânico. Já este ano, os nova-iorquinos Asobi Seksu, com o competente Citrus, se entretiveram no recreio desta escola, anunciando uma espécie de renascimento do género shoegaze do outro lado do Atlântico. Kevin Shields e os irmãos Reid sorrirão de esguelha ao escutar Carnavas? O afinco instrumental do álbum é coisa para não passar despercebida, tal o furor e inspirado entusiasmo que se decifram nas canções, gordas de ecos e ressonâncias. Depois, há uma sublime aspereza, em contraponto com a ansiedade melódica que pauta o disco, e um persuasivo sentido de urgência, conjugação de elementos que fornece as contemporizações úteis à fluência do som. E se fluem as canções dos Silversun Pickups, distintamente servidas por uma voz dúctil que encontra o sentido da vida em tons andróginos, submergida nas excitantes flamas das guitarras e em enredos harmónicos tão solícitos que parecem obra de gravação a cinzel. É esse o mito dos Silversun Pickups: a paixão do pormenor como trajectória de recurso na órbita shoegaze. E, para evitar o piloto automático, junta-se outro membro a este mexido clube de sons, o pó da arca dos Smashing Pumpkins, uma mera causa espectral para o efeito final, danos do sol da Califórnia em cabeças vergadas, de olhos postos no sapato. Assim Carnavas arreda-se da etiqueta única, é digno de revista redobrada que experimente as sobras para lá da nuvem shoegaze e dos disfarces por detrás do arame farpado dos sons imediatos. Música feraz.

Carnavas está impregnado de causas supostamente prescritas (se não no indivíduo melómano pelo menos no prepotente palco das vendas mainstream) mas não soa retrógrado. Pelo contrário, o som é uma sessão de acupunctura moderna, de estética focada e precisa, algo díspar da tónica dominante das praias da Califórnia (Beach Boys, no way!), é certo, mas cultora de um vocabulário sonoro perspicaz. As metamorfoses expeditas deste mutante, se capturam os favores dos tímpanos do ouvinte, não ficam isentas de uma mácula mínima: chame-se-lhe, esvaziando o substantivo da conotação primária (e mais negativa), repetição em ciclo. O que não deprime a feliz circunstância de não haver uma má canção em Carnavas.

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