A primeira longa metragem de Miranda July, também protagonista na fita, é uma alegoria sobre os laços humanos, contada numa narrativa propositadamente soluçante e que intersecta os habitats sociais de alguns misfits. Desses desajustados, sobressai um par, elemento central da história, o vendedor de sapatos Richard (John Hawkes) e Christine (Miranda July), mulher das artes que confunde frequentemente fantasia e realidade. A casualidade que os une é, afinal, apenas a réplica cósmica de que, eles e outras personagens do argumento, tanto ansiavam para achar o escopo do seu destino. Por vezes inocente, outras arrebatado e delirante, Eu, Tu e Todos os que Conhecemos não é um filme imediato e move-se num bizarro limbo, mais próximo da ingénua crença na bondade do mundo do que do realismo acre. E essa é a pecha que mancha ligeiramente a competência do filme, a incrível convicção de que os equilíbrios universais dão a todo e qualquer misfit (e o filme tem uma considerável colecção deles) a esperança num deus ex machina que, por obra do acaso, apareça para salvar os dias. Ou, no mínimo, que os faça sonhar.
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Já não restam dúvidas de que o realizador germânico Michael Haneke gosta de desafiar o espectador. Caché é o seu mais recente repto, mantendo a costumeira tónica minimalista (tão bem encaixam nesta lógica as competentíssimas prestações de Daniel Auteuil e Juliette Binoche) para especular sobre o voyeurismo. A subversão é esticada ao cúmulo de impôr ao espectador uma dupla atribuição: por um lado, o incómodo papel de testemunhar alguém a observar religiosamente o quotidiano do casal Laurent e registar os momentos em vídeo e, depois, observar o enredo na perspectiva do par filmado, presenteado regularmente com as cassetes do voyeur anónimo. Dessa dupla condição, advém um ambiente tenso e perturbador, particularmente no último quarto do filme (a dinâmica narrativa dos outros três é menos boa), com a desfiadura dos actos derradeiros, a exploração minuciosa do sentimento de culpa (sem sentenças) e um final inconclusivo que, se intencionalmente não responde à ânsia construída pelo suspense da história, ao menos é garante de uma coisa: o cinema de Haneke não é pretensioso mas continua a ser para ver e pensar depois.
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Comédia dos irmãos Coen não segue padrões. O absurdo e o vestígio do noir estão por todo lado em O Brother, Where Art Thou?, com argumento centrado nos anos 30 e alegadamente inspirado na "Odisseia" de Homero (as semelhanças são apenas simbólicas), o filme retrata o malabarismo de três foragidos (o líder do grupo, interpretado por George Clooney, só podia chamar-se Ulysses...) do Mississipi em busca de um tesouro. Mas o caminho para o ouro é espinhoso; além de serem seguidos de perto pelas autoridades, os três aventureiros vão encontrar uma série de caracteres bizarros, ora interessados em rapinar a prometida fortuna, ora empenhados em devolvê-los à mão da justiça. Pelo meio, gravam ocasionalmente uma canção que se torna um êxito imediato no estado do Mississipi. Embora as personagens não sejam tratadas com grande profundidade dramática, algo comum nas fitas dos Coen, o desempenho da equipa de actores acaba por salvar o filme e garantir o entretenimento mínimo que se lhe exigia, não avançando além da mediania, a despeito do investimento num punhado de boas ideias.
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