Quando o maquinal single de apresentação do novo opus dos Portishead ("Machine Gun") começou a atrair o mediatismo próprio do saudado reaparecimento de um dos projectos musicais mais aliciantes dos anos noventa, volvida quase uma prolongadíssima década de silêncio, suspeitou-se instantaneamente que Beth Gibbons, Geoff Barrow e Adrian Utley se proporiam actualizar o especulativo ideário de sons com que fizeram história. Muitas vezes canonizado como o progenitor maior do género trip-hop - muito por culpa do incontornável Dummy (1994) - o trio britânico tornou-se, então, ícone de uma forma de musicar a melancolia que assentava, sobretudo, no experimentalismo nas texturas para construir canções tendencialmente informes, de cadência lenta e expressão negra e ambiental, algures entre o pós-modernismo jazz, os mandamentos de pulso do hip hop e o melodismo distorcido, narcótico e claustrofóbico de música cosmopolita na essência. Esse traço de conexão com a metrópole e as suas inquietudes é, de resto, uma substância inseparável do tutano da música dos Portishead, hoje como ontem vinculada a uma permanente contestação das convenções estéticas que é, em última instância, o derradeiro panfleto do homem urbano deste século, o eterno inconformado.
A semente desse inconformismo incurável é, do mesmo modo, crucial a Third enquanto documento regenerador de causas dos Portishead. Como o tempo que entretanto se situou entre o último disco e o actual mudou os paradigmas de expressão da melancolia, também eles sentiram a invalidade do discurso "antigo" para debelar as novas chagas dos espíritos introrsos. E, ao voltarem-se para dentro, ao introspectivamente demandarem por respostas para ânsias e opressões modernas, Gibbons, Barrow e Utley encontraram uma verve mais fracturada do que antes, no limite da incoerência carnal e com a vertigem da falência. Assim são também as canções de Third, errantes e não sistémicas, despidas do prescindível, nervosas e ofegantes como confusas crias do medo, desconfortáveis nos calafrios da sua pele. Entre a surpresa do minimalismo cortante ou do ruído casual, a improvável cenografia de um ou outro instante e a aquietação de uma melodia cifrada, a "nova" roupagem dos Portishead é psicadélica, abstracta, sinuosa e cheia de interstícios e escapatórias. O que, no caso deles, não é mais do que o retrato musical dos motins mentais e incongruências do sujeito contemporâneo, na forma da redentora redescoberta de si mesmo. Que descanse o espírito da busca de palavras, a música dos Portishead discursa belissimamente por ele...
Posto de escuta MySpace
Sem comentários:
Enviar um comentário