Depois de se terem conhecido, há três anos, em plena explosão mediática dos Arctic Monkeys, numa digressão com os menos mediáticos The Little Fames, Alex Turner e Miles Kane (hoje nos Rascals) trataram de passar à forma de música as convergências artísticas que encontraram. De então para cá, a par dos inúmeros relatos noticiosos da existência dessas composições conjuntas, a dupla desvendou interesse em expô-las publicamente, sob o epíteto The Last Shadow Puppets. A concretização desse intento, em resposta às expectativas de melómanos e críticos, chegou em dois momentos distintos, primeiro um EP de apresentação (com quatro canções) e, agora, o tão esperado álbum. E desde as primeiras notas deste The Age of Understatement faz-se evidente o desígnio estético de Turner e Kane. Trata-se, sobretudo, de uma sondagem nostálgica do lado mais vivaz e sinfónico da pop sessentista, em canções com recorte cândido e emocionalmente frágeis, mas servidas por arranjos de cordas que lhes emprestam projecção e sumptuosidade. É como se os acrescentos da London Metropolitan Orchestra, escritos majestosamente por Owen Pallett (Final Fantasy), puxassem o esqueleto acústico das canções para o impacto cénico e amplitude próprios de uma pop mais madura, reverberante, barroca. Depois, a produção de James Ford é uma belíssima surpresa, ou não fosse ele metade da sensação Simian Mobile Disco, e não tivesse, no universo das electrónicas e remisturas, construído um catálogo curto, é certo, mas nos antípodas do clausulado estético que aqui se apresenta. A verdade é que o imaculado polimento de Ford, com guitarras maquilhadas de tremolo e timidez, com percussões de outras eras e entusiasmos pelo eco, dá às canções de Turner e Kane um oportuníssimo tempero retro. Como numa reminiscência apressada de um Scott Walker "clássico" (uma luminária assumida pelos Last Shadow Puppets), onde cabem também sombras da canção francesa tradicional (Jacques Brel é inspiração), do rock psicadélico, da ciência de Morricone, do imaginário sonoro dos filmes de espiões e do ideário sinfónico de uma big band. Tudo apurado e arrumado devidamente, rende a The Age of Understatement uma avaliação vintage e a certeza superveniente de que, atrás da máquina bombástica dos Arctic Monkeys e do seu sucedâneo que os Rascals se aprestam para mostrar em disco brevemente, existem dois músicos/criadores com aptidões para vagabundearem esplendidamente em registos mais estimulantes.
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