O projecto M83 conseguiu expandir a sua notoriedade além das fronteiras da França, então no formato de duo (Anthony Gonzalez e Nicolas Fromageau), com o muito debatido Dead Cities, Red Seas & Lost Ghosts (2003), e, à época, foram escassos aqueles que não os conotaram com uma linguagem musical próxima de suceder à orgânica do shoegazing - mesmo dispensando quase na íntegra o efeito dramático das guitarras - mormente pela reconhecida insistência em ecos e reverberações e, sobretudo, pelo recurso a um revestimento instrumental de decibel alto e estreiteza de ânimo. Desse tempo para cá, com a perda de metade do núcleo criativo (Fromageau), as máximas M83 conheceram algumas mutações significativas, desde logo com a adição definitiva da voz e a consequente aproximação a estruturas formais menos especulativas. Dir-se-ia que, com um álbum de instrumentais de pendor cenográfico pelo meio, alegadamente o primeiro de uma série para continuar (Digital Shades, Vol. 1, de 2007), Anthony Gonzalez fez do conceito M83 um campo de experiências entre o som atmosférico e o dramatismo, ou entre a tensão orgânica e a canção. E é, também, de canções que trata este Saturdays = Youth, sublimando as sugestões de transição que Before the Dawn Heals Us (2005) havia oportunamente deixado.
Atribuindo a autoridade sonora a um melodismo quase anacrónico dos sintetizadores, a lembrar ápices dos oitentas, o álbum recebe, igualmente, os favores acústicos do piano ou de guitarras maquilhadas e, aqui e ali, do canto adocicado da norte-americana Morgan Kibby, em conveniente contraponto do monocordismo de Gonzalez. Depois, a produção das canções (a cargo de Ken Thomas (Sigur Rós, Cocteau Twins, Suede) e Ewan Pearson (Ladytron, The Rapture)) dá-lhes uma estilização de fantasia, apelando à dimensão etérea de cada som ou, na falta dela, convocando a carga melodramática (e cénica) do romantismo que atravessa o álbum. Nesse sentido, Saturdays = Youth é o registo mais emocionado (a branco ou a preto) e nostálgico do catálogo M83 e, em aparente paradoxo, é também o produto mais mundano da colecção, ao firmar uma conjuntura de sons mais "naturais", sem fugir das áreas indefinidas do sonho (a belíssima "Kim & Jessie" é exemplo paradigmático disso). Pena é que o resvalo abstraccionista tire da melhor órbita algumas faixas do disco que acabam por minorar os predicados de excelência dos auges inscritos em trechos como "Kim & Jessie", "Graveyard Girl" ou "Too Late". É precisamente essa tríade, construída em códigos subliminarmente mais directos, que melhor mostra a dualidade euforia/melancolia que é, afinal, a substância-mor do disco e de uma entidade M83 mais voltada para a estrutura.
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