sexta-feira, 23 de março de 2007

The Astroboy - A Derrota da Engrenagem



O homo sapiens vive, desde a génese do pensamento racional, uma decana disputa entre razão e emoção, com o paradoxo de, sendo o Homem o único animal dotado de raciocínio lógico e conclusivo, ele também dar corpo à mais indecisa das espécies. A invenção do computador, entre outras coisas, somou matemática à irresolução, tentando uma solução para o dilema ancestral. O primeiro disco do projecto The Astroboy (aka Luís Fernandes, guitarrista dos bracarenses Frequency) está conceptualmente envolvido nesta discussão, opondo o discurso desumanizado das engrenagens, leia-se o computador, à emoção tipicamente humana dos ambientes sonoros vagos e informes do pós-rock. De certa maneira, A Derrota da Engrenagem tenta o que outros ensaiaram antes, por isso repassando lugares visitados na iconografia de, por exemplo, Keith Fullerton Whitman, no apelo ao contraste entre sons de síntese e de música concreta (o ruído manipulado é uma matéria bem-vinda!), com os ritmos vintage da velhinha Roland TR606 e o discurso presente da guitarra eléctrica. No final, completamente mergulhados no fluxo hipnótico de sons, de torpor branco, já nem nos lembramos, em razão das diligências da emoção, da demanda primária desta navegação em espaço incerto e cai no esquecimento (ou convenientemente para lá é empurrada pela razão) a necessidade de uma resposta. Por fim, as notas aeriformes do álbum são apenas ensejo para prolongar o recontro de todas as indecisões para além do instante de desligar temporariamente o computador. E a solução existencial fica por achar.

Sem comentários: