quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Rosie Thomas - If Songs Could Be Held

Apreciação final: 6/10
Edição: SubPop/Musicactiva, Novembro 2005
Género: Indie Pop-Rock/Folk-Pop/Cantautor
Sítio Oficial: www.rosiethomas.com








Rosie Thomas já não é segredo para ninguém. Voz delicada de rebuçadinho de menta em cima de alegações musicais introspectivas com vocação acústica, assim se diz a sua graça numa pauta. E assim se contam as histórias deste If Soungs Could Be Held, o terceiro longa-duração da cantautora americana. Não sendo uma obra imprevisível, este disco é, ainda assim, um depoimento franco de uma compositora que mira a sua reprodução no espelho e a verte abertamente em eufonias simples. E é precisamente dessa simplicidade cândida que derivam as causas mais profundas destas canções, ao jeito de confidências obscuras. O tom charmoso dos trabalhos anteriores é recapitulado aqui, até reforçado, à custa do alargamento da paleta de arranjos, num registo intimista e plácido que esquadrinha as inclinações do amor, os vazios da ausência, a mortalidade e a transcendência. Rosie Thomas move-se com segurança nestes terrenos, buscando todas as minudências de um retrato pessoal honesto, desta vez mais à custa de metáforas e ficções. Dito isto, porque é que o álbum parece incapaz de cintilar? Na senda de Joni Mitchell mas cada vez mais parecida com Sarah McLachlan ou Tori Amos, Thomas concebeu um disco de canções meio-termo entre a compaixão e o optimismo, baseadas em melodias acessíveis e que, em contraste com o passado da intérprete, surgem aqui despojadas do precioso garbo indie. Thomas a piscar o olho ao mainstream?

If Songs Could Be Held é um disco que suporta um manto de vulnerabilidade - o que não é necessariamente mau - e que, ainda que embrulhe algumas composições de forma distinta (até há um dueto com Ed Harcourt, numa cover dos Everly Brothers), não acrescenta substâncias novas ao património de Rosie Thomas. Afinal, If Songs Could Held parece ter sido forjado no ludibriante limbo entre a independência do universo indie e os apetecíveis dólares da pop mainstream. Fruto dessa imprecisão e algumas concessões, o último de Rosie Thomas nem é pop nem é indie e apenas causará impressão notável nos seguidores indefectíveis da cantora. Agradar simultaneamente a gregos e a troianos nunca foi obra fácil...

Philippe de Sousa - Boîte à Petits...

Apreciação final: 7/10
Edição: Audeo, Novembro 2005
Género: Guitarra Portuguesa/Instrumental
Sítio Oficial: www.audeo.co.pt








O guitarrista Philippe de Sousa nasceu em França mas não mascara, nas harmonias da sua música, as raízes da ascendênia portuguesa, mormente na afinidade com a guitarra portuguesa e a escola clássica da canção nacional, o fado. Mas Philippe não é um fadista, a sua arte é uma jornada apátrida pelos quatro cantos do mundo musical. Com o mesmo enternecimento, Philippe acolhe a saudade chorosa do fado tradicional, a cadência do corridinho algarvio, a sedução temperada do tango, o embalo melancólico das canciones de cuna, as mágoas e pesares da América Latina, o floreio estético do klezmer, os aromas do folclore dos Balcãs, o arrojo experimental do jazz e a amplitude sonora da música de câmara. O fraseado instrumental de Phillippe é, assim, desembaraçado e traz a guitarra portuguesa num discurso de vários idiomas musicais, evocando tradições cruzadas com a modernidade, em trejeitos musicais sem bruniduras excessivas. Esta caixinha de Philippe é um caleidoscópio universal que nos descarrega na mente um imaginário perdurável, acordando em nós a suspeita de saudade de coisas que não vivemos ou não conhecemos. Nesse sentido, este disco é a estampa musical de um amanhã sem acanhamento das suas raízes, marcando o desígnio renovador de um instrumentista de eleição, sem adulterar a majestade das suas influências. Elas estão aqui, nas tramas das composições como nas pautas, são testemunhas ajudantes. O resto é de Philippe.

Boîte à Petits... é um documento feito de pedaços instrumentais em que a guitarra portuguesa se rodeia de outros instrumentos (xilofone, contrabaixo, guitarra clássica, violino e alguma percussão) e se (re)inventa, umas vezes num jeito mais técnico (como na notável "Carrossel"), outras num prisma menos lacónico (o tema título). Neste álbum, a fantasia quase pueril das composições torna-se o catalisador de uma viagem sem eixos, também sem peias, a um destino multiangular. E um disco assim é um saboroso convite à ilusão, um exercício prestidigitador que deslumbra, a despeito de algumas porções menos conseguidas, os cantos mais protegidos de qualquer criatura melómana.

terça-feira, 29 de novembro de 2005

A normalidade amanhã...se me deixarem

Graças à gentileza do meu servidor de internet (Netcabo), fiquei privado de aceder à rede durante quatro dias e, por isso, não pude actualizar este espaço ao ritmo costumeiro.

Espero retomar a normalidade a partir de amanhã. Se a tal me deixarem...afinal só pago quase 36 euros por mês!

Saudações musicais.

quinta-feira, 24 de novembro de 2005

Deerhoof - The Runners Four

Apreciação final: 7/10
Edição: Kill Rock Stars, Outubro 2005
Género: Noise Rock/Experimental/Pós-Rock
Sítio Oficial: http://deerhoof.killrockstars.com








O entusiasmo pela experimentação, os esquemas do noise, um sentido melódico invulgar e uma voz de colegial perversa são os ingredientes substanciais do pandemónio dos Deerhoof. Desta vez, porém, o grupo de São Francisco decidiu serenar um pouco e concebeu um disco que se desvia da intensidade apaixonada de outros trabalhos, focando a exuberância sonora numa toada mais pausada, menos rebelde e, sobretudo, procurando uma abordagem mais subtil ao tradicional desalinho de ideias. Das estruturas caóticas e do ruído noise rock resta pouco neste The Runners Four, ainda que a dinâmica inconstante e as variações continuadas nas melodias revelem o traço usual do colectivo americano. A criatividade sai incólume do processo de desaceleração de ritmos, ao ponto de a banda apresentar um dos seus desempenhos mais eclécticos, trocando o grotesco pelo sensível, numa evocação catártica das anomalias do amor. The Runners Four é um álbum contextualmente sentimental e, ao invés de confiar na imprevisibilidade do som típico do quarteto, refugia-se no conforto de uma extensão mais convencional para captar o regozijo inato destes músicos e moldá-lo a um oferecimento menos efusivo. Mas não menos inspirado. Em boa verdade, as canções (se assim se podem chamar) são menos extremistas mas não deixam de acrescentar outros traços à marca sonora dos Deerhoof. O quilate dos predicados pop de Satomi e companhia é exibido num jeito simples, mostrando um segmento menos revelado na banda, sem espasmos, sem contracções, sem explosões de adrenalina.

The Runners Four sacrifica os devaneios experimentais do grupo e abeira-se do trato das convenções pop, com composições a rondarem os três minutos e a encaixarem em métricas melódicas mais acessíveis. O lado espásmico e multidimensional do rock parece ter sido vencido por um jogo musical mais aberto, de maquinações mais subtis e menor risco. Ainda assim, The Runners Four é um tomo de canções que (a)prova as aptidões dos Deerhoof em terrenos pouco explorados (por eles). Contudo, se os Deerhoof querem introduzir novidades num universo abundante em tresvarios e o fazem à custa da aproximação a convenções que habitualmente rejeitam, o gesto torna-se destemido. Mas a verdade é que eles o fazem com distinção e ainda afrontam ironicamente o auditor ao fecharem o disco com "Rrrrrrright", uma composição no melhor estilo Deerhoof, como que afirmando o efectivo móbil de The Runners Four: tomem lá um álbum pop que a gente já volta!

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Rogue Wave - Descended Like Vultures

Apreciação final: 7/10
Edição: SubPop Records/Musicactiva, Outubro 2005
Género: Indie Pop-Rock
Sítio Oficial: www.roguewavemusic.com








Não pode dizer-se que as canções de Zach Rogue são feitas de ofícios desconhecidos. A erudição indie rock do projecto Rogue Wave já havia sido vincada com afinco no anterior longa-duração, o altivo Out of the Shadow (2004). É por isso que a surpresa não mora neste Descended Like Vultures; o disco vai na peugada harmónica do antecessor, com melodias de apego instantâneo em que a voz melíflua de Rogue se escora num encadeamento instrumental de requinte. As composições alternam entre o registo da balada melancólica e intimista, o formato rock vítreo e as doces pronúncias pop. Contudo, em contraste com o primeiro trabalho, as manipulações da produção deste Descended Like Vultures (a cargo de Bill Racine) são mais incisivas, causando um descaminho superficial do som do grupo em relação ao volume atmosférico de Out of Shadow. A cosmética dos truques de estúdio submeteu a música dos Rogue Wave à inevitabilidade cósmica da gravidade e, com isso, mesmo abreviando o jogo de espaços do grupo e o prisma atmosférico do trabalho prévio, não minorou o temperamento espontâneo das canções. E é disso que trata Descended Like Vultures. É um disco de canções com sopro firme e de charme apurado.

Descended Like Vultures é um álbum sem pontas vulgares e ilustrado com canções que nos roubam à inércia, à custa de melodias douradas mas sem a transcendência sacralizada em Out of Shadow. E é pena que, no decurso da criação deste disco, se tenha extraviado, algures nos confins da racionalidade, a matéria que haveria de fazer deste Descended Like Vultures a obra que merecia ser. Mesmo assim, a despeito de algumas superficialidades e porque a pop não é refém choramingas da razão (ou do tempo), o novo dos Rogue Wave não é um fascículo indiferente.

terça-feira, 22 de novembro de 2005

Broken Social Scene

Apreciação final: 8/10
Edição: Arts & Crafts, Outubro 2005
Género: Indie Pop/Experimental
Sítio Oficial: www.arts-crafts.ca








Quando cerca de uma quinzena de pessoas concentram noções musicais num objecto comum é de esperar que o produto dessa experiência conjunta seja uma síntese versátil. Um disco feito nesses moldes reclama também uma dinâmica de grupo bem oleada e a reflectida alocação das diferentes perspectivas de criação. O projecto Broken Social Scene é uma dessas trupes musicais (neste momento tem dezassete elementos) e nasceu da amizade entre Kevin Drew e Brendan Canning e foi-se alargando a músicos convidados ilustres como Evan Cranley (dos Stars), Emily Haines (dos Metric) ou Leslie Feist. As composições de tão ambicioso ensemble são férteis em imprevistos e fomentam, num estilo lustroso e desembaraçado, a expansão de ideias, graças a uma orgânica instrumental sem vácuo e a uma miríade de vozes desiguais. Depois, a desinibição das faixas manifesta-se nas excentricidades pop e no senso melódico de um trabalho que alcança o raro fito de juntar diversos talentos individuais num todo sinérgico. Da miscelânea faz-se harmonia. Do caos nasce magia.

O apontamento dominante de Broken Social Scene é a surpreendente coesão das composições, em torno de uma abstracção pop profundamente cativante e que, embora pareça menos afoita em determinados momentos do disco, remete o auditor para uma grandeza orquestral incomum, mais própria para uma jam session, feita de colagens experimentais, de batidas ora trôpegas ora diligentes, de enredos de guitarra, de reviravoltas e ripostas frenéticas. Broken Social Scene é um álbum de outra dimensão, um exercício exploratório sem alavanca ou travão, um impossível delírio criativo, uma paleta de cores garridas e detalhadas. Ao ouvi-lo, vez após vez, apetece desdobrar-lhe as nuances e tirar o chapéu a uma banda (ou orquestra?) que vale por uma dúzia. Uma constelação brilha mais do que uma estrela só...

O terceiro longa-duração destes canadianos é uma colecção de impulsos musicais cheios de méritos, ainda que a algumas das faixas falte o suculento magnetismo de "Ibi Dreams of Pavement", "Swimmers" (com a voz de Feist) ou "Superconnected", exemplos do melhor indie pop deste ano. Por isso, Broken Social Scene não será o disco magno de 2005, mas estará certamente presente nos best of de muitos melómanos por esse mundo fora. Imperdível.

Morte de Marat

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Edvard Munch, Death of Marat I, 1907

segunda-feira, 21 de novembro de 2005

Animal Collective - Feels

Apreciação final: 8/10
Edição: Fat Cat, Outubro 2005
Género: Folk Experimental/Rock Experimental
Sítio Oficial: http://fat-cat.co.uk/








Quem ainda não conhece os Animal Collective, nesta altura do campeonato, não é merecedor do sentido auditivo. Sediados em Nova Iorque, Avey Tare e Panda Bear (a eles se juntam Deakin e Geologist) irromperam para o estrelato no ano transacto, com o deliciosamente alienado Sung Tongs, trazendo uma rajada de ar fresco (o substantivo lufada não faz justiça, por inteiro, à façanha dos Animal Collective) ao marasmo que, por vezes, firma estabelecimento no circuito mais experimental da música alternativa. E se há adeptos incondicionais do experimentalismo, mesmo da ousadia criativa sem fronteiras, são certamente estes dois rapazes. A música que assinam é, antes de mais, um turbilhão de emoções, umas vezes psicadélicas, outras vezes poéticas e sempre com um fundo musical viçoso, praticamente impossível de seriar mas, acima de tudo, encantadoramente inovador. Essa doutrina exploratória continua a ser o fio condutor de Feels, embora seguindo motes um tanto distintos. O cotejo inevitável com o trabalho anterior leva a uma inferência óbvia: não há limites para os Animal Collective! Eles são saudavelmente irrequietos, não se acomodam a formalismos e procuram uma fórmula musical cuja virtude maior é a transgressão de regras e o cruzamento de géneros. Assim, é comum encontrar nas composições da dupla americana, ainda que atrás de uma camuflagem oportuna, os feitios da folk mais intimista (particularmente sensíveis na segunda metade de Feels) ou os saracoteios das seitas rock'n'roll dos anos 50 e 60, aqui baralhados com pedaços de percussão quase tribalista e vocalizações voláteis. Chamar apenas folk electrónica à reacção química espontânea que é a música dos Animal Collective é ser restritivo. E ter ouvidos curtos.

Feels é mais aberto (e menos acústico) e acessível do que outros frutos do ensemble americano mas não deixa de renovar o culto a uma miríade de atalhos musicais que se projectam na mente do auditor, como pedaços fracturados de imagens e memórias. Cada canção é um manancial mágico de conceitos, a caminho de clímaces impacientes que se insinuam obstinadamente, quais réplicas antes das inquirações. Essas surgem depois, nos silêncios do fim do disco, quando o auditor, embevecido pela excursão inesperada a um sítio de quimeras, se deixa levar pela ressonância das melodias e não resiste ao impulso de voltar à primeira faixa. Mas as respostas, audição após audição, não aparecem. Antes, se renovam as perguntas. Porque assim continua a bucólica e esotérica maravilha dos Animal Collective. Os Beatles em Marte talvez fossem assim...

65daysofstatic - One Time For All Time

Apreciação final: 6/10
Edição: Monotreme Records, Outubro 2005
Género: Pós-Rock/Fusão
Sítio Oficial: www.65daysofstatic.com








Há discos que se repercutem em nós e nos estimulam a uma estranha meditação. Assim é o desígnio do novo trabalho dos britânicos 65daysofstatic. O som deles é esfíngico, confronta-nos num emaranhado de enigmas que impelem à revelação de um universo assombrado, de um palco de temores e cepticismos, de um espaço de vazios brancos e intemporais. E isso é conseguido por via de uma engenhosa combinação dos lugares flutuantes do pós-rock - onde a invenção vale mais do que a regra - com o fulgor perene da electrónica e o súbtil manejo da percussão. Esta síntese multidimensional redunda em argumentos sonoros que evocam, em medidas iguais, a dimensão etérea dos Godspeed You! Black Emperor, dos Mogwai, dos Explosions in the Sky ou dos Slint e a vibração perspicaz de Aphex Twin, de Venetian Snares ou dos M83. A essas matizes várias, os 65daysofstatic acrescentam um cunho próprio, em busca de um som que tira a redenção de pungentes acordes de guitarra, de cadências velozes que colam pedaços apartados de música: uns, mais efusivos e agudos, estão próximos dos teoremas do rock progressivo; outros, mais melancólicos e brandos, assentam arraiais nos domínios da electrónica (é sempre o pano de fundo das composições, escondida por detrás do discurso directo da guitarra), quiçá da IDM, do drum'n'bass e outras feições, com o denominador comum da drum machine, do piano e tudo o que mais convier. Sempre sem voz. O produto é um composto coeso e apela a uma dinâmica rítmica volúvel. Tão depressa as harmonias se espreguiçam romanticamente no tímpano do ouvinte, tardas e aliterantes, como, de seguida, o surpreendem, com inesperadas convulsões triturantes.

One Time For All Time é o segundo trabalho deste colectivo britânico e reafirma, com maturidade acrescida, o intento do grupo: o devaneio criador de uma família musical incorporadora da alma rock, do expediente electrónico e da diversidade das escolas beats. Contudo, essa álgebra musical dos 65daysofstatic nem sempre vence e, em alguns lances do disco, fica a sensação de que, embora os músicos revelem o talento para embarcar nesta cruzada, mais do que moldarem as matérias, eles vêm-se enredados por elas. E como vão desatar tal nó górdio?

Posto de escuta23 KidClimbing on RoofsDrove Through Ghosts To Get Here
Para ouvir estas amostras vai precisar do RealPlayer. Descarregue-o aqui.

sexta-feira, 18 de novembro de 2005

quinta-feira, 17 de novembro de 2005

James Yorkston na Casa das Artes (Famalicão)

JAMES YORKSTON (UK)
20 Novembro domingo 22.00 café-concerto
Entrada: 5 euros (preço único)
www.jamesyorkston.co.uk



No culminar de um fim-de-semana agitado, nada melhor que entrar numa nova semana a relaxar ao som da folk de James Yorston no Domingo que se segue ao vendaval prometido por Barbez + Sikhara. A solo, James Yorkston chega a Portugal inserido numa mini tournée ibérica de cinco datas com início em Barcelona e término em Famalicão, numa data única no nosso país em apresentação de Hoopoe, o seu novo EP a solo.

Biografia de James Yorkston
James Yorkston é um homem calmo, já se sabe. É verão e toca música folk enquanto vai ficando calvo. A cada segundo domingo do mês, vai ao pub local em Fife (a sua terra natal) com os amigos beber e tocar música acústica. Nada de correrias, portanto.

Nos anos 90 James Yorkston tocava numa banda punk-garage, os Huckleberry, mas quando ouviu o guitarrista da Malásia D'Gary, o seu impacto foi tal que decidiu tirar o amplificador a tudo e comprar uma guitarra acústica. Tendo feito o suporte em alguns concertos de lendas da folk como Jonh Martin, e Bert Jansch, Yorkston grava o seu primeiro álbum Moving Up Country com a aclamação da crítica especializada. O segundo álbum, Just Beyond The River (2004), cuja gravação e produção foi de Kieran Hebden (Four Tet), acabou por ser amplamente destacado na imprensa especializada. Estava firmada a marca de um dos mais talentosos songwriters da folk na actualidade.

Sobre Hoopoe
HOOPOE, o novo Ep a solo de James Yorkston, (tocado, gravado, e misturado em casa pelo próprio para a etiqueta espanhola Houston Party Records), é composto por cinco temas exclusivos mais uma nova versão para "Heron", numa edição exclusiva para o mercado espanhol.

Imagine-se Ray Davies a interpretar Iron & Wine. Junte-se uma concertina tímida e um harmónio, aqui e ali. Depois, os banjos. Yorkston deixa um "até breve" aos The Athletes (a sua banda) pois Hoopoe é o momento de desfrutar de instantes tranquilos, solitário e acústicos.

Este escocês é algo do melhor que aconteceu à folk europeia nos últimos anos. O seu repertório é romântico e honesto e reporta-nos para a Escócia rural, numa viagem por museus e tabernas. O som é superlativo, mas chega-nos tão sedutor que nos rouba a insistência. Os prazeres são mesmo assim!

Posto de escuta
Song to the Siren
Pepparmyntste
Moving Up Country
Are You Coming Home Tonight
The Patience Song
I Know My Love
St. Patrick
Blue Madonnas
Sweet Jesus
Tender
This Time Tomorrow

Discografia seleccionada
Moving up Country – Domino – 2002
Lang Toun – Domino – 2003
Someplace Simple (EP) – Domino - 2003
Just Beyond the River – Domino – 2004
Hoopoe (EP) – Houston Party Records - 2005


Discografia completa

www.simbioticstore.com/jamesyorkston

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

OOIOO - Gold & Green

Apreciação final: 7/10
Edição: Thrill Jockey/Sabotage, Outubro 2005 (Edição orig. Japão: 2000)
Género: Pós-Rock/Experimental/Fusão
Sítio Oficial: www.thrilljockey.com








Elas são japonesas de origem mas a música que fazem descende de um filão universal e intercepta alusões a géneros diversos. A alma do quarteto (integralmente feminino) é Yoshimi Yokota, uma das mais talentosas intérpretes do vanguardismo contemporâneo, mais conhecida pelo envolvimento nos projectos Boredoms e Free Kitten. Gold & Green, o segundo disco das OOIOO, foi originalmente lançado no mercado nipónico em 2000 e é um prospecto oportuno para a amálgama sonora do grupo. As guitarras são transmissores de ritmos afoitos, num discurso de contornos incertos. A elas, juntam-se o psicadelismo e a energia irrepreensível das teclas; cabe-lhes o protagonismo maior neste mundo de tribalismo futurista, sublinhado nas tendências da percussão e na excentricidade vocal. Difícil mesmo é catalogar este som. Está-lhe subjacente uma mecânica pop, profundamente sulcada por um experimentalismo que apela a reacções sensoriais agudas. Depois, há uma rara diversidade orgânica, seja na estrutura rítmica das composições, seja na abordagem instrumental das harmonias. Pode dizer-se que as OOIOO debitam um som primitivo, que a sua música é rudimentar mas Gold & Green é uma daquelas obras que conquista pela espontaneidade étnica e nos obriga a ceder perante o frenesim instrumental que se alastra, de mansinho, nos tímpanos e espicaça o ânimo. Será voodoo?

Gold & Green é um desafio de experimentação livre, de composições sem rédea. E espírito indomável. O esqueleto é electrónico, a matéria não tem forma, aceita todas as fontes de som e integra-as com propriedade e sem presunção. A integridade da proposta marca pontos do início ao fim do alinhamento, conjugando delirantemente as melodias progressivas, um certo trejeito kraut-rock, o minimalismo experimental e o eclectismo de vanguarda. A receita está completa. Basta recostarmo-nos no sofá da sala e aceitar o feitiço fascinante deste Gold & Green.

terça-feira, 15 de novembro de 2005

Why? - Elephant Eyelash

Apreciação final: 7/10
Edição: Anticon, Outubro 2005
Género: Indie Pop-Rock
Sítio Oficial: www.anticon.com








Os Why? são um dos mais abstractos colectivos da actual música alternativa americana. Desde os títulos de baptismo do projecto e dos respectivos álbuns às alusões simbólicas das capas dos discos, os Why? subscrevem uma atitude que desafia convenções. O novo trabalho do projecto (o terceiro longa duração, sempre com a chancela da Anticon) iniciado a solo por Yoni Wolf (quem não se lembra dele nos inventivos cLOUDDEAD?), e reconvertido recentemente ao formato de banda, é o desfile de uma dúzia de composições recalcitrantes e que adoptam moldes multi-géneros, algures entre o rock psicadélico, a folk melancólica e a pop mais colorida e bizarra. A mescla é alimentada por um arsenal de instrumentos (a)variado, com guitarras, xilofones, pedais de efeitos, percussões caprichosas e mesmo panelas e tachos. Depois, o registo vocal de Yoni Wolf - principal veículo do imaginário lírico do disco - é multidimensional, capaz de assinar com idêntico requinte as atribuições de um crooner enamorado, de um nostálgico poeta, de um rapazote tímido ou de um adulto convicto. Elephant Eyelash é uma aventura para o auditor. A folia pop é a camada mais imediata deste álbum, não abdicando do traço truncado típico da escrita de Wolf mas incutindo-lhe uma trajectória com rumo, sem os altos e baixos súbitos de outros trabalhos do músico. Contudo, apesar da catarse pop resultar mais conforme e de as canções se segurarem sem cambaleios, Wolf não extinguiu o plano anti-convenções e as esquisitices subjectivas das suas metáforas. O que mudou então? Do existencialismo sujo do passado, das contingências crespas doutros trabalhos, Wolf mudou-se para uma vibração mais colorida, com mais coração. Em Elephant Eyelash o experimentalismo underground dos cLOUDDEAD é nada mais do que uma miragem e, nesta nova pele, Wolf sente-se como peixe na água. Ou finge bem.

Elephant Eyelash é um ensaio estruturado do absurdo. E joga-o com sentido de risco mas também com orientação, mesmo que isso implique, aqui e ali, o recurso a clichés gastos. O desfecho é um álbum conexo, com um recheio harmónico precioso e um laço instrumental proporcionado. Ainda que se possa questionar a reorientação estilística de Yoni Wolf e dos Why?, não devem negar-se os préstimos de um disco que, não sendo uma obra-prima, expõe o rosto do génio excêntrico de um músico em metamorfose. E se a mais recente fase da transformação é uma pestana de elefante, deixemos o rapaz fantasiar. Enquanto a mudança não se sublima, ouçamos o disco. Porque vale a pena.

sexta-feira, 11 de novembro de 2005

God Is an Astronaut - All is Violent, All is Bright

Apreciação final: 6/10
Edição: Musicactiva, Novembro 2005
Género: Pós-Rock
Sítio Oficial: www.godisanastronaut.com








O mundo é um lugar estranho. Assim parece quando visto (ouvido) pelo poético prisma musical dos irlandeses God Is an Astronaut. Os rapazes de Dublin versejam sem palavras, a expensas de um som com nobreza celestial e propenso à infinidade. Eles não se impõem limites e tem a ousadia de meditar em acordes avulsos, com um sentido melódico dúctil e uma energia magnetizante. Ainda que imaterial, a música é repleta de emoção e desenvolve-se progressivamente, à cata de um zénite, algures numa paisagem rústica e despovoada, onde apenas pairam vultos imaginários e vestígios invisíveis de fantasias. As cores são o preto e o branco (energias opostas de uma matriz yin-yang) e simbolizam as palpitações variantes do álbum. De facto, All is Violent, All is Bright é um mutante numa guerra dos mundos: no campo dessa batalha sem armas, o duelo é entre o registo inflamado dos Explosions in the Sky e o tom glacial dos Sigur Rós. Essa dinâmica de ânimos cria harmonias pomposas e melancólicas que, buscando o auge contemplativo, nem sempre o atingem. A guitarra e o piano, quase sempre plangentes, convivem com a firma narcótica dos sintetizadores e a percussão segue diligentemente atrás, sem se descomedir.

Monolítico e impressivo, All is Violent, All is Bright é um disco para consumir demoradamente e perceber, por detrás do teatro de sombras, o relato de um cosmos pós-rock negro de guerra, experiências em animais, violência e morte (como no vídeo de "Fragile" - disponível aqui) e de uma mensagem purgativa e redentora. Musicalmente, o último trabalho dos God Is an Astronaut não é obra magna porque não evita, no vínculo melódico que subscreve, uma certa dispersão de conceitos, particularmente sensível na segunda metade do alinhamento (a outra metade é magnífica...). Mesmo assim, All is Violent, All is Bright é um álbum de emoções francas. E quando assim é, seja tudo violento ou resplandecente, vale a pena ouvir.

quinta-feira, 10 de novembro de 2005

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

10 discos de relance




Miri Ben-Ari - The Hip-Hop Violinst (6/10)

www.miriben-ari.com
A violinista israelita Miri Ben-Ari vem provar que o género hip-hop não é invulnerável à experimentação instrumental. A menina bonita fez-se rodear de alguns nomes consagrados (Kanye West, Scarface e Akon, entre outros) e embrulhou o discurso em atrevimentos de violino. Curioso, mas pouco mais.
(Universal, Agosto 2005)




Queenadreena - Butcher & The Butterfly (7/10)

www.queenadreena.com
Katie Jane Garside é uma rebelde. Ela e Crispin Gray são a alma do quarteto Queenadreena. A proposta é um rock cru, com saudades da garagem e que aceita influências tripartidas: Iggy Pop, P.J. Harvey e Nine Inch Nails, em partes iguais. O resto é uma substância musical sensual, áspera e inquietante.
(One Little Indian, Outubro 2005)





Stephen Fretwell - Magpie (7/10)

www.stephenfretwell.com
O inglês Stephen Fretwell mostra, no primeiro longa-duração da sua carreira, um som outonal e de cariz profundamente melancólico, num embalo folk que, pelo jeito intimista e essencialmente acústico, traz à memória a referência presente de Bob Dylan. Uma pequena preciosidade de um compositor promissor.
(Fiction, Novembro 2004)


Minotaur Shock - Maritime (6/10)

www.minotaurshock.com
Segundo registo de David Edwards, Maritime é uma jornada instrumental colorida e com uma orgânica jubilosa a que só parece faltar um acrescido ajuste melódico e a concretização de um rumo. Um pouco de Art of Noise, de Aphex Twin ou mesmo dos Boards of Canada não chega para salvar o disco da mediania.
(4AD, Agosto 2005)

Posto de escutaMuesliVigo BayHilly



I Am Kloot - Gods and Monsters (5/10)

www.iamkloot.com
Eles são de Manchester e assumem essa naturalidade britânica na concepção musical que subscrevem. Recorrendo à fórmula gasta em trabalhos anteriores, os I Am Kloot parecem ter perdido o pendor original das suas composições. E com isso podem desviar-se do pelotão da frente da pop alternativa do Reino Unido.
(Echo, Abril 2005)




Gogol Bordello : Gypsy Punks : Underdog World Strike (7/10)

www.gogolbordello.com
Naturais da Ucrânia, os Gogol Bordello fazem um debochado choque de culturas: combinam a alma amotinada do punk-rock com a festividade dos violinos e acordeões da música cigana dos Balcãs. Depois, os auto-proclamados ciganos punk fazem tudo com uma dose sublime de sátira e surrealismo. O resultado é tão folgazão e zombeteiro que até suplanta a exibição graciosa do generoso bigode do vocalista Eugene Hütz...Pode não ser genial, mas é imperdível.
(Side One Dummy, Agosto 2005)




Sinéad O'Connor - Throw Down Your Arms (7/10)

www.sineadoconnor.com
No primeiro álbum de estúdio desde a retirada (anunciada há três anos) da indústria discográfica, a irlandesa apossa-se de uma dúzia de clássicos dos cânones reggae e toca-os ao de leve, com a reverência que os originais dos Burning Spear, de Lee "Scratch" Perry e de Peter Tosh merecem. Na voz de Sinéad, temas como "Door Peep" (de Winston Rodney, dos Burning Spear) e "Curly Locks" (de Peter Tosh) provam como uma boa canção nunca morre. E como Sinéad será sempre diferente.
(Rocket Science, Outubro 2005)




Elizabeth Anka Vajagic - Nostalgia/Pain [EP] (6/10)


Surgido como um complemento ao álbum Stand With the Stillness of This Day, este EP é mais abstracto mas mantém o tónico meditativo que a voz de Vajagic impõe; a percussão marcha e as guitarras lamentam-se, desenhando paisagens sonoras de profundidade poética e retiro. Contendo 3 composições, duas delas acima dos dez minutos, em jeito de prédica esparsamente musicada, este mini-álbum é solene e merece ser perscrutado, mesmo que traga dor ou nostalgia.
(Constellation, Maio 2005)




Dr. Frankenstein - Crime Scenes and Murder Songs (7/10)

www.dr-frankenstein.com
No sítio oficial, o quinteto luso assume o fascínio pelos filmes de série B, pelo surf, pelo rock'n'roll e rock de garagem. Andam há onze anos nisto e este é o terceiro álbum. A guitarra é aqui a voz principal de composições ao estilo de uns Shadows reconvertidos a um universo James Bond com miúdas loiras de peitos fartos, em bikini, brilhantina no cabelo, muitas ondas e espírito relax. Junte-se-lhes talento e ousadia (os rapazes até repescam um tema dos Madredeus!) e temos um projecto nacional com méritos para descobrir.
(Musicactiva, Setembro 2005)

Depeche Mode - Playing the Angel ( 7/10)

www.depechemode.com
Dave Gahan, Martin Gore e seus pares traçaram um percurso sólido que fez dos Depeche Mode uma referência do electropop, nomeadamente depois da edição de Violator (1990). Neste novo trabalho, a banda recupera o preceito sintético desse disco e constrói um dos trabalhos mais sólidos de uma carreira com vinte e cinco anos. Depois de alguns tiros ao lado e de uma certa letargia criativa, os Depeche Mode estão de volta. E mais fidedignos.
(Mute, Outubro 2005)

Jarboe em Famalicão

Grande Auditório da Casa das Artes de Famalicão, 2 de Novembro de 2005

Jarboe é uma das mais proeminentes figuras do mundo da música alternativa americana. Dizer-se que ao lado de Michael Gira foi voz dos Swans, é já por si dizer-se muito. Exuberante e provocante, é a sua natureza. Com um passado tão díspar como o seu, entre o catolicismo da mãe e o facto dos pais terem sido agentes do FBI, Jarboe sempre foi polémica. As suas actuações já tiveram cerimónias com manuseamento de cobras e práticas sexuais menos ortodoxas. Deste cocktail explosivo resulta uma mulher multifacetada e inesperada. Prolífera na criação musical e indiferente a quaisquer barreiras, Jarboe busca o que outros não ousam sequer tentar. A título de exemplo, o álbum editado em 2003, em conjunto com os Neurosis, estabeleceu-se como um marco no seio do metal alternativo.

Senhora de uma voz versátil, Jarboe é capaz de encarnar personagens diversas. Tímida, sensual, colegial, demoníaca, sedutora, sexual...Jarboe é tudo isto e muito mais! Dor física e espiritual, reencarnação e religião, profanação e comunhão fazem parte do seu léxico!

A 14 de Setembro de 2002 Jarboe visitou o nosso país num concerto mais do que fabuloso. O Auditório de Serralves foi incendiado com a sensualidade de cinquentona intrépida. E ela ainda não editara com os Neurosis. Os arrepios eram mais que muitos. O concerto foi inserido num ciclo sobre sexualidade. Foi infalivelmente erótico!

Mas há muito mais no sexo do que o simples orgasmo. E o concerto de Famalicão teve de tudo.

Pré-preliminares: Nic Le Ban, guitarrista que acompanha Jarboe em palco, deu-nos cerca de 15 minutos de composições suas, em jeito de songwritter. Devia ter ficado quieto, é um facto! Material daquele não aquece ninguém, pode é servir para adormecer!

Preliminares: se me disserem que uma introdução não deve ter mais de 2 a 3 minutos, eu pergunto: os preliminares não podem durar cerca de 15 minutos?

Início do acto: a bela Paz Lenchantin (A Perfect Circle, Zwan, recente colaboradora de Entrance) entra em palco agarrada ao seu baixo. Jarboe segue-a e senta-se. Em jeito de meditação parece iniciar um ritual de cerimónia. Nesse momento, a doce e bela Paz acariciava-nos os ouvidos com as notas perfurantes do seu baixo.

O primeiro acto: a restante banda que acompanha Jarboe (Phil Petrocelli e Mike Rollins nas baterias, Nic Le Ban na guitarra) acomoda-se no palco e, de costas para o público fazem uma contrição em silêncio. Depois disto, nada será igual! O concerto não tem regras estabelecidas, é uma espécie de queda em espiral, em ritmos tribais, rumo à face profana da religiosidade.

Sodomia: duas baterias debitam invariavelmente sons de agressividade e violência em dose q.b.. Jarboe gatinha pelo palco. Senta-se em frente ao público e coloca-se no meio dele, em modos provocatórios. É tempo de sentir arrepios na espinha, como uma antevisão ou uma incontrolável expectactiva do que possa acontecer. A senhora não violentou sexualmente ninguém. Preferiu deitar-se numa cadeira e contorcer-se, tal e qual uma profissional do metier

Masoquismo: perto do final Jarboe concorre com a velocidade das duas baterias. Verticalmente erecta, debruça-se e faz um headbanging perfeito capaz de arrefecer a sala com o efeito ventoinha. Depois, a cantora propõe-nos uma nova modalidade, o “armbanging”.

Coito interrompido: durante o concerto as pausas (longas e sucessivas) quebraram o ritmo fervilhante dos temas. Pior do que isso, Nic Le Ban revelou-se um empata. O seu registo foi pobre. O músico consegue mesmo um feito desrespeitoso: rebentar uma corda e só voltar ao palco depois de quase gastar o tempo suficiente para ir comprar outra! Os outros elementos da banda, exceptuando a eficiência de Lenchantin, dão sinais de pouco entrosamento (ou desinteresse?). A própria Jarboe pode ser mais excitante. Ela sabe-o. Naquele dia, a espontaneidade e a irreverência cederam lugar ao um profissionalismo frio que, mais do que penalizar Jarboe, desgosta os seus admiradores.

Carinho: no encore, Jarboe dedica “Mother/Father” a Michael Gira.

Beijinhos: Jarboe, para entrares no metal, traz contigo os Neurosis!

terça-feira, 8 de novembro de 2005

Black Dice - Broken Ear Record

Apreciação final: 7/10
Edição: DFA/Astralwerks, Setembro 2005
Género: Noise/Electrónica Experimental
Sítio Oficial: www.blackdice.net/dicemain.htm








Os Black Dice são iconoclastas por excelência. E fazem alarde dessa condição, decompondo com argúcia os formalismos da indústria musical. Para eles não há axiomas nem regras que não mereçam ser desmontados, detalhe a detalhe, e (re)arrumados em feições extravagantes, como se virados do avesso e mostrados num novo estado bruto. Assim é a música deste trio de Brooklyn: maquinal, polinsaturada, inveterada e solta. Broken Ear Record alinha por esse diapasão, tem a presunção grandiosa de ser cósmico mas aceita, ironicamente, um microcosmo apocalíptico quase tribal. À electrónica desregrada e orgulhosa das imperfeições e intermitências, juntam-se ruídos incógnitos e rumores ao serviço de uma litania encriptada. Dessas ladainhas sintéticas provém uma substância musical invulgar, com palpitações vanguardistas e experimentais, talvez mais ritmada do que nos trabalhos anteriores do grupo. Esse incremento rítmico não tira crédito ao selo Black Dice e permite uma harmonia de formas mais simpática para ouvidos duros. As composições são mais intuitivas e, sem perderem a bizarria e o modernismo característico do colectivo americano, sublinham a abstracção do electro noise. E como obra do género noise, Broken Ear Record é um abundante jogo de sensações, uma adivinha maravilhosa, um jorro anormal de fluidos sonoros.

Quem espera um disco acessível, esqueça! Nunca foi essa a premissa dos Black Dice. Eles subscrevem o psicadelismo e a ruptura, combinam futuro e antiguidade e alcançam objectivos (e objectos) inauditos. Broken Ear Record é uma dessas causas. Não é um disco, é um laboratório. Por isso, não é tão inteiro quanto outros trabalhos dos Black Dice e divide-se em contorcionismos penalizadores: ora se apresenta criativo e robusto, ora se expõe em hesitações retóricas. Ainda assim, o novo rebento dos Black Dice é um bom ponto de partida para desconhecedores dos nova-iorquinos. Os fãs antigos não vão descobrir nada de substancialmente novo. Mas é Black Dice.

Sapatos

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Van Gogh, Shoes, 1888

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Murcof - Remembranza

Apreciação final: 7/10
Edição: Leaf, Setembro 2005
Género: Electrónica Minimalista/Experimental
Sítio Oficial: www.murcof.com








Murcof é um mexicano de Tijuana. Ninguém o diria, não há na sua música nenhum prenúncio dessa naturalidade. A dádiva musical de Murcof não venera a tradição mariachi, nem o espírito vadio da música tradicional mexicana. Aqui, o projecto é radicalmente diferente. As criações de Fernando Corona - assim se chama o senhor - seguem a cartilha da electrónica minimalista. A orgânica aparentemente simples das composições é um fluido musical que conjuga elementos sintéticos, verdadeiros cicerones da melodia e marcadores do compasso das faixas, e incursões superficiais no domínio da música clássica. Desta junção, quase sempre conseguida com lucro, resulta um composto estável, de grandeza atmosférica e alma escurecida. A música de Remembranza é um crescendo de paixões: por vezes, desenha-se na mente, espectral e enevoada, com a frágil leveza de um fantasma que baila na vibração de um piano; noutros momentos, essa dimensão incorpórea, quase sobrenatural, amplia-se a si mesma, os ruídos nocturnos ecoam e a música toma o corpo do medo, faz-se mais intimidativa. As melodias redundam, assim, num sublinhado da face tétrica das fantasias, uma espécie de anátema anti-existencialista, sem forma decretada, que cruza com erudição, os universos sintéticos dos Pole, de Aphex Twin, Brian Eno ou Ulrich Schnauss com a inspiração inventiva de Gyorgy Ligeti ou Arvo Part. Entre esses dois mundos, Murcof maquina um simulacro de guerra fria, o palco assombrado de experiências acústicas de cariz fílmico, como etapas da percepção de um mundo sensível.

Boa parte da energia activa deste Remembranza deriva da sua estranheza polimórfica e tensão ressonante que, se não dominam de imediato o ouvinte, o impelem a o confronto com o medo, pelo constrangimento descontrolado da curiosidade. Ter medos é uma inevitabilidade da condição humana. Murcof sabe-o e expia as suas inquietações numa fórmula musical que nos chama para um dédalo denso e medonho. Vamos esquivar-nos a este gesto vanguardista ou o a curiosidade pelo mistério é mais forte?

Posto de escutaRecuerdosRiosCamino

Meira Asher e "Open Cuts" em Famalicão

MEIRA ASHER + GUY HARRIES (ISRAEL/HOLANDA)
12 Novembro Sábado 22.00
Grande auditório, Casa das Artes (Famalicão)
Entrada: 5 euros (Preço único)
www.meiraasher.com

Também em:
Lisboa (ZDB) – dia 10
Guarda (Teatro Municipal) – dia 11

No dia 12 de Novembro, Famalicão vai presenciar um dos momentos mais marcantes de 2005, com a presença da Israelita Meira Asher, acompanhada pelo Holandês Guy Harries, numa das suas raras aparições ao vivo.

Ao escutarmos as composições de Meira Asher comodamente em casa, podemos sentir incómodo pelas imagens que nos sugerem dor, ao sermos obrigados a projectar na mente um filme para a “banda-sonora” cruel que ouvimos. As composições de Meira Asher têm, por isso, um impacto maior ao vivo, uma vez que, ao invés de nos podermos desviar para cenários menos violentos que aquele que a música nos induz, somos obrigados a sentir fisicamente a experiência da dor, do sofrimento, sendo incapaz o espectador de ficar alheio pela cumplicidade visual a que está obrigado. Uma experiência única e imperdível, capaz de mexer com os nervos dos mais incautos, mas que não permite indiferenças perante a brutalidade e crueldade... da realidade!

Quem é Meira Asher?
Nascida em Israel, Meira Asher tem desenvolvido, ao longo das últimas duas décadas, um corpo de trabalho altamente politizado, de denúncia, crítica e retrato de situações catastróficas que a humanidade vai desenhado para si própria. O percurso educativo de Asher pauta-se pela interdisciplinaridade, que se reflecte de forma clara no seu trabalho, não raras vezes também ele intertextual e disciplinar. Estudou percussão entre Varanasi, Jerusalém, Telavive, São Francisco, Akra, Anyako e Tamale; sonologia em Den Hague; percussão tradicional, dança e voz de várias tribos no Gana; artes interdisciplinares em Los Angeles ou terapia musical em Tel Aviv. Leccionou uma multitude de matérias, em diversas plataformas, desde trabalho com crianças autistas até cantares tradicionais na Escola de Jazz Rimon em Israel. Tem também um vasto passado na música para dança e teatro, bem como nas artes visuais – nomeadamente no formato vídeo.

No que respeita a música gravada, Asher estreou-se com dois álbuns editados pela Crammed, «Dissected» (1995) e «Spears Into Hooks». Trata-se de dois dilacerantes documentos, onde a dor, os conflitos bélicos israelitas, o pavor e a angústia são manifestados com total abertura e entrega, numa instrumentalização electrónica moderna com as formas primitivas do folclore, plenas de aspereza, secura e dor.

Depois de em 2002 ter apresentado o disco/performance «Infantry», Meira Asher regressa em 2005 com o espectáculo (estreado o ano passado em Gent) o disco «Face_WSLOT – Woman See [sic] Lot of Things», que apresenta nesta ocasião. Prestes a ser lançado em formato CD+Livro, trata-se de 17 composições criadas a partir de «vozes, histórias e ambientes sonoros» de três mulheres, ex-soldados, que combateram, ainda crianças, na Serra Leoa. O livro contextualiza o «background» e as perspectivas de vários autores sobre o assunto, incluindo ainda depoimentos destas mulheres e documentação acerca da parte do projecto respeitante à instalação. Os lucros provenientes da venda deste lançamento irão directamente para apoio educativo de terceiro grau para mulheres da Serra Leoa.

Discografia seleccionada de Meira Asher:

ÁLBUNS
Face_WSLOT (cd-book) - Bodylab-Auditorium (2004)
Infantry - Sub Rosa (2002)
Spears into Hooks - Crammed (1999)
Dissected - Crammed (1997)

EP’S
Face_WSLOT - Bodylab/Auditorium (2004)
SIDA (vinyl) - SSR (1997)

COMPILAÇÕES
An Anthology of Noise and Electronic Music - Vol. 2 - CD2 track 3. “Torture Bodyparts” (Meira Asher and Guy Harries) - Sub Rosa (2003)
Drop 5.1 (2000) - Track: 14. “My Last Granny” (Meira Asher vs. Bio Muse) - Materiali Sonori (2000)
Balkans Without Borders - Track: 16. “Tiring Night” (Meira Asher with Kocani Orkestar) – Omnium (1999)
World Music: Africa, Europe and the Middle East - Vol. 1 - Track: 12. Give Peace (Meira Asher) - Rough Guide (1998)

PARTICIPAÇÕES
Dar Beida 04 - Track: 6. “To the goddess” (Maha aka Meira Asher) - Barraka el Farnatshi (2001)
Frigg Brecht - Frigg feat. Meira Asher - (1999)- Knitting Factory

Discografia seleccionada de Guy Harries:

ÁLBUMS
Infantry - Sub Rosa (2002)
The Thirteen Bar Blues – Artist: Houtkamp's Pow 3 - X-OR (2003)

COMPILAÇÕES
An Anthology of Noise and Electronic Music - Vol. 2 - CD2 track 3. “Torture Bodyparts” (Meira Asher and Guy Harries) - Sub Rosa (2003)
The Composer's Cut: Maurizio Marsico - Track ...: “Song from 'Endings” (performed by Anna Levenstein and Guy Harries) - Auditorium Edizioni (2003)

Posto de escuta:
Psalms19
Shahid1
Shahid2
Nr
Infantry

Concerto para apreciadores de:
Lydia Lunch
Diamanda Gálas

Novo colaborador

A partir de hoje, o apARTES contará com mais um colaborador para a divulgação de eventos. O Rui Ribeiro, autor do blog Som Activo aqui aparecerá com notícias e reportagem de concertos e outros eventos de relevo.

Bem-vindo, Rui.

domingo, 6 de novembro de 2005

Lightning Bolt - Hypermagic Mountain

Apreciação final: 8/10
Edição: Load, Outubro 2005
Género: Noise-Rock/Rock Experimental/Metal
Sítio Oficial: http://laserbeast.com








Um baixo irrequieto em alucinação ininterrupta, uma bateria frenética em voltagem descomedida, latejos maníacos e muito, muito, mesmo muito estardalhaço são os sinais dos Lightning Bolt. Nas cátedras musicais é vulgar chamar-se noise rock a (des)arrumações como estas. O ruído é, de facto, agente dominante e atira-se, incontinente, aos tímpanos do ouvinte; a distorção rude testa os limites do suportável e o compasso feroz das composições, numa lógica caótica de ritmo, faz desta edição uma experiência arriscada. Escutar Hypermagic Mountain é precipitar-se numa electrizante e abrupta espiral da mais crua alienação que o rock é capaz de produzir. Os Lightning Bolt são filhos bastardos da música, não seguem doutrinas mas fazem escola e declaram-no sem refreamentos. Brian Chippendal (bateria e voz casual) e Brian Gibson (baixo) exprimem-se numa orgânica visceral de dimensão quase épica. Sente-se, na urgência sufocante das composições, uma estupefaciente tensão; ela é o veículo indispensável à catarse abstrusa da dupla americana. Enquanto o baixo é um dínamo incessante e debita padrões austeros numa passada incansável, a bateria ajuda ao furacão psicadélico, qual metrónomo convulso. Ruído e velocidade em partes iguais.

Hypermagic Mountain é a quarta revelação insana desta dupla. Ortodoxia é coisa que não cabe na montanha delirante de Chippendal e Gibson. Eles preferem o improviso híbrido, a rebelião contra a regra, o devaneio impulsivo, a coloração em hipérbole, o ângulo agudo...Tal como a ilustração da capa, a música dos Lightning Bolt é uma amálgama de formas e conceitos, uma embrulhada de tons e matérias. Esta receita não é simpática para ouvidos preguiçosos, mas fará as delícias dos amantes das descargas iterativas de adrenalina dos Wolf Eyes ou dos Orthrelm. Se tem mente aberta para assistir, em segundos, à aniquilação impiedosa dos conceitos clássicos de música e de álbum, só falta ter tímpanos resistentes.

sexta-feira, 4 de novembro de 2005

Vida de Casado

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Roger de la Fresnaye, Married Life, 1912

Agradecimentos e novo colaborador

Saudações especiais a todos os frequentadores deste espaço.

Escrevo-vos na condição de criador orgulhoso, qual pai babado, que vê expandir-se a cada dia o trabalho iniciado há um ano (o apARTES foi criado a 15 de Outubro de 2004). Longe das minhas perspectivas mais optimistas estaria o impensável número de mais de doze mil visitantes (!) nestes 365 dias. Agradeço a todos os que por aqui passam (e passaram) e que tomam esta casa virtual como sua, aqui depositanto opiniões, comentários e sugestões. A minha palavra de apreço acrescido às pessoas que comigo decidiram abraçar esta ideia: ao Bardo, ao Crítico, à Joaninha Voa Voa, o meu sincero agradecimento.

Aproveito para apresentar, no quadro do alargamento da oferta do apARTES, um aliado extra nestas coisas da blogosfera. A partir de hoje, o Sunday Morning vai aparecer por cá, para oferecer breves instantes de poesia. António Gedeão é o baptismo do Sunday Morning no apARTES. Bem-vindo! Para os mais curiosos, fica um convite para o blog pessoal do Sunday Morning: http://facingthewind.blogspot.com.

Espero anunciar outras novidades num curto espaço de tempo. Até lá, o apARTES será o que sempre foi: um espaço de apreço por todas as formas de arte, com a música no centro do culto.

Um espaço vosso.
Obrigado.

quinta-feira, 3 de novembro de 2005

10 discos de relance



Iron & Wine + Calexico - In The Reins (7/10)

Mini-álbum com sete canções originais de Sam Beam (Iron & Wine) que, com a excelsa guarda de honra dos Calexico, sintetizam o melhor de cada um dos projectos. Combinação a repetir. Tal como as audição atenta do disco.
(Overcoat, Setembro 2005)



Lucinda Williams - Live at Fillmore (7/10)
Primeiro registo ao vivo da cantora country-rock, apresenta-se no formato de CD duplo, com um alinhamento de 22 temas, gravados em S. Francisco e que percorrem os mais de quinze anos de estrada de Williams.
Lost Highway, Maio 2005)



Grandaddy - Excerpts From the Diary of Todd Zilla (EP) (5/10)
Os Grandaddy estão de volta num EP ligeiramente mais eléctrico, com pitadas q.b. de psicadelismo mas sem acrescentar nada de relevante ao catálogo do colectivo californiano.
(V2, Setembro 2005)



Taylor Deupree - Every Still Day (7/10)
Texturas de electrónica minimalista servem de fundo a um universo de candura que apela aos sentidos, seja no canto de um anjo (seguidor da cartilha dos Sigur Rós?) ou de uma hipnótica sereia. Um desafio na forma de música sintética.
(Noble, Junho 2005)


Heimir Björgúlfsson & Jonas Ohlsson - King Glitch (6/10)
Acoplagem de elementos electrónicos de origens diversas e mistura hábil com ruídos do quotidiano é o segredo. A cadência é boa, o tom sombrio e irreal compõe amostras borbulhantes de um jogo vanguardista em que nem todos os ouvidos arriscarão.
(Cronica/Matéria Prima, Agosto 2005)



Yob - The Unreal Never Lived (8/10)
Metal apocalíptico e iconoclasta? Convulsões inopinadas e reacções peristálticas? O rótulo pouco importa. Quatro composições (52 minutos), muita distorção a esconder a voz, padrões doom metal, pulsações altas e uma irresístivel abordagem abstracta para fãs de High on Fire, Isis ou Melvins.
(Metal Blade, Agosto 2005)



The Coral Sea - Volcano and Heart (6/10)
Indie pop com uns toques de elitismo (delírios de Radiohead ou Muse?) num registo que raramente escapa à monotonia e cuja métrica melancólica tem melhores ofertas na concorrência.
(Red Clover, Julho 2005)


Soulfly - Dark Ages (7/10)
Regresso do ícone do metal Max Cavalera no trabalho mais pesado sob o epíteto Soulfly e a louvar as lembranças do passado. O traço idiossincrático do ex-Sepultura é indelével e este Dark Ages é mais uma adição oportuna ao património do metal e de um dos seus porta-vozes mais relevantes.
(Roadrunner, Outubro 2005)



Sagas - Rostu Limpu (7/10)
Primeiro registo a solo de um músico experimentado nas matizes do hip-hop - integrou o projecto Micro, com Nel'Assassin e D-Mars - assumindo neste trabalho a musicalidade dos ritmos africanos, seja no crioulo das palavras ou na métrica das beats. Este é o rosto de Sagas. Vale a pena escutar.
(Loop Recordings, Agosto 2005)


The Juan Maclean - Less Than Human (7/10)
Electrónica dançável e mecanizada, vocalizações adulteradas, influências da disco e da funk. O resto é bizarro, invulgar, cativante e imprevisível: música de dança a explorar outras escolas.
(DFA/Astralwerks, Agosto 2005)


Parapente

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Título: Parapente
Autor: Marcelo Silva de Oliveira
Fonte: www.olhares.com/bugre

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

L'Ego - Ladrões do Tempo

Apreciação final: 7/10
Edição: Thisco, Setembro 2005
Género: Sampling
Sítio Oficial: www.thisco.net








Lançada recentemente pela etiqueta lisboeta Thisco, esta edição comporta a banda sonora da peça Ladrões do Tempo, apresentada no ano passado pela companhia sineense Teatro do Mar. As peças musicais são da autoria do experimentalista L'Ego e integraram as exibições de teatro de rua daquele espectáculo multimédia. Abrangendo uma diversidade de estilos, Ladrões do Tempo é, antes de mais, um edifício sonoro feito de colagens e manipulações. A substância musical de L'Ego é neste trabalho, como noutros, um tecido electrónico obscuro e denso, uma fusão sinérgica de classes sónicas, um desafio de timbres manobrados como bonifrates sob o jugo de um fio imperceptível. A outra ponta desse cordel invisível está nas mãos (e na mente) de L'Ego, versátil operário de sintetizadores e manobras de sampling, que molda uma massa ecléctica feita de sons desconexos, pequenos fragmentos de jazz, de música tribal, de house, também do som inato de uma guitarra, de um piano ou de um sopro.

As composições são desembaraçadas, sugerem-se nos caprichos do acaso, numa toada quase improvisada, qual peça de artesanato castiço e sem impurezas. A fórmula de crescendo das faixas, sempre rumo a um clímax provável (nem sempre materializado...), aceita as latitudes do lounge e torna a audição de Ladrões do Tempo uma sugestão acertada para uma noite no café-bar. Num disco sobre salteadores, L'Ego dá forma corpórea, às escondidas, a um furto dos armários do tempo. E se os proprietários legítimos destes sons (Autechre, Coil, Dany Siciliano, Hector Zazou, La Fura dels Baus, Robert Fripp, To Rococo Rot, entre outros) não apresentam queixa, então beneficiemos com o produto do roubo. Deixemos à quadrilha destes Ladrões do Tempo o ensejo de nos surripiarem o precioso tempo, escutemos o disco e não esqueçamos: o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem...

Procure na grafonola as faixas "Metropolis" e "Aberto 24 Horas"

terça-feira, 1 de novembro de 2005

The Fiery Furnaces - Rehearsing My Choir

Apreciação final: 5/10
Edição: Rough Trade, Outubro 2005
Género: Indie Rock/Experimental/Spoken Word
Sítio Oficial: www.thefieryfurnaces.com








É suposto que uma reunião familiar redunde no reforço da empatia e dos vínculos pessoais dos membros de um clã, se se trata de uma família sem disfunções. Aparentemente é esse o caso dos Friedberger, afinal os irmãos Matthew e Eleanor andam a par, nestas coisas da música, há um punhado de anos. Pelo caminho, escreveram dois álbuns (e um EP) que delinearam um perfil musical inventivo e algo revivalista. Neste terceiro trabalho, os manos quiseram (ou assim parece...) construir um álbum conceptual, partindo precisamente da afinidade musical e da ascendência da avó, Olga Sarantos, antiga directora do côro de uma igreja ortodoxa grega, algures no Illinois. À senhora é reservado o ensejo de figurar entre as vocalizações deste Rehearsing My Choir - também tem honras de capa - e de partilhar com o ouvinte algumas memórias da Chicago dos anos 50, através do registo musical nada banal dos netos. E se a banalidade nunca esteve nos trabalhos anteriores dos Fiery Furnaces, que dizer deste terceiro álbum? O fundo musical é declaradamente mais experimental, não abdica dos inevitáveis picotados a piano e dos vultos desenhados a guitarra mas embrulha-os numa dimensão teatral, a vibrar entre a exuberância e o recato, em flutuações dispensadas de compromisso. Rehearsing My Choir é assim mesmo, um disco sem ajuste a vínculos, sem preconceitos e com a vitalidade própria de canções emancipadas. Serão mesmo canções? Neste trabalho, o discurso sobrepõe-se à melodia, como que se desobrigando dela com astúcia. As vozes de neta e avó fazem um jogo, são peões mensageiros que confundem o tempo, numa conversa sardónica (nem sempre simbiótica) entre passado e presente que se empoleira em alicerces musicais prolixos e quase cacofónicos, cortesia da produção versátil de Matthew.

Rehearsing My Choir é um álbum bizarro e é corrompido pelas suas incongruências: as breves ocasiões de esplendor musical são ofuscadas por um registo spoken word que, na voz andrógina e profunda de Sarantos, chega a tornar-se maçador e corrompe a performance de Eleanor. A dinâmica musical do disco é controversa, parecerá bem aos adeptos da originalidade e do abstraccionismo mas decepcionará os indefectíveis dos The Fiery Furnaces que, percebendo em Rehearsing My Choir a espontaneidade e o virtuosismo de outros títulos, não descobrirão neste disco a insinuante tentação das canções da dupla Friedberger. Porque Rehearsing My Choir assume a perversão e o arrojo experimental de as não ter. Aqui, a proposta musical é como o ensaio tosco de uma trupe de teatro de rua, de trovadores de histórias musicadas com o secreto sonho de um dia verem a luz da Broadway. E, trazendo à memória outros álbuns, não deve ser isso que os The Fiery Furnaces procuram...