domingo, 6 de fevereiro de 2005

Vera Drake

Apreciação final: 8/10
Edição: 2004
Género: Drama




Na Inglaterra conservadora do pós-guerra, nos anos 50, os valores da família e do trabalho são os paradigmas das estirpes proletárias. Vera Drake (Imelda Staunton) é uma mãe extremosa, uma esposa devota e uma solidária vizinha. Dividida entre a solícita morigeração do seu lar e um abnegado altruísmo, Vera oculta da família o ofício de abortadeira: não nega auxílio às mulheres com gravidezes indesejadas. E fá-lo sem ter consciência da natureza criminosa do acto, apenas com o escopo filantropo de socorrer quem precisa. Quando as trangressões são expostas pela polícia, o pequeno mundo perfeito de Vera desmorona-se.

A mais recente película de Mike Leigh é um tocante documento sobre o valor da vida e o esboroar das frágeis muralhas que defendem os valores da humanidade. O filme assenta num estupendo trabalho de actores, a densidade das personagens é pouco menos do que brilhante - Imelda Staunton ganha o "meu" Óscar, se não o da Academia, tão sensível é o seu desempenho: Vera Drake é o convincente retrato de uma mulher angélica e ingénua, por isso pura e incorruptível. Staunton empresta-lhe uma aura intensa, com uma carga dramática forte. Além disso, a fita é um exercício de pormenor, onde cenários pardos compôem a atmosfera dramática que embala o enredo. A quase ausência de banda sonora presta um utilíssimo ajutório a esse efeito.

Vera Drake é um filme propositadamente inquietante, obriga-nos a uma prudente meditação sobre o dogma do primado da lei, a cegueira insensível da jurisprudência e as assimetrias entre a esfera da licitude e a moralidade da culpabilização. Afora isso, atira-nos ostensivamente à cara a crua verdade sobre o aborto, o direito à vida e a família. É um manifesto feminista? Não. É uma apologia do aborto? Não. Limita-se ao franco testemunho de uma mulher que, sendo abortadeira, sacraliza a vida (e a família) como fitos existenciais. É um paradoxo? Não.

1 comentário:

John Holmes Reys disse...

Estará condenado a passar de forma despercebida nas nossas salas de cinema, embora de uma forma injusta. Vera Drake é um filme simples, mas tão poderoso que esmaga a nossa sensibilidade devido ao intenso trabalho de actores. Ainda não vi Hilary Swank em Million Dollar Baby, mas Stauton arrisca-se a levar o Óscar para casa.