segunda-feira, 26 de maio de 2008

Martha Wainwright - I Know You're Married But I've Got Feelings Too

7/10
Drowned in Sound
Popstock
2008
www.marthawainwright.com



Muito por culpa da galvanizante escalada de Rufus para a divisão maior do orbe pop mundial, o apelido Wainwright ganhou, nos últimos tempos, a gravidade de uma casta emblemática e ficaram expostas as afinidades umbilicais da família com a música. Loudon Wainwright, o patriarca do clã, desbravou caminho desde os anos setenta, como autor folk, gravando mais de uma vintena de discos. Do casamento com a canadiana Kate McGarrigle, também ela associada à cena folk do seu país, como metade do duo das manas McGarrigle, nasceriam Rufus e Martha. E, embora tivesse desde cedo dado mostras de um fôlego criativo próprio e da intenção de traçar um trilho pessoal para o êxito artístico, foi precisamente pela mão do irmão que a música de Martha ganhou outra visibilidade, graças a pontuais (e repetidas) aparições em espectáculos - a mais notada, nas actuações de homenagem a Judy Garland no Carnegie Hall, então dando voz a "Stormy Weather" - e à habitual contribuição nos discos de Rufus. A par disso, além do natural debute em disco a solo, em 2005, a prestabilidade de Martha em colaborações inúmeras, mormente o célebre dueto com os Snow Patrol em "Set the Fire to the Third Bar", estabeleceram-na como um activo ubíquo e sólido da cena folk, ainda que sem o reconhecimento mediático devido.

I Know You're Married But I've Got Feelings Too promete emendar isso e introduzi-la a multidões maiores. Atrás do delicioso título, está um alinhamento de canções plenas de musicalidade, ora visitando o cânon folk, ora ensaiando as virtudes "clássicas" da canção pop de género mestiço. Com estas credenciais de ambição e, sobretudo, com o quilate instrumental e emocional das composições, se percebe o crescimento de Martha enquanto compositora. A delicadeza acústica do antecessor é, aqui, apenas um alicerce, o simplíssimo esteio de belas construções harmónicas e de um tecido sonoro cheio de pormenores. Ao delicado intimismo acústico, somam-se arranjos que redimensionam as canções, guindando-as a outra impressão, chame-se-lhe som de banda. Depois, é na voz de Martha que o disco descola, na elasticidade e na surpresa, no dramatismo e na luminosidade, na celebração e na confissão. As canções, apesar de uma ou outra concessão acidental às convenções, dão mostras de maturidade ("Tower Song" é um dos auges disso), de congruência e de um apurado sentido estético (que transforma, com belo efeito, "See Emily Play", dos Pink Floyd). E esse é, bem vistas as coisas, o melhor atestado de emancipação de Martha face ao "peso" do apelido e o primeiro passo efectivo rumo ao estatuto que merece.

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