domingo, 4 de maio de 2008

Excepter - Debt Dept.

7/10
Paw Tracks
2008
www.excepter.com



Da mesma forma que Camilo José Cela definiu, em tempos, a política como a arte de encaminhar a inércia do animal humano e da sua existência evolutiva, também à música pode imputar-se uma função enquanto instrumento sociológico: a de animar essa letargia intrínseca ao Homem. Assumindo como relativamente pacífico esse propósito operacional da música nas suas mais variadas identidades estéticas, é curioso descobrir na discografia dos Excepter um substrato que parece contradizer esse pressuposto. Com John Fell Ryan, Dan Houghland (eles são o núcleo criativo) e seus companheiros de sexteto, as artes musicais vincam a renúncia ao atávico encargo de açular conformismos e preguiças do espírito humano e, ao invés disso, fazem deles a matéria primaz de inspiração. Assim se entendem, neste como noutros momentos do catálogo da banda, os motivos de uma bizarra predilecção por construções melódicas (se é que se pode falar de tal coisa nos Excepter) estruturalmente anémicas, de cadências arrastadas (ou apenas subentendidas) e erguidas em lentas e psicóticas experiências de ressaca, com escalas estéticas a oscilarem, como vultos, entre o drone e a abstracção electrónica, o underground rap e o industrial. De Suicide a Bauhaus, de Swans a Boredoms, tudo embrulhado com narcóticos.

Apesar de tudo, Debt Dept. insinua-se como o menos intratável dos apêndices da família Excepter, talvez por hoje se fazerem óbvias as paisagens mentais que esta música invoca e por, em virtude disso, já estarmos familiarizados com uma linguagem de modorras e desalinhos (as convenções não cabem aqui), de beats e vocalizações discrepantes, de texturas esdrúxulas e porosas. O enlevo pelo burlesco rouba o espaço da ortodoxia nos cânones Excepter e são, sobretudo, as derivações para a excentricidade e o primitivismo, também um ou outro resvalo auto-destrutivo, que fazem o feitiço de Debt Dept.. Nem todas as "canções" são pitanças do tamanho de "Kill People" ou "Burgers" (grande, grande, grande, grande), mas um disco de Excepter é sempre obra para desfiar com a reverência que merece.

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