quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Os melhores do ano

O ano que agora finda não foi particularmente inspirado em termos musicais. Marcado pela recuperação de espaço mediático de algumas das estéticas electrónicas normalmente vetadas pelos grandes públicos e, sobretudo, pela febre dos regressos ao palco de míticas bandas do passado, 2008 trouxe-nos, como sempre acontece, boa música, algumas decepções e outras tantas revelações. Espreitemos, então, os melhores do ano desta casa. A primeira nota de destaque, mormente pelo simbolismo de regeneração da escola de sons mais ou menos “perdida” do rock matemático, é a natural consagração da estreia em disco dos americanos Battles como título máximo do ano. Eles não só deram novo fôlego e expressão a uma feição rock mais angular e técnica como, em paralelo, a apresentaram às novas gerações, garantindo a sobrevivência de um género que, por ser pouco dado a seguidismos e modas de momento, é normalmente posto à margem dos canais de distribuição dominante. Do outro lado do Atlântico, o misterioso Burial fez coisa parecida com o seu segundo álbum e merece a segunda posição do pódio, embora noutra órbita, desvendando dimensões novas do dubstep, assim confirmando virtudes do género bem além do habitat natural underground londrino. No último lugar da trindade de excelência, suplantando por muito pouco o magnífico quarto álbum dos conterrâneos The National – claramente os incontestáveis ganhadores do orbe pop-rock – surge a grande revelação da música americana para este ano, os Yeasayer e um disco de estreia esteticamente ambicioso e voltado para as novas coordenadas da folk.

Nos lugares seguintes da tabela, dois esteios da música escandinava: os dinamarqueses Efterklang – que finalmente parecem ter encontrado o complemento de criatividade mais oportuno para o pragmatismo técnico que já se lhes conhecia – e o debutante sueco Alex Willner (The Field), adepto incondicional do minimalismo techno. A estes, seguiu-se a bizarria de Noah Lennox (Panda Bear) que, aproveitando uma pausa dos Animal Collective, nos ofereceu um disco recheado de belas especulações pop. Ainda no domínio dos chamados “projectos paralelos”, o canadiano Spencer Krug (Sunset Rubdown), editou o melhor dos seus discos individuais, demonstrando que a sua verve (e a sua carreira) não depende dos Wolf Parade. O último par de discos dos primeiros dez do ano é encerrado por dois projectos europeus. Sascha Winkler, artisticamente chamado Kalabrese, é o underdog do ano e um valor seguro para anos vindouros, com um impressivo primeiro álbum a merecer escuta atenta. A fechar, os germânicos Einstürzende Neubauten, senhores doutos do rock industrial europeu que, ao fim de trinta anos de carreira, ainda são capazes de reinventar-se.

Cá pelo burgo, o ano de 2008, trouxe uma tardia consagração comercial a Jorge Palma (foi preciso o homem escrever um disco mais comercial para muitos portugueses o ouvirem pela primeira vez!) e confirmou a solidez do estatuto de David Fonseca. JP Simões, o compositor português que deu luz aos Belle Chase Hotel e ao Quinteto Tati, escreveu um dos melhores discos do ano, numa clara homenagem à sua predilecção pela geração setentista da música brasileira. Este foi, também, o ano de afirmação definitiva de três projectos: os Micro Audio Waves que, depois de algum reconhecimento além-fronteiras, viram finalmente a sua música a merecer alguma exposição e o reconhecimento devido, os lisbonenses Hipnotica, cada vez mais um valor firme das tendências mais abstractas da música lusa, e Old Jerusalem, o espaço solitário com que o cantautor portuense Francisco Silva nos vem deliciando. Nas revelações, destacando-se da miríade de edições avulsas que subitamente invadiram o mercado nacional, merecem referência os experimentalistas Tropa Macaca, projecto de Ju-Undo e Símio Superior, com uma belíssima estreia em vinil, o conceito The Partisan Seed, onde o ex-Kafka Filipe Miranda desvenda posturas intimistas e DJ Ride, com uma impressiva primeira aparição, a prometer altos voos num futuro próximo. A finalizar, e porque os últimos podem ser os primeiros, o destaque maior do ano nacional foi o regresso do homem dos sete instrumentos, Júlio Pereira, num sublime exercício de redescoberta das raízes da música lusa e respectivas convergências com espaços e referências sonoras de outras partes do planeta.

E assim se fez música em 2007.

Os dez mais (internacionais):

1.º Battles, Mirrored
2.º Burial, Untrue
3.º Yeasayer, All Hour Cymbals
4.º The National, Boxer
5.º Efterklang, Parades
6.º The Field, From Here We Go Sublime
7.º Panda Bear, Person Pitch
8.º Sunset Rubdown, Random Spirit Lover
9.º Kalabrese, Rumpelzirkus
10.º Einstürzende Neubauten, Alles Wieder Offen

Os dez mais (nacionais):
1.º Júlio Pereira, Geografias
2.º Tropa Macaca, Marfim
3.º JP Simões, 1970
4.º Micro Audio Waves, Odd Size Baggage
5.º Hipnótica, Better Communities For Better Days
6.º DJ Ride, Turntable Food
7.º Mário Laginha Trio, Espaço
8.º Old Jerusalem, The Temple Bell
9.º Blasted Mechanism, Sound in Light
10.º The Partisan Seed, Visions of Solitary Branches

Para consultar a lista completa dos trinta melhores discos do ano, clique aqui.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Robert Plant & Alison Krauss - Raising Sand

7/10
Rounder Records
2007
www.robertplantalisonkrauss.com



O facto de os protagonistas desta dupla virem de órbitas musicais normalmente pouco "conciliáveis" (mesmo em termos ideológicos), alimentou a curiosidade dos melómanos sobre a convergência artística que o "histórico" produtor/compositor da música americana (e das mais finas estirpes da folk do seu país) T. Bone Burnett imaginou e passou à prática. Além de ter operado a improvável aproximação entre Robert Plant, voz dos anais rock com os Led Zeppelin (o colectivo está na iminência de um regresso anunciado), e Alison Krauss, estrela multi-premiada da country/bluegrass, Burnett reuniu à volta deles uma trupe de músicos do escol americano que, entre ele próprio e outros, juntou o seminal artesão de experiências vanguardistas Marc Ribot (colaborador regular de John Zorn), o lendário guitarrista Norman Blake (tocou com gente como Steve Earle, Bob Dylan, June Carter, Joan Baez, Johnny Cash ou Kris Kristofferson), o instrumentista Mike Seeger e o baterista Jay Bellerose.

De Burnett já se conhecia o alento ocasional de pedagogo e historiador das potencialidades da folk, com orgulho nas raízes e, sobretudo, com o firme propósito de inspirar atalhos futuros. Mais do que ser um mero colector ou um reverente admirador/intérprete, o mestre sempre deu mostras de buscar soluções contra qualquer tipo de estagnação criativa no género e, desta vez, nada melhor do que convocar um agrupamento de músicos e vozes para servir uma homenagem à tradição musical americana. Trata-se, afinal, de erguer uma consistente colecção de revisões de canções celebrizadas por Gene Clark, Sam Phillips, Tom Waits, Townes Van Zandt, Roly Salley, Allen Toussaint, os Everly Brothers ou Little Milton. A música é intencionalmente poeirenta e oldie, como bem convém ao melhor estilo blues-country, num registo amplo o suficiente para passar pelo sujo assombramento ("Rich Woman"), pelo romantismo ("Sister Rosetta Goes Before Us") ou pela deriva atmosférica ("Trampled Rose") com a mesmíssima eficácia. Depois, as vozes de Plant e Krauss conseguem, aqui e ali, instantes de pura magia, mormente quando são chamadas a mostrar-se fora dos padrões habituais ou, como no bem sucedido tema de abertura, se ancoram mutuamente. Do delta do Mississipi a New Orleans, do Texas ao Kentucky, Raising Sand é uma interessante síntese da história recente da música americana e, embora nem todas as peças sejam uniformes nos atributos (salve-se dessa incerteza a produção, sempre excelente), não deixa de ser uma oportuníssima declaração.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Dirty Projectors - Rise Above




O conceito por detrás deste disco pareceria, por si só, um devaneio curioso e desafiante do trajecto experimentalista dos Dirty Projectors. Senão, vejamos: Dave Longstreth, guru desse quarteto nova-iorquino, propunha-se regravar, fazendo uso apenas das reminiscências da sua memória, o álbum Damage, clássico punk que, em 1981, deu a conhecer os Black Flag (e, com eles, o então "novato" Henry Rollins). Volvida mais de uma vintena de anos da edição desse registo e da pertinência do discurso panfletário (e eivado de cólera vocal de Rollins...) subscrito pelos Black Flag, Rise Above é reflexo de uma admiração moldada pelo tempo e, por isso, bem distante das matrizes hardcore em que se inspira. A proposta aqui, como poderia antecipar-se pelas raízes nova-iorquinas dos Dirty Projectors e pela tendência recente da escrita de Longstreth (evoluiu da folk "clássica" para escalas melódicas mais errantes), é um puro deleite de experimentação. Chame-se-lhe rock especulativo de câmara ou deriva math rock com corais, a verdade é que estamos perante um exercício tenso e anguloso, com impaciência rítmica e múltiplas esquizofrenias, no mesmo jeito com que os Deerhoof vêm trabalhando, nos últimos anos, uma nova arquitectura da canção rock.

Depois, mais do que meramente contemplar a luminária de Rollins e companhia, Longstreth mostra-nos uma genuína reciclagem de formas e conteúdos, onde a "sagrada" hostilidade dos Black Flag e o pragmatismo instrumental da matriz punk se convertem numa tensa fantasia de abstracções. Ao invés da catarse explosiva de Damaged, dir-se-ia que Longstreth ensaia outro tipo de purgação, assumidamente mais luminosa. Nesse festim cabem o psicadelismo, as gradações de estilo (entre o pastoral, a pop, a matemática rock, o tribalismo africano, a música de câmara, as cordas e as distorções...), a afeição pela anomalia, as descontinuidades nos tempos, a excitação com o irregular. No final, não só fica feita uma celebração ímpar (sobretudo, pelo contraste estético) da importância inspiradora do punk, como sobra um documento genuinamente pós-modernista, algo grotesco e obtuso, sem receio de assumir-se bizarro, mas não menos compensador por isso. E um ou outro excesso pontual, se afasta mentes menos prevenidas e adeptas de produtos mais conformistas, há-de fazer as delícias daqueles que subscrevem incondicionalmente a cartilha da aventura.

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segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Sunset Rubdown - Random Spirit Lover


8/10
Jagjaguwar
Sabotage
2007
www.sunsetrubdown.net




Ramificação directa dos mediáticos Wolf Parade (algumas vezes iniquamente desconsiderado com o rótulo de projecto "secundário"), o quarteto Sunset Rubdown começou por ser uma invenção individual de Spencer Krug, crescendo depois para o formato de banda, como noutros casos da cena musical de Montreal - onde cada vez mais (e melhor) se aproveitam sinergias criativas (o próprio Krug está nos Wolf Parade, nos Sunset Rubdown, nos Frog Eyes e nos Swan Lake). Assim se reuniu, nos últimos anos, uma família de intérpretes que, conhecendo nos Arcade Fire o topo do reconhecimento internacional de uma estética cheia de particularidades e derivações, vai construindo um cancioneiro pop para o novo século. No caso dos Sunset Rubdown, e marcando distâncias para o pendor mais pragmático dos Wolf Parade, a coisa assume proporções quase vaudeville, sobretudo na forma como são exploradas as dimensões mais teatrais (e hiperbólicas) de melodia, ora com a tentação das vertentes progressivas e arty do rock, ora no recato dos registos mais minimalistas. Em qualquer dos casos, Random Spirit Lover é um produto manifestamente tenso e nervoso, obcecado com o detalhe e as sucessivas mutações e nunca deixaria de ser um álbum de absorção lenta. Demora a chegar-se à intimidade com um discurso tão variegado e de arquitectura tão minuciosa e ambivalente entre a delicada transparência e a labiríntica opacidade. Mas, uma vez dados os ouvidos ao dédalo - com a paciência para desfiar pormenores e preciosidade melódicas "encobertas" - a surpresa faz-se regra a cada variação tonal, a cada camada de som que se acrescenta às outras e a cada flutuação da voz. Isto é pop sem receio da ambição, a tentar os máximos do épico (pelo menos tanto quanto pode ser-se épico nos dias de hoje) e, com subtileza, elegância e elevação técnica, o resultado é glorioso. Basta deixar que a perplexidade das primeiras audições dê lugar ao conforto de perceber que, por detrás da imensa pompa instrumental e da encriptação da música, há circunstâncias novas para desvendar em cada peça e em cada visita.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Flykkiller - Experiments in Violent Light

7/10
Flykkllr Records
2007
www.flykkiller.com



Depois da emersão de uma parte significativa da cultura underground de Londres para o espaço mediático com a emancipação do movimento dubstep, não estranha a novel curiosidade dos públicos (e críticos) por outras descendências da electrónica que moram na capital inglesa. A última sensação dessas actividades "marginais" são os ainda anónimos Flykkiller, projecto de convergências entre o produtor Stephen Hilton, parceiro de David Holmes no quarteto The Free Association, e a vocalista de origem polaca, Pati Yang. Aceitando electrónicas multiformes (na estética e nos tempos) como esteio estruturante das composições, o debute da dupla revela ímpetos experimentalistas em redor de um ideário beats com referências importadas do underground rap, a que se somam, com curioso sentido de oportunidade, poeiras e interferências de electrónicas esparsas, breves cuts de "classicismo" de cordas à Craig Armstrong, aparições pontuais de instrumentações acústicas, ruídos ocasionais, mandamentos pop e uma ou outra derivação pela world music ou pelo chill out. Com tamanha panóplia de substâncias na mescla, o risco de erguer uma linguagem desconexa ou "desorientada" era uma circunstância crítica mas, em boa verdade, Experiments in Violent Light não só não dá mostras de deslizes na consistência, como ainda suplanta cepticismos quanto à eventual imiscibilidade orgânica dos ingredientes, sobrando uma rara sensação de completude e coerência. A par disso, o disco sugere ambientes vários de exotismo e sensualidade, de negro e sinistro, de tangências ao psicadelismo e à cenografia (pormenor particularmente evidente no último terço do alinhamento, onde algumas breves cedências à previsibilidade chill out penalizam o opus). No final, uma electrizante remistura do tema-título pelo "padrinho" David Holmes recoloca Experiments in Violent Light na rota certa. Uma revelação interessante.

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terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Mazgani - Song Of the New Heart

7/10
Naked
Independent Records
2007
www.myspace.com/
mazgani



Quando a prestigiada publicação Les Inrockuptibles fez nota de destaque sobre a música do iraniano Sharyar Mazgani, há coisa de um par de anos, então incluindo-o num rol de músicos-revelação a observar nos anos seguintes, poucos seriam os melómanos portugueses a conhecer a sua música e a saber da ligação de quase duas décadas do compositor a Portugal. De então para cá, o músico radicado em Setúbal viu crescer à sua volta um ainda injustamente pequeno (tendo como referência a dimensão artística e a qualidade do conceito) culto de admiradores - a vitória no festival Termómetro Unplugged de 2005, já com a companhia de Sérgio Mendes (guitarra), Rui David (bateria) e Victor Coimbra (baixo), foi apenas uma etapa na consagração que se previa - rendidos a um som de nostalgias folk, com o norte nos cânones "clássicos" de Nick Drake ou dos primórdios de Leonard Cohen (assumidamente uma das bússolas do iraniano), mas com oportuníssimas divagações pelos ensinamentos das escolas rock contemporâneas, sobretudo na forma como, na guitarra, o acústico se enlaça com o eléctrico para o desenho das melodias. O resto é ténue pó de melancolias e uma voz assombrada pela intimidade, tão capaz de mostrar-se levitante e utópica como, de seguida, render-se ao ónus das evidências e deixar-se resvalar para o grave arrastado. Em qualquer dos registos - aí fazendo jus ao título do disco - as eufonias de Mazgani são de puro romantismo, de redenção e espiritualidade, cruzando esperança e saudade. E isso é feito com subtileza e sentido de proporção e, mesmo sem desvendar uma fórmula musical especialmente inovadora, acaba por permitir a descoberta (para aqueles que ainda não o conheciam) de um intérprete para seguir com efectiva atenção no futuro próximo.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Sigmatropic - Dark Outside

6/10
Tongue Master Records
2007
www.sigmatropic.gr



Apesar de estar sediado num país (Grécia) distante dos principais círculos de distribuição de música na Europa, o projecto Sigmatropic despertou a atenção da comunidade melómana quando, há quatro anos, reuniu na mesma edição (Sixteen Haiku & Other Stories) uma ilustre trupe de convidados para emprestarem a sua voz a uma colecção de textos musicados e escolhidos na obra do poeta ("nobelizado" em 1963) Giorgos Seferis. Do impressivo rol de ajudantes constavam nomes como Robert Wyatt, Cat Power, James Sclavunos, Howe Gelb, Lee Ranaldo, Mark Eitzel e Laetitia Sadler. Alguns repetem conivências neste Dark Outside, conferindo ao disco uma diversidade vocal muito interessante e, mais do que isso, demonstrando inesperadas paridades com as coordenadas musicais de Akis Boyatzis (o guru-compositor dos Sigmatropic), especialmente quando a órbita das composições os obriga a distanciaram-se do conforto do habitat natural. Musicalmente, a proposta é a natural descendência da obra de debute, dando mostras de evolução da linguagem electro-folk e, em consequência disso, da tecedura mais consistente das canções. Ao mesmo tempo, e marcando um certo contraponto com o antecessor, Dark Outside é banhado por uma luminosidade não escutada antes, tanto no talhe melódico como na presença ocasionalmente menos taciturna das vozes (Anna Karakalou, nova voz residente do projecto, não brilha menos do que Robert Fisher, Howe Gelb ou Carla Torgerson). Único senão: no meio de uma família de vozes tão fecunda, o monocordismo (ou a previsibilidade) da voz de Boyatzis - particularmente notório em "Position One" ou "Monologue" - destoa e acaba por estorvar a afirmação de qualidade que os momentos altos ("A Song in My Wallet" ou "White") do disco faziam adivinhar. Ainda assim, Dark Outside conjuga substâncias suficientemente interessantes para merecer uma escuta de cortesia.

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sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Phosphorescent - Pride






Apressadamente entronizado pela crítica especializada como um dos mais fidedignos herdeiros de algumas das ramificações genealógicas da folk americana "tradicionalista", Matthew Houck tem no conceito Phosphorescent um espaço de curiosas manifestações musicais. Mais do que meramente fazer jus a esses rótulos que quiseram colá-lo ao legado Dylan, a música de Houck desvenda não só os reflexos de um aturado processo de transcrição dessas referências para a modernidade, mas também uma imensa vontade de afirmar um cunho próprio. Nesse particular, e num registo que pede meças às órbitas mais inspiradas de Will Oldham, marcam pontos uma voz de belas inflexões e com peso melódico impressivo e a profundidade estrutural das composições. De resto, Pride - terceiro tomo de Houck - é um disco que aposta em duas dimensões da emoção, aquela que se refugia na íntima e melancólica balada sem artifícios técnicos, ou, a outro nível, aquela que se ampara em revestimentos levemente mais psicadélicos (aí se reconhecendo algumas afinidades, ainda que distantes, com os Animal Collective - ouça-se o tema de abertura) ou de espiritualidade tipicamente sulista. O resultado é ambíguo, simultaneamente vulnerável e possante, distante do típico registo de cantautor e com momentos de belíssima construção melódica com arranjos. E os ápices de criatividade acontecem quando, em impressivas multiplicações de si mesmo e da sua voz, Houck se desassombra com os seus próprios fantasmas e personalidades solitárias e nos encanta ao mostrar faces diferentes de uma mesma verve. A soberba tríade "A Picture of Our Torn Up Praise" / "Wolves" / "My Dove, My Lamb" eleva faíscas acima das competências do resto do alinhamento mas isso não macula o desempenho global do opus. Todavia, fazendo bitola da mágica sedução desse trio de peças, fica a sensação de que há em Houck um impressivo filão de recursos à espera de ainda melhores obséquios. E que está na calha, para os anos vindouros, um disco ainda melhor do que este.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Black Dice - Load Blown

5/10
Paw Tracks
2007
www.blackdice.net



Embora não haja um segredo tecnicamente depurado na sonoridade dos Black Dice, tampouco uma dinâmica passível de grandes flutuações, a música deste trio nova-iorquino traduz uma expressão artística que pouco tem de "estacionária". Normalmente erguidas sobre um lastro melódico mínimo (muitas vezes, ele não é imediatamente perceptível), as composições aceitam, depois, o propósito transgressor de buscar interferências gravitantes de ruídos e distorções multiformes e abrasivas. Essa filosofia subversiva punha acento tónico, especialmente numa série de edições avulsas anteriores ao primeiro longa-duração do grupo, no recurso à distorção, então mostrando uma semente de noise rock pungente (ao jeito dos momentos mais ácidos de John Zorn, por exemplo) que, paulatinamente, o trio foi deixando cair em favor de uma catarse mais electrónica. Se o eufemismo sintético conheceu ápice de inspiração em Beaches & Canyons, apressadamente entronizado há cinco anos como um acto de criação maior, de então para cá a fórmula motivou alguns reveses, ora perdida no assombroso emaranhado de probabilidades estéticas que criou, ora indecisa na preferência entre a acidez do passado e o escapismo electrónico de hoje. Load Blown, quarto longa-duração dos Black Dice, mesmo afastando parte significativa dessa irresolução ao confirmar o empolgamento da banda com o psicadelismo corta-e-cose electrónico (e a aparentemente definitiva dispensa das distorções avant-core da génese do grupo), não ajuda a repor equilíbrios, recuperando composições editadas pela banda nos EP's Manoman (DFA, 2006) e Roll Up/Drool (Paw Tracks, 2007) e juntando-lhes cinco peças novas. O conjunto soa a família disfuncional, muitas vezes confundindo repetição com preguiça e bizarria com hipérbole. Não pode dizer-se que seja um disco inconsequente, não o é em essência, mas fica a anos-luz da transcendência de Beaches & Canyons e nem sequer toca o "pragmatismo" melódico do antecessor, Broken Ear Record. "Scavanger" - muito ao estilo de Panda Bear - ou "Gore" são os fragmentos de criatividade que ressaltam da mediania geral.

Posto de escuta MySpace da banda

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Subtle - Yell & Ice

8/10
Lex Records
EMI Music
2007
www.subtle6.com



Activa há cerca de uma década, a etiqueta Anticon foi a invenção colectiva de uma trupe de músicos decididos a oferecer espaço editorial a um género musical com pouca divulgação nos canais mainstream e que, entre inúmeras derivações estéticas e tangências experimentalistas com outros géneros - aí se tornando o palco de genuínos híbridos musicais - acolheu aquilo a que as convenções chamam de underground rap como axioma dominante (ou, para todos os efeitos, como "rampa de lançamento" para outros horizontes). Não demorou até que, num mercado global (e, a uma escala mais pequena, nos Estados Unidos) habitualmente "amarrado" a convenções estéticas e, por isso, guardando uma reserva de gente sequiosa de sensações rap novas, começassem a despontar a ousadia e as abstracções dos protagonistas da Anticon, então solenemente apresentados ao mundo num colectivo com o mesmíssimo nome da editora e um tomo único, com o pomposo (e ambicioso) título de Music For the Advancement of Hip Hop. Corria o ano de 1999 e esse testemunho "progressista" conjunto de gente como Alias, Jel, Odd Nosdam, Sole, Doseone ou Pedestrian deu uma impactante pedrada no charco, sacudindo espíritos ociosos e, sobretudo, demarcando-se das tendências mais ligeiras (e previsíveis) para que o universo rap (ou como, depois, se rebaptizou ao serviço de géneros mais levianos, o orbe hip hop) paulatinamente se havia voltado. Lançada a novel onda de criatividade, a solo ou em grupo, os membros da editora (e suas afinidades artísticas e projectos paralelos), ergueram um catálogo diversificado, um verdadeiro caleidoscópio de manipulações do underground rap (maioritariamente) e algumas especulações e proximidades com fórmulas do indie rock ou da electrónica. cLOUDDEAD (Doseone + Odd Nosdam + Why?), Themselves (Doseone + Jel + Dax Pierson) , 13 & God (Jel + Doseone + Notwist) ou Subtle (Doseone + Jel + Dax Pierson + Alexandre Kort + Marty Dowers + Jordan Dalrymple), ou mesmo os projectos individuais Dosh, Why? ou Bracken, tornaram-se faces notadas da editora e da sua postura, dando mostras da imparável verve dos seus membros-fundadores e amigos e, acima disso, definindo uma linguagem artística singular que, fruto de ambições pessoais dos músicos ou do apetite crescente dos mercados discográficos, se foi dispersando por outras editoras.

Também assim sucedeu com os Subtle, uma espécie de ampliação do conceito Themselves que, além de Doseone (vocais), Jel (percussão) e Dax Pierson (teclas), acolheu o guitarrista Jordan Dalrymple, o violoncelista Alexander Kort e o clarinetista Marty Dowers. O "crescimento" instrumental deu outra amplitude ao traço costumeiro da tripla, depressa afirmando um colectivo com vontade de ensaiar outras invenções. A fórmula conheceria, em pouco tempo, a consagração merecida - depois de anos a ficarem-se pela "palmadinha nas costas" da crítica especializada - com o magnífico For Hero: For Fool, do ano transacto. Se esse disco se soltara definitivamente de quaisquer amarras estruturais (nesse particular, marcando diferenças as inflexões vocais de Doseone), cruzando uniformidades rap com cores e bizarrias da electrónica ou do rock experimental, Yell & Ice é uma breve (nove trechos) colecção de revisões de alguns dos temas emblemáticos do antecessor. Mais do que fixarem objectivas na mera tarefa de remisturar as construções, os Subtle desmontam as canções em partes, baralham-nas, somam novas vozes (Tunde Adebimpe, dos TV on the Radio, Chris Adams, de Bracken, Yoni Wolf ou Dan Boeckner, dos Wolf Parade), cortam excertos, alongam, desconcertam. Pelo meio, com títulos novos como se impunha (tal a quase impossibilidade de associar novas proles e os originais que as inspiraram), cabem também peças integralmente originais. Assinado com os predicados do costume, o novo opus não só não destoa do cancioneiro Subtle (e da maravilhosa baixela de sons com ele imediatamente conotada), como fica muito próximo do brilhantismo encriptado e escuro de For Hero: For Fool. Óptimas notícias, portanto. Fica o aviso: fulgurante e irresistível vício à vista...

sábado, 1 de dezembro de 2007

Belleruche - Turntable Soul Music

5/10
Tru Thoughts
2007
www.belleruche.com



Inerente ao conceito de turntablism está, na essência, um mapa genético de manipulação de sons que, em última instância, mais não é que uma via de artificialismo na criação musical. Seja pelo recurso a samples importados de discos de veneração, aos jogos malabares com as batidas para a inserção de loops ou outra qualquer forma de trabalho manual, a expressão foi criada em meados da década de noventa, para fazer destrinça entre a mera função de passar música e o DJ que usa o misturador como um instrumento. Ao trazer esse conceito para o seu referencial estético e, mais do que isso, ao colá-no à expressão soul para baptizar o seu primeiro registo discográfico, o trio londrino Belleruche coloca-se perante um enigma de critério. Cruzar a alma soul - aqui muito bem representada num registo vocal (de Kathrin DeBoer) à procura de confortos "intemporais" (Nina Simone é luminária instantânea) - com construções manipuladas é coisa a que dificilmente se dá sabores de novidade, de tal maneira se estafaram esses argumentos com as modas passageiras do trip hop. Amarrado a essa limitação à nascença, Turntable Soul Music acaba por soar deslocado no tempo e, pior do que isso, desvenda uma incapacidade gritante para dar novo fôlego às fórmulas gastas (os Break Reform entram-nos na memória quase imediatamente e, mais longe, um espectro Massive Attack). As canções tocam, aqui e ali, uma negligente e confrangedora previsibilidade, vivendo de melodias (e melancolias) preguiçosas, raramente abrindo espaço para a surpresa ou o instante de inspiração. Salva-se um ou outro trecho - a nervosa "Bump" ou a paradigmática "Balance" vão acima do serviço mínimo - mas fica a sensação de que, o álbum se fica pela cortesia de recuperar um género sem conseguir induzir-lhe uma faísca de revitalização.

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