Embora as suas fundações estejam, desde 2001, na sombra do colectivo Okkervil River, hoje por hoje um dos ícones mais sonantes da folk alternativa americana, o conceito Shearwater acabou por emancipar-se do mero estatuto do projecto paralelo onde Will Sheff e Jonathan Meiburg depositavam as canções que não cabiam no ideário da banda-mãe. A aparente divergência de opiniões ou prismas estéticos entre os dois músicos (ou o curto espaço de manobra para as composições de Meiburg nos OR) levou à divisão de águas, mormente depois do aclamado Palo Santo (2006): Meiburg desertou e fez dos Shearwater o seu poiso único, Shef chamou a si os Okkervil River. Se já no opus prévio, ainda com Will Sheff nos créditos, Meiburg assumira na íntegra a composição, Rook é o primeiro disco da marca Shearwater sem Sheff e, também por isso, se torna o documento da derradeira exposição e afirmação do conceito. E o disco é fiel ao cancioneiro da banda: estão cá o subtil cuidado no detalhe, a placidez melódica de Meiburg, a orquestralidade dos arranjos e uma finíssima discrição pastoral. A tudo isso, somam-se as certezas da voz carismática de Meiburg, sempre seguríssima e fluente entre a grandiosidade e o recato, o romantismo e a meditação. E Rook é isso mesmo, um genuíno exercício musical de leitura de almas, a olhar para dentro e a purgar gerações infinitas de inquietações colectivas e a repassá-las nos mais redentores ambientes musicais. Se estruturalmente se trata de um documento de folk de cariz acústico, aqui e ali espreitando atrevimentos rock com projecção orquestral, Rook encerra outras dimensões que vão muito além da simples declaração musical. Seja pelos enunciados fantasiosos das letras, pelo cicerone invulgar da voz de Meiburg ou pela linguagem puramente emocional dos instrumentos (ou pelos três em simultâneo), a verdade é que Rook tem o raríssimo condão de fazer o ouvinte "sentir" a música além daquilo que ouve. Nestas canções, intersectam-se, na ímpar forma de um baile de espíritos, a majestade do drama (quase sempre servido em cortante minimalismo acústico), o sonho vacilante, a fria melancolia, a paisagem invisível (e imaginada) e a redenção luminosa. E a mescla é tão humana e credível, tão musicalmente coesa e coerente, que é impossível não se ficar rendido à imponente epopeia de bolso que Meiburg escreveu.
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