sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Les Georges Leningrad - Sangue Puro

Apreciação final: 8/10
Edição: TomLab, Outubro 2006
Género: Art Rock/Vanguarda
Sítio Oficial: www.lesgeorgesleningrad.org








Eles são cultores do barulho. Não o chinfrim desordenado e sem comando, mas ainda assim barulho. Cada disco dos canadianos Les Georges Leningrad é uma briga de sons tão pouco descritível como a auto-definição do seu som: rock petroquímico. Tem rock? Tem. Em ângulos coléricos e sem esqueletos. Tem químicos e carburantes? Tem. A combustão é uma certeza, ora pela espiral de estoiro das composições, em velocidades inconstantes, ora pelo recontro de energias, da percussão tresloucada, das matérias sintéticas em despudor alucinante e do canto (discurso) coado. Poney P, a voz do trio, acentua as perturbações e a demência do disco, levando o auditor aos limites da tolerância e do ridículo mas, ao mesmo tempo, prendendo-o à estética intencionalmente desconchavada do grupo. A electrónica é o fabricante principal desse delicioso despautério, pondo de pé um corpo sonoro futurista, subliminarmente sci-fi e desconstrutivo, sustentado em fraseados esparsos mas que, no conjunto de cada trecho, dão forma a um conceito ímpar. É esse, de resto, um dos truques regidos pelos Les Georges Leningrad, um estratagema singular para, partindo do alento regenerador do pós-punk, chegar a uma ordem sonora sem igual, coberta de abstracções, dissonâncias, infiltrações e enigmas. Como se, de uma assentada pouco usual, se enredassem o fulgor eléctrico e a urgência do punk, o vanguardismo e a bizarria da electrónica espacial, um certo impulso dançante, a excentricidade tonal do noise, a raridade tribal e os mais variados laivos da arte contemporânea.

Sangue Puro é uma provocação a espíritos conformados e, por isso, não se recomenda a melómanos conservadores. Nada aqui é previsível, nem o podia ser com os Les Georges Leningrad. Talvez um pouco mais negro (e assombrado) do que os dois antecessores, o novo tomo é doutrina profana sobre sangue e morcegos. E nota-se esse gozo vampírico na música, na vibração carnal dos trechos, nos sustos repentinos, nos arrepios de caverna, no incitamento ritualista da noite, no cerimonial de escapismo improvisado. Poney P afirmou, em entrevista recente, que não há melhor símbolo para o som presente dos Les Georges Leningrad do que o morcego. O pequeno mamífero quiróptero é um animal ambíguo, sinal de fortuna em certas partes do globo e emblema de medos noutras. Assim é também a música dos Les Georges Leningrad, esfíngica e cruciante mas, em simultâneo, cativante e fatalmente irresistível. E Sangue Puro é uma das mais compensadoras sensações auditivas para este ano.

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