quinta-feira, 14 de novembro de 2013

The Astroboy - Flow My Tears


7,7/10
PAD, 2013

Fez-se consensual a assunção de que as linguagens mais especulativas do universo musical são electrónicas e esse paradigma foi construído sobretudo em razão de duas valências reconhecidas ao género: a elasticidade formal e a expressividade. De facto, a música electrónica - mormente aquela mais experimental - é, em certo sentido, um produto anárquico por excelência, ao permitir-se uma liberdade de forma sem paralelo na música convencional e, através dela, veicular códigos de som (e respectivas dimensões emocionais) que, não só desafiam a mente, como a expõem a cenários e enigmas. Esse pendor figurativo é, de resto, a justificação para o chavão "cinematográfico" muitas vezes colado a edições da electrónica de laboratório.

O rótulo deve ser usado com cautela quando se aborda o mundo de Luís Fernandes, o cérebro por detrás de The Astroboy. Resumir-se a proposta sonora do bracarense a esse nicho seria não perceber que, completado agora um quarteto de álbuns, aqui não mora simplicidade estrutural, tampouco o "melodismo" de amplitude larga como um ecrã de cinema. Flow My Tears não renuncia às repercussões cénicas que nascem dos sintetizadores, é claro, mas não é, de todo, esse tipo de música. Estamos em presença de uma obra que, além de inspirar-se na narrativa (e no cenário, lá está) futurista e claustrofóbica de Flow My Tears, the Policeman Said (Vazio Infinito, em Portugal), de Phillip K. Dick,  reflecte a maturação de um conceito sonoro que vem sendo trabalhado nos últimos anos e que explora habilmente a desmultiplicação dos sintetizadores no espaço e os conceitos de crescendo e redundância, com indisfarçáveis referências ao movimento da kosmiche musik (vide as participações de Hans-Joachim Roedelius, símbolo do experimentalismo germânico dos últimos quarenta anos, e dos seus Qluster no disco). Música abstracta, portanto. Nesse sentido, Flow My Tears é tão técnico quanto se esperaria e, por isso mesmo, nunca seria de absorção rápida. Além disso, é talvez o registo mais sombreado de Luís Fernandes, marcado por uma tensão pungente e necessariamente menos luminosa do que noutros trabalhos. E é nos ecos cósmicos do disco, nas planantes reverberações de cada um dos seus oito trechos que abstracção e introspecção confluem num delicado equilíbrio. O cosmo distópico de Phillip K. Dick está em boas mãos. Outra vez.

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